Adivinhe o que acontece com o lixo depois que ele vai para o lixo

Em seu novo livro, o jornalista Oliver Franklin-Wallis explora o destino do lixo que geramos

Créditos: Frank Wagner/ iStock/ Freepik

Danielle Renwick 5 minutos de leitura

Em agosto de 2019, o enorme aterro sanitário de Kpone, a 40 quilômetros do centro da cidade de Accra, em Gana, pegou fogo. Por ser o único aterro sanitário projetado do município, ele acumulava há anos pilhas de roupas descartadas dos EUA e de outros países ricos.

Conforme absorviam água da chuva, os tecidos também retinham gases e produtos químicos que emanavam do lixo em decomposição. Até que, um dia, houve uma explosão. O incêndio que se iniciou durou oito meses, deixando as comunidades próximas cobertas de fumaça.

“O lixo sempre foi empurrado para as margens”, observa Oliver Franklin-Wallis, autor de “Wasteland: The Secret World of Waste and the Urgent Search for a Cleaner Future (O Mundo Secreto do Lixo e a Busca Urgente por um Futuro Mais Limpo). 

Os resíduos, segundo ele, são frequentemente exportados dos países ricos para os pobres, em um fenômeno conhecido como “colonialismo tóxico”. “Quando jogamos coisas fora, não compreendemos de fato para onde vão esses resíduos ou quem são as pessoas do outro lado do processo.”

Se os consumidores tivessem noção do verdadeiro impacto econômico e ambiental do lixo que produzimos, argumenta ele, nosso comportamento seria diferente.

ILHA DE LIXO DO "AMAZÔNICA"

De acordo com o Banco Mundial, a humanidade produz cerca de dois bilhões de toneladas de resíduos sólidos por ano e apenas um quinto de todo esse lixo é reciclado ou compostado. 

Juntas, todas as garrafas plásticas de Coca-Cola, as blusinhas da Shein, os smartphones antigos e os restos de comida jogados fora geram um impacto ambiental assustador. O setor de resíduos sólidos é responsável por 5% das emissões globais de gases de efeito estufa – mais do que os setores de transporte e aviação somados.

A chamada “Grande Ilha de Lixo do Pacífico” já mede aproximadamente o tamanho do estado do Amazonas. Ela é composta por parte dos estimados 11 milhões de toneladas de resíduos plásticos jogados nos oceanos todos os anos.

Grande ilha de lixo do Pacífico (Crédito: Reprodução/ YouTube)

Os seres humanos sempre produziram lixo. Mas a introdução de plásticos para consumo nos anos seguintes à Segunda Guerra Mundial mudou tudo. Hoje, mais de um milhão de garrafas plásticas são compradas em todo o mundo por minuto. E mais da metade das fibras de tecido – que lotam os depósitos de resíduos, como o aterro sanitário de Kpone, em Gana – é derivada de plásticos.

O uso de materiais mais baratos, combinado ao emprego de mão de obra terceirizada, à fabricação em maior escala e à redução das barreiras comerciais, fizeram com que o preço dos bens de consumo despencasse. “A explosão do plástico para consumo exigiu uma reconfiguração total do fluxo de resíduos”, explica Franklin-Wallis.

Quando se viram inundados de resíduos, na década de 1980, os países ocidentais começaram a exportar seu lixo. Entre 1988 e 2018, a China recebeu cerca de 47% de todos os resíduos plásticos globais para reciclagem.

Mas, em janeiro de 2018, Pequim proibiu, de uma hora para outra, a importação da maioria dos tipos de resíduos plásticos, por meio de uma política que ficou conhecida como “Espada Nacional”.

Daí em diante, os resíduos inundaram os países do sudeste asiático – Malásia, Filipinas, Indonésia, Vietnã e Tailândia – que, um a um, decretaram suas próprias proibições contra essas importações.

DESCARTADOS OU RECICLADOS

Quando começou a cobrir as consequências da política chinesa de proibir a importação de lixo, Franklin-Wallis passou a compreender a complexidade do setor de resíduos.

“A cadeia de suprimentos que decompõe nossas coisas é, às vezes, tão complicada quanto a cadeia de pessoas que as fabricam”, ele afirma. “Estamos falando de um setor multibilionário, que envolve milhões de pessoas.” 

Em Gana, a poucos quilômetros de distância do agora extinto aterro sanitário de Kpone, Franklin-Wallis visitou Kantamanto, um dos maiores mercados de roupas usadas da região, onde os comerciantes vendem cerca de 15 milhões de peças por semana.

Ele se reuniu com importadores de eletrônicos próximos, que revendem lixo eletrônico (nesse caso, laptops vindos da Holanda) para escolas locais.

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“Muita gente que participa desse sistema faz isso para ganhar dinheiro, e isso traz benefícios – mas também desvantagens que precisamos encontrar maneiras de minimizar”, diz ele.

O lixo eletrônico, por exemplo, é o fluxo de resíduos que mais cresce e é o mais valioso do mundo em termos de peso. Mas a prática de desmontar e reciclar esses produtos pode liberar produtos químicos tóxicos, inclusive chumbo.

LIXO DOMÉSTICO NÃO É O MAIOR VILÃO

O especialista também faz um alerta contra narrativas que colocam a culpa pela crise do lixo nos indivíduos. “Houve campanhas muito bem-sucedidas para nos convencer de que a crise do lixo é culpa só das pessoas.”

Para ele, os governos precisam regulamentar as empresas que produzem resíduos – incluindo as gigantes dos combustíveis fósseis que estão se voltando para a produção de plástico, para se proteger da queda na demanda de petróleo.

Várias empresas aderiram a planos de Responsabilidade Estendida do Produtor, nos quais elas financiam os sistemas de gestão de resíduos – embora esses fundos raramente cheguem aos países de baixa renda, que geralmente são o destino final desses produtos.

Muitos governos também aprovaram a legislação Right to Repair, que defende o direito dos consumidores de consertarem seus eletrônicos por conta própria e que visa reduzir o desperdício nesse setor.

No início de setembro, articuladores das Nações Unidas divulgaram uma minuta do tratado global sobre plásticos, que, entre outras coisas, delineia um plano para reduzir a fabricação de novos plásticos. No entanto, os consumidores ainda precisam entender o verdadeiro impacto dos seus resíduos.

Para que mudem de comportamento, será necessária uma repressão forte ao greenwashing. Ao contrário da crença popular, a maioria dos plásticos não é reciclável, e aqueles rotulados como compostáveis muitas vezes não se desintegram como prometido. E esses são apenas alguns exemplos.

“O setor de resíduos está repleto de greenwashing”, ressalta Wallis. “Se conseguirmos informar os consumidores, isso fará com que as pessoas reconheçam o tamanho do desperdício que ajudam a gerar.”


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