Agentes duplos: lobistas de petrolíferas trabalham também para ONGs ambientais
Banco de dados rastreia mais de 1,5 mil lobistas dos EUA que trabalham tanto para clientes de combustíveis fósseis quanto para organizações climáticas
Há dois anos, a organização sem fins lucrativos Nature Conservancy contratou uma empresa de lobby no Colorado (EUA) para fazer campanha em apoio a um projeto de lei que regulamentaria a poluição tóxica do ar proveniente de instalações industriais, focando em poluentes como benzeno, formaldeído e cianeto de hidrogênio.
Mas, de acordo com um relatório recente, a mesma empresa de lobby, chamada Politicalworks, já havia feito pressão contra o projeto de lei, em nome da Onward Energy, uma empresa de energia que opera usinas elétricas movidas a gás.
No fim das contas, o projeto de lei foi aprovado e as empresas do Colorado terão que começar a divulgar detalhes sobre centenas de poluentes ainda este ano.
Mas o relatório, de uma organização chamada F Minus, destacou uma questão maior: por que as fundações e organizações sem fins lucrativos que defendem o meio ambiente estão contratando lobistas que também trabalham com empresas de combustíveis fósseis e outros poluidores?
Em um banco de dados lançado no ano passado, a F Minus está agora rastreando mais de 1,5 mil lobistas nos EUA que trabalham tanto para clientes de combustíveis fósseis quanto para organizações sem fins lucrativos e outras entidades que apoiam a ação climática.
Isso acaba transmitindo a mensagem de que é aceitável trabalhar com esses lobistas.
Essa situação é comum. Em outro exemplo, a Pew Charitable Trusts contratou a Politicalworks para fazer lobby por travessias seguras para a vida selvagem, uma solução que é necessária porque a crise climática está mudando o habitat da fauna e forçando os animais a viajar mais longe em busca de alimento e abrigo.
Ao mesmo tempo, a Politicalworks estava fazendo lobby contra um projeto de lei para reduzir as emissões de gases de efeito estufa no Colorado.
Um porta-voz da Pew não comentou por que a organização escolheu trabalhar com a Politicalworks, mas disse que a entidade trabalhou com "várias empresas locais e organizações sem fins lucrativos" para o projeto de lei. A Politicalworks não respondeu ao nosso pedido de comentário.
Na Califórnia, uma empresa de lobby chamada Arc Strategies fez campanha para a Berry Corporation, uma perfuradora de petróleo, contra um projeto de lei de 2023 que exigia que as empresas de petróleo tapassem poços abandonados para impedir vazamentos de metano, um potente gás de efeito estufa.
A empresa também fez lobby contra outro projeto que exigiria que os fundos de pensão estaduais se desfizessem de ações de empresas de combustíveis fósseis, de acordo com o relatório da F Minus. A lei sobre poços de petróleo foi aprovada, mas o segundo projeto não foi adiante.
Simultaneamente, a Arc Strategies também fez lobby em nome do New Venture Fund, uma organização sem fins
Existe uma grande contradição quando entidades que medem o impacto de cada lâmpada em seus escritórios contratam um lobista de petróleo.
lucrativos que apoia o trabalho ambiental, em um projeto de lei que exigiria que as escolas se planejassem para dias de calor extremo – um resultado direto da mudança climática. Esse projeto de lei ainda não foi aprovado.
O New Venture Fund (NVF) é um patrocinador fiscal, o que significa que ele apoia outros grupos que trabalham de forma independente e fazem parceria com o fundo para obter o status de organização sem fins lucrativos. Cada líder de projeto toma sua própria decisão sobre estratégias – como trabalhar ou não com lobistas –, diz o fundo.
"A NVF não tem uma política formal que impeça os projetos de usar os lobistas que considerem adequados para promover uma causa, porque é impossível fazer progresso em nosso sistema democrático se só nos envolvermos com pessoas com as quais concordamos em 100% das questões", diz Lee Bodner, presidente do New Venture Fund.
O relatório da F Minus observa que o New Venture Fund trabalhou com lobistas de combustíveis fósseis em seis estados nos EUA entre 2022 e 2023.
Talvez os grupos ambientais nem sempre tenham outras opções. Mesmo assim, a F Minus argumenta que as organizações climáticas têm a responsabilidade de fazer mais.
"Existe uma grande contradição quando entidades que medem o impacto de cada lâmpada em seus escritórios contratam um lobista de petróleo e gás", observa James Browning, fundador e diretor executivo da F Minus.
"Acho perigoso. Isso acaba transmitindo a mensagem de que é aceitável trabalhar com esses lobistas, como se não nos importássemos com o fato de eles estarem barrando o progresso da luta contra a crise climática."
É possível que essas relações com lobistas possam levar a alguma mudança de postura. No ano passado, depois que a F Minus observou que a Universidade Johns Hopkins compartilhava um lobista com uma empresa de carvão – apesar de a universidade ter retirado as empresas de carvão de seus investimentos –, o profissional deixou de trabalhar com o cliente de carvão.
"Não acho que eles querem vir a público e admitir que esse é o motivo", diz ele, "mas acho que é uma prova de que esse tipo de pressão funciona".