Ainda dá tempo de frear o desmatamento e salvar a floresta amazônica?

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Há mais de dez anos, centenas de empresas haviam se comprometido a parar, até 2020, o desmatamento em suas cadeias de suprimentos. Infelizmente, isso não aconteceu. Somente na bacia amazônica, quase 5 milhões de acres de cobertura florestal foram derrubados em 2020. Em janeiro de 2022, o desmatamento na área atingiu o nível mais alto em 14 anos.

Um estudo recente sugere que a floresta amazônica está se aproximando de um ponto de inflexão: à medida que o desmatamento e os impactos das mudanças climáticas crescem, enormes áreas podem ser perdidas permanentemente. Isso traria consequências devastadoras para a biodiversidade e para o clima. 

Mas o que as empresas que compram produtos da Amazônia – de chocolate e café a madeira e soja – poderiam fazer de diferente? Quando começaram a se comprometer a combater o desmatamento em 2010, “elas não tinham ideia de como fazê-lo”, relembra Fabiola Zerbini, diretora do setor de florestas, uso da terra e agricultura da filial brasileira do World Resources Institute, uma organização sem fins lucrativos.

Em cadeias de suprimentos complexas como essas, foi um desafio rastrear onde o desmatamento estava acontecendo. Não estava claro o que seria necessário para que os agricultores mudassem as práticas. E as empresas não estavam investindo o suficiente para ajudar, explica Sarah Draper, gerente do programa de desempenho corporativo da ONG Global Canopy. “Uma das principais razões para o fracasso do combate ao desmatamento é simplesmente a falta de ação, ou a falta de investimento nas mudanças necessárias para atingir as metas”, resumiu. 

TECNOLOGIA CONTRA O DESMATAMENTO

A situação agora é péssima. Draper aponta que nenhuma das empresas avaliadas na “Forest 500” – uma lista com as empresas que mais compram commodities que põem em risco as florestas – conseguiu ainda erradicar o desmatamento. Mas há sinais de que elas estão começando a encontrar soluções mais eficazes. Hoje em dia, é mais fácil rastrear, quase em tempo real, o que está acontecendo na cadeia de suprimentos. As empresas contam com ferramentas baseadas em satélite e com emissão de alertas quando as árvores são retiradas de uma área.

QUANDO COMEÇARAM A SE COMPROMETER A COMBATER O DESMATAMENTO EM 2010, AS EMPRESAS NÃO TINHAM IDEIA DE COMO FAZÊ-LO.

Também está se tornando mais fácil rastrear a cadeia de custódia de commodities – até mesmo de um produto como o óleo de palma, que é despejado em contêineres gigantes em navios e que pode ser misturado com óleo de vários produtores. “A maioria dos grandes usuários de óleo de palma agora pode fornecer relatórios muito detalhados sobre a origem do produto”, diz John Buchanan, vice-presidente de produção sustentável da organização sem fins lucrativos Conservation International.

As empresas estão começando a se concentrar mais naquilo que realmente funciona para preservar tanto a Amazônia quanto outras florestas tropicais em risco. “Passamos muito tempo dizendo aos fornecedores, aos agricultores e aos governos o que eles não deveriam fazer”, lembra Buchanan. “Mas, agora, houve uma mudança. A tentativa é descobrir o que eles podem (e devem) fazer para produzir commodities agrícolas sem desmatamento.” Em muitos casos, isso pode significar ajudar os agricultores a cultivar mais alimentos nas terras já existentes, para que não sintam necessidade de cortar e queimar mais florestas para abrir novos campos férteis.

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No Peru, a Conservation International trabalhou com os agricultores oferecendo esse tipo de treinamento técnico. “Migrantes vinham da ilha para plantar café e fazer fortuna com o produto. Eles limpavam um pedaço de floresta e plantavam durante um tempo, mas logo os rendimentos diminuíam. Aí, continuavam cortando e expandindo sua pegada”, relata Buchanan.

Segundo ele, a solução foi fornecer treinamento técnico e insumos para ajudar a aumentar o rendimento dessas terras, em troca do compromisso de interrupção da expansão adicional. “Esse compromisso é consolidado com nossa ajudando no acesso ao mercado, conectando os produtores com os compradores interessados naquele café livre de desmatamento”, explicou o representante da Conservation International.

CADEIAS COMPROMETIDAS

As organizações também estão começando a perceber que não basta se comprometer a limpar suas próprias cadeias de suprimentos. Um fornecedor pode estar vendendo produtos livres de desmatamento para uma empresa, mas não para outras. Outros fornecedores próximos podem ainda estar cortando e queimando a floresta. Nesse caso, o problema obviamente não foi resolvido.

No entanto, pondera Buchanan, as empresas estão começando a trabalhar em conjunto com governos e outras partes interessadas para promover mudanças amplas, em regiões inteiras. “Isso também coloca a questão sob uma ótica diferente – ok, quais são os ativos que posso trazer para a mesa como comprador ou como governo para ajudar a incentivar essas transições e transformações?” questiona. Deixar de trabalhar com uma região de risco ambiental não é a solução, ele argumenta, já que isso pode levar empresas menos responsáveis a comprar produtos lá. É melhor que grandes empresas usem de sua escala para pressionar por mudanças.

AS EMPRESAS ESTÃO COMEÇANDO A TRABALHAR EM CONJUNTO COM GOVERNOS E OUTRAS PARTES INTERESSADAS PARA PROMOVER MUDANÇAS AMPLAS, EM REGIÕES INTEIRAS.

Os bancos também podem desempenhar um papel fundamental, acrescenta Draper. Neste momento, dois terços das 150 instituições financeiras que fornecem mais financiamento para empresas em “cadeias de fornecimento de risco florestal” ainda não têm políticas sobre desmatamento. Novas leis também podem ajudar.

“A maior parte do progresso feito até agora foi por meio de iniciativas voluntárias e individuais. Isso significa que apenas algumas empresas líderes estão atuando”, relata Draper. “As propostas de legislação no Reino Unido, da União Europeia e dos Estados Unidos ajudariam a propagar essas iniciativas se efetivamente exigirem que todas as empresas expostas desempenhem seu papel.”

O desmatamento não é o único desafio enfrentado pela Amazônia: a mudança climática, que piora na medida em que as árvores que capturam carbono são derrubadas, está ajudando a causar mais secas e incêndios florestais. As empresas precisam agilizar as mudanças para reduzir as emissões. Mas o desmatamento direto também precisa ser contido rapidamente.

Draper está otimista de que é possível que essas mudanças aconteçam no ritmo acelerado necessário, embora seja crucial que um empenho maior do que o de empresas agindo sozinhas. “Nos últimos oito anos avaliando as empresas e instituições financeiras mais influentes, percebemos que muitas que precisam agir não o farão voluntariamente. É necessária ainda uma legislação que exija ação em todo o setor”, defende ela. “Caso contrário, não eliminaremos o desmatamento global.”


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