Ameaça nova? Mudança climática já “viralizava” 70 anos atrás

Em maio de 1953, as notícias sobre os perigos do acúmulo de dióxido de carbono na atmosfera cruzaram o mundo pela primeira vez

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Marc Hudson 4 minutos de leitura

Crescemos acostumados aos desastres. Às fotos de incêndios florestais e animais queimados, às camadas de gelo se desfazendo no oceano, às promessas dos líderes mundiais de que atenderão ao aviso dos cientistas de que essa é a nossa “última chance”.

É difícil para qualquer pessoa com menos de 40 anos se lembrar de alguma época em que o acúmulo de dióxido de carbono não estivesse no noticiário – seja no “efeito estufa", no "aquecimento global", na "mudança climática" ou, como dizemos agora, na "crise climática".

O longo e quente verão de 1988 (há 35 anos!) é considerado o momento em que os líderes mundiais começaram a falar do tema com seriedade. O então candidato à presidência dos EUA George W. Bush disse que usaria o “efeito Casa Branca” para consertar o efeito estufa (mas não fez nada). A primeira-ministra do Reino Unido, Margaret Thatcher, alertou sobre um experimento gigante sendo conduzido “com o próprio sistema deste planeta”.

Trinta e cinco anos atrás. Mas, na verdade, foi 35 anos antes de 1988 que o perigo do acúmulo de dióxido de carbono na atmosfera virou notícia pela primeira vez ao redor do mundo. Ou seja, há 70 anos.

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Que o calor fica aprisionado pelo CO2 já era consenso há muito tempo. O cientista irlandês John Tyndall (possivelmente inspirado no trabalho de uma norte-americana, Eunice Foote) confirmou que isso acontecia em meados do século XIX.

O longo e quente verão de 1988 é considerado o momento em que os líderes mundiais começaram a falar do tema com seriedade.

Em 1895, o químico sueco Svante Arrhenius, vencedor do prêmio Nobel, havia sugerido que o acúmulo de CO2 liberado quando os humanos queimam petróleo, carvão e gás poderia reter tanto calor a ponto de derreter a tundra e de tornar os invernos gelados coisa do passado.

Seu trabalho foi contestado, mas essa ideia ocasionalmente reaparecia em jornais populares. Em 1938, o engenheiro inglês Guy Callendar sugeriu à Royal Meteorological Society em Londres que o aquecimento estava em andamento.

Mas foi no início de maio de 1953, em uma reunião da União Geofísica Americana, que o físico canadense Gilbert Plass disse a todos os cientistas ali reunidos que estávamos diante de um grande problema. 

Plass afirmou que “o grande aumento na atividade industrial durante o presente século está descarregando tanto dióxido de carbono na atmosfera que a temperatura média está subindo a uma taxa de 1,5 grau por século”. As palavras de Plass foram divulgadas pela Associated Press e por outras agências de notícias e apareceram em jornais de todo o mundo.

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O fato de o mundo estar aquecendo já era amplamente aceito pelos cientistas. Mas a conexão enfática com o CO2 feita por Plass, em oposição a teorias concorrentes, como oscilações orbitais ou atividade de manchas solares, era digna de nota.

Plass começou a se interessar pela questão do acúmulo de CO2 quando trabalhava para a Ford Motor Company. Ele observou como o CO2 realmente funciona na prática, e não apenas no nível do mar. Continuou trabalhando nesse assunto, publicando textos técnicos e mais populares ao longo da década de 1950.

Quando Plass alertou o mundo, a concentração de CO2 na atmosfera estava em 310 partes por milhão. Hoje, são 423.

Em 1956, publicou um artigo acadêmico sobre “a teoria do dióxido de carbono na mudança climática” na revista científica sueca Tellus e um para um público mais amplo na American Scientist. Também marcou presença nas primeiras grandes reuniões para discutir o acúmulo de CO2. No final da década, qualquer pessoa que acostumada a ler jornais provavelmente estaria ciente da ameaça de uma mudança climática.

No final da década de 1960, a colaboração internacional estava começando, embora de forma tímida. Para historiadores do clima como eu, a década de 1970 é um período fascinante de intensa medição, modelagem, observação e estudos, que, no final da década, produziram um consenso de trabalho de que havia sérios problemas pela frente. No fim das contas, Plass tinha acertado em cheio.

Quando ele alertou o mundo, a concentração atmosférica de CO2 estava em cerca de 310 partes por milhão. Hoje, são 423 (ou mais). Todos os anos, conforme queimamos mais petróleo, carvão e gás, a concentração aumenta e mais calor é retido.

Quando o aviso de Plass completar 100 anos, as concentrações serão muito maiores. Há grandes chances de ultrapassarmos o nível de aquecimento de 2 graus Celsius que costumava ser considerado “seguro”.

Este artigo foi republicado de The Conversation sob licença Creative Commons. Leia o artigo original.


SOBRE O AUTOR

Marc Hudson é pesquisador visitante de política científica na Universidade de Sussex. saiba mais