Antes de ser atacada, a WCK havia criado um jeito de levar comida a Gaza

Antes do ataque que matou sete de seus funcionários, a ONG fez uma parceria com a Open Arms para levar ajuda a Gaza por navio

Créditos: Yucar Studios/ Youssef Naddam/ Unsplash

Adele Peters 4 minutos de leitura

Na última segunda-feira (dia 1º de março), um pequeno navio aportou em um píer improvisado em Gaza, rebocando uma barcaça carregada com toneladas de alimentos. Essa foi a segunda remessa inesperada realizada por ONGs.

Antes de terminar em tragédia, com a morte de sete trabalhadores humanitários, esse sistema funcionou, embora em uma escala minúscula. Neste momento em que centenas de milhares de palestinos no norte de Gaza estão passando fome, e depois de Israel ter limitado consideravelmente o número de caminhões que podem levar alimentos à população, os programas de ajuda encontraram outra maneira de fazer doações.

Em janeiro, a World Central Kitchen, ONG fundada pelo chef José Andrés há mais de uma década, entrou em contato com a Open Arms, uma ONG espanhola que resgata refugiados no mar Mediterrâneo.

As duas organizações já tinham trabalhado juntas na Ucrânia, entregando alimentos em Odessa. A WCK, que fornece alimentos em casos de desastres naturais, já estava operando cozinhas comunitárias em Gaza e enfrentava dificuldades para fazer a entrega dos alimentos por terra.

Crédito: Open Arms

Atualmente, apenas duas passagens de fronteira para o território estão abertas: uma no Egito e outra em Israel. Gaza já dependia de ajuda antes do início da guerra, em outubro; agora, o número de caminhões de ajuda que atravessam a fronteira diariamente caiu 70%.

"Como tínhamos um navio, eles perguntaram se poderíamos nos juntar a eles e entregar alimentos em Gaza", relatou Esther Camps, chefe da missão da Open Arms. Eles levaram cerca de um mês para  entender como a operação poderia funcionar. 

Crédito: World Central Kitchen

Israel havia começado a conversar com o governo de Chipre em dezembro sobre a abertura de um corredor marítimo de ajuda, "mas ninguém conseguia chegar até os últimos quilômetros", conta Camps. "O problema do corredor marítimo era como entregar esses alimentos do mar para a terra, já que não havia portos."

Enquanto a WCK coordenava os planos com Israel e Chipre, sua equipe começou a construir um píer, trabalhando com empreiteiros locais para usar o entulho de edifícios destruídos. Por seis dias, caminhões entregaram cargas de concreto quebrado no local, e o novo píer foi sendo erguido aos poucos, até chegar à água.

Quando a primeira remessa de alimentos deixou Chipre, em meados de março, o píer ainda não estava pronto. A equipe de construção colocou as partes finais no lugar apenas algumas horas antes da chegada do navio, depois de uma viagem de três dias.

Crédito: World Central Kitchen

"Uma condição, de ambos os lados, era que se o píer não estivesse pronto quando chegássemos, teríamos que dar meia-volta e retornar", diz Camps.

A viagem foi um desafio desde o início. "Até o último momento, achávamos que a missão era quase impossível, mas queríamos tentar mesmo assim, porque era a única coisa que podíamos fazer", diz Camps. 

A área estava fechada para o tráfego marítimo há anos. Assim, antes que o navio pudesse se aproximar do porto, a equipe precisou examinar a água para verificar a profundidade. Em seguida, eles desprenderam lentamente a barcaça e usaram barcos menores para empurrá-la até sua devida posição.

Crédito: Open Arms

Um guindaste carregou os pallets com alimentos em caminhões que aguardavam no píer. Nos dias seguintes, os caminhões entregaram meio milhão de refeições na Cidade de Gaza. As famílias foram até os caminhões para recolher os alimentos.

A segunda remessa atrasou devido a tempestades, mas partiu para Gaza no dia 29 de março. O carregamento, que incluía três navios e uma barcaça, chegou em segurança com alimentos para um milhão de refeições, incluindo arroz e macarrão, vegetais enlatados e proteínas, além de tâmaras, que tradicionalmente são consumidas durante o Ramadã. 

Crédito: World Central Kitchen

Porém, depois que a equipe da World Central Kitchen descarregou 100 toneladas de alimentos em um depósito, o comboio de caminhões foi atacado. A organização disse que seus movimentos haviam sido coordenados com as Forças de Defesa de Israel. As IDF disseram que estão "realizando uma investigação aprofundada para entender as circunstâncias desse trágico incidente". 

"Esse não foi simplesmente um ataque contra a WCK, foi um ataque contra as organizações humanitárias que se mobilizam nas situações mais terríveis, em que a comida está sendo usada como arma de guerra. Isso é imperdoável", declarou a CEO da WCK, Erin Gore, em seu comunicado. Sete membros da equipe foram mortos. Com isso, a organização sem fins lucrativos anunciou que interromperia seu trabalho em Gaza.

Crédito: Open Arms

O Comitê de Revisão da Fome da ONU informou, no final de março, que mais de um milhão de habitantes de Gaza estariam em condições de "catástrofe" ou "fome" dentro de semanas. Pelo menos 30 mil pessoas em Gaza já foram mortas pela guerra.

As remessas da World Central Kitchen e da Open Arms foram um último recurso, em um momento no qual muitas gente começa a morrer de fome.

"Sabemos que a ajuda que entregamos não é suficiente. É como uma gota no oceano", disse Camps. "O importante foi mostrar ao mundo que existe um caminho marítimo que pode ser usado. Mas sabemos que isso não é uma solução. A solução precisa ser a paz."


SOBRE A AUTORA

Adele Peters é redatora da Fast Company. Ela se concentra em fazer reportagens para solucionar alguns dos maiores problemas do mundo, ... saiba mais