Aquelas cervejas desperdiçadas agora vão virar… tecidos de couro

Startup está transformando grãos usados na fabricação de cerveja em couro alternativo

Créditos: Arda Biomateriais

Maeve Campbell 4 minutos de leitura

Ao sul do rio Tâmisa, em Londres, fica a Bermondsey Beer Mile, uma rua repleta de cervejarias artesanais. Foi nessa região histórica que dois empreendedores se conheceram em 2022 e tiveram uma ideia inovadora: transformar resíduos de cerveja em couro.

Brett Cotten e Edward Mitchell estão desenvolvendo uma alternativa de couro para bolsas, carteiras e bancos de carro. Ambos vegetarianos com experiência em biotecnologia e química, logo perceberam o potencial dos grãos descartados na produção de cerveja e fundaram a startup Arda Biomaterials.

A Arda é uma empresa de inovação em materiais que pretende entrar no mercado no final de 2024, oferecendo uma alternativa ao couro para marcas e designers. Cotten e Mitchell já criaram diversos protótipos, como bolsas e porta-cartões, para demonstrar o potencial do material.

Mas como surgiu a ideia? Ao longo da Bermondsey Mile, praticamente todos os estabelecimentos estão repletos de grãos usados. Descartar esses resíduos da produção de cerveja é um grande desafio. Normalmente, os cervejeiros acabam queimando, enviando para aterros sanitários ou doando para agricultores, que os utilizam como ração animal.

Brett Cotten (esq.) e Edward Mitchell (Crédito: Arda Biomaterials)

Com 15 cervejarias em uma única rua, mais de mil toneladas desses grãos são desperdiçadas todos os anos, de acordo com os maiores produtores de cerveja da região, Kernel e Fourpure.

O processo de transformação levou algum tempo para ser aprimorado. A dupla fez diversos experimentos, extraindo proteínas dos grãos usados e as unindo por meio de um processo químico natural.

Segundo eles, a primeira amostra parecia uma barra de cereais, mas, após centenas de tentativas, conseguiram criar um material flexível, semelhante ao couro. O laboratório agora possui uma variedade de equipamentos para aprimorar o complexo processo.

Crédito: Arda Biomaterials

Dependendo do tipo de grão, a cor do material varia. Uma cerveja escura, como a Guinness, produz um couro preto, enquanto as pale ales e lagers resultam em tons variados de marrom.

“São necessárias 16 vacas para estofar um carro”, afirma Cotten, ressaltando que, em comparação, “apenas 10% do suprimento mundial de grãos de cerveja usados seriam suficientes para atender à demanda global por couro”. A Arda utiliza de cinco a 20 quilos de grãos para produzir “couro” para uma bolsa.

Crédito: Arda Biomaterials

Atualmente, eles coletam gratuitamente sacos de grãos usados toda semana. Mas, quando a empresa entrar no mercado, Cotten e Mitchell planejam fazer parcerias com cervejarias em toda a Europa, construindo fábricas próximas a elas para facilitar a produção e a distribuição.

A dupla pretende colaborar com cervejarias italianas, produzindo o material lá e vendendo para centros de produção de moda próximos, ou na Alemanha, com parcerias com cervejeiros locais para vender o produto para montadoras.

O objetivo, segundo eles, é fortalecer as cadeias de suprimentos e trabalhar com as marcas usando uma abordagem “colaborativa em vez de competitiva”.

OUTRAS ALTERNATIVAS AO COURO

Outras startups também estão explorando o uso de biomateriais para criar alternativas ao couro – desde couro de cogumelo até abacaxi e maçã. Embora esses materiais tenham se tornado populares na moda sustentável, muitos ainda contêm plástico e alguns têm uma porcentagem mínima de frutas. A marca britânica Kairi, por exemplo, utiliza apenas de 20% a 30% de fruta em seu couro de maçã.

Crédito: Arda Biomaterials

O micélio, usado na fabricação de couro de cogumelo, é uma alternativa respeitada no mercado, que supostamente supera o couro animal em resistência e durabilidade. Mas uma desvantagem é que ele precisa ser cultivado em bandejas e pode levar até duas semanas para se desenvolver totalmente usando equipamentos altamente especializados (e caros), de acordo com Mitchell.

Além disso, o micélio produz uma cor naturalmente mais clara, o que significa que ainda precisa passar pelo processo de curtimento. Stella McCartney foi uma grande defensora do couro de cogumelo, chegando a criar um bustiê e calças pretas usando um material chamado Mylo. Mas a produção foi interrompida pouco depois, devido à falta de financiamento necessário para expandir. 

Crédito: Arda Biomaterials

Qual é o próximo passo para a Arda? Após receberem quase US$ 1,4 milhão em financiamento do Clean Growth Fund em 2023, Cotten e Mitchell agora têm sete funcionários em tempo integral.

Eles estão pensando em expandir a produção para incluir uísque e usar resíduos de malte. O sonho deles é trabalhar com grupos como a LVMH, unindo as indústrias da moda e do uísque escocês – com destilarias como Ardbeg e Glenmorangie nas Terras Altas da Escócia.

“Queremos criar impacto”, diz Cotten. “Precisamos envolver designers e as marcas precisam investir em um futuro sustentável.”


SOBRE A AUTORA

Maeve Campbell é jornalista especializada em sustentabilidade. saiba mais