Aranhas geneticamente modificadas podem gerar um novo material ultra resistente

A Marinha dos EUA está criando “superaranhas” capazes de produzir seda com propriedades extraordinárias

aranha tecendo sua teia em meio a árvores
Crédito: Freepik

Jesus Diaz 3 minutos de leitura

Cientistas financiados pela Marinha dos Estados Unidos conseguiram modificar geneticamente aranhas domésticas para que produzissem seda com fluorescência vermelha. À primeira vista, pode parecer só uma curiosidade científica. Mas esse avanço é um passo gigantesco para a criação de um novo tipo de “super seda”, com aplicações que vão da moda à indústria aeroespacial.

A equipe da Universidade de Bayreuth, na Alemanha, conseguiu, pela primeira vez, aplicar a tecnologia CRISPR-Cas9 – uma espécie de “tesoura genética” que corta e modifica sequências de DNA – em aranhas.

O estudo, publicado na revista científica “Angewandte Chemie”, mostra como essa técnica pode melhorar ainda mais as já incríveis propriedades da seda de aranha, transformando-a em um super material.

“Considerando o enorme potencial de aplicações, é até surpreendente que nenhum estudo anterior tenha usado CRISPR-Cas9 em aranhas”, afirma Thomas Scheibel, professor de biomateriais da Universidade de Bayreuth e autor principal da pesquisa.

O experimento teve dois objetivos principais: o primeiro foi desativar um gene chamado sine oculis, responsável pelo desenvolvimento dos olhos das aranhas, para entender melhor sua função. O segundo foi inserir um gene de proteína fluorescente no gene MaSp2, que controla a produção da seda que as aranhas usam para se deslocar, caçar e descansar.

A inserção do gene fluorescente funcionou – as aranhas passaram a produzir fibras que brilham em vermelho quando expostas à luz ultravioleta. Para Scheibel, conseguir editar a seda diretamente no organismo abre novas possibilidades para a ciência dos materiais, como aumentar ainda mais sua resistência, que já é impressionante.

A CORRIDA PELA “SUPER SEDA”

A seda de aranha é um dos materiais naturais mais fortes que existem. Alguns tipos são bem mais leves e mais fortes que o Kevlar, além de muito mais elásticos – ou seja, conseguem se esticar e voltar à forma original sem perder a resistência.

Outro ponto positivo é que, ao contrário das fibras sintéticas, a seda de aranha é produzida naturalmente, sem processos industriais, alto consumo de energia ou impacto ambiental. Isso a torna uma candidata ideal para o desenvolvimento de soluções sustentáveis inspiradas na natureza.

Até agora, para alterar as propriedades da seda era necessário submetê-la a um processo caro e complexo em laboratório após a extração – algo difícil de escalar. Este novo estudo mostra que é possível modificá-las dentro do organismo, abrindo caminho para a produção de fibras sob medida.

fio de seda vermelho produzido por aranha  modificada geneticamente
Crédito: Edgardo Santiago-Rivera/ Thomas Scheibel

Apesar do desempenho incrível, criar aranhas em larga escala é praticamente impossível. Elas são solitárias, territorialistas e canibais. Por isso, os bichos-da-seda geneticamente modificados vêm se destacando como uma alternativa mais viável.

Avanços recentes mostram que a seda produzida por esses bichos editados geneticamente pode atingir uma resistência de até 1,3 gigapascal – comparável ao aço. Empresas como a Kraig Biocraft Laboratories já utilizam técnicas de edição genética para criar híbridos de seda de aranha em bichos-da-seda, com foco na indústria têxtil e médica.

Na medicina, a seda de aranha é uma excelente aliada. Por ser biocompatível, ela é ideal para suturas absorvíveis e para criar tendões artificiais com elasticidade semelhante à dos naturais.

Cientistas também estão explorando o uso de proteínas da seda em estruturas impressas em 3D para regenerar ossos e cartilagens, aproveitando a porosidade do material para estimular o crescimento celular.

conseguir editar a seda diretamente no organismo abre novas possibilidades para a ciência dos materiais.

Em tratamentos médicos, cápsulas de seda poderiam liberar medicamentos aos poucos, melhorando o tratamento de doenças crônicas. Outras aplicações incluem sensores para monitoramento de saúde em tempo real e condutores elétricos para eletrônicos flexíveis.

Na indústria aeroespacial, compósitos de seda poderiam substituir a fibra de carbono, reduzindo o peso de aeronaves em até 40% e aumentando a eficiência no consumo de combustível. A Nasa, inclusive, já está estudando usá-los em escudos contra radiação para habitats espaciais, por sua leveza e resistência.

A equipe de Scheibel também está explorando o uso de edição genética para fazer com que a seda reaja à umidade e mude de cor na presença de toxinas. Mas, mesmo que consigam criar essa “super seda”, ainda será preciso descobrir como produzi-la em grande escala.

Cultivar aranhas continua sendo uma ideia pouco viável. Além do comportamento canibal, a taxa de sucesso nas modificações genéticas ainda é baixa. Por isso, a solução mais promissora deve ser transferir o DNA editado das aranhas para outros organismos, como os bichos-da-seda.


SOBRE O AUTOR

Jesus Diaz fundou o novo Sploid para a Gawker Media depois de sete anos trabalhando no Gizmodo. É diretor criativo, roteirista e produ... saiba mais