Iranianas da geração Z estão botando fogo em seus hijabs

Protestos varreram o Irã depois que uma jovem de 22 anos foi morta. Especialistas dizem que essas manifestações são diferentes

Crédito: Fabian Schneider/ Koshu Kunii/ Unsplash

Adele Peters 3 minutos de leitura

Mahsa Amini, também conhecida pelo apelido Jina, estava saindo de uma estação de metrô em Teerã em 16 de setembro quando foi abordada pela chamada polícia moral do governo. A jovem de 22 anos, que planejava começar a universidade neste outono, estava usando um lenço na cabeça – algo que o Irã obriga as mulheres a fazer desde o início dos anos 1980. Mas a polícia alegou que ela o usava “inapropriadamente”.

Após a prisão, testemunhas dizem que a polícia a espancou a caminho de uma aula de reforço sobre como se vestir. Ela desmaiou durante a aula, passou três dias em coma e morreu. O governo atribuiu sua morte a um problema cardíaco.

Os protestos começaram quase imediatamente, contra a forma como as mulheres são tratadas no Irã e pelo o fim do regime brutal do país. Nas redes sociais, viralizou uma postagem com uma foto de Amini em coma, no leito do hospital, justaposta a imagens anteriores dela saudável em casa.

Crédito: Markus Schreiber/ AP/ Shutterstock

Gente de todas as idades continua a se manifestar nas ruas em dezenas de cidades, mas a geração Z (conhecida localmente como a geração de 1380, com base no calendário iraniano) é especialmente questionadora. Mulheres jovens arrancaram seus hijabs e outros lenços de cabeça e os queimaram, ou compartilharam vídeos de si mesmas criticando o governo, mesmo que isso signifique arriscar a vida.

Eles estão “frustradas e com raiva do status quo e já não têm mais medo de dizer isso online”, escreveu no Twitter Holly Dagres, pesquisadora iraniana-americana do Atlantic Council.

Como em todo o mundo, a geração Z iraniana cresceu online e viu o que é possível fazer em outros lugares. A maioria não se identifica com os homens idosos e ultraconservadores que governam o país.

“É um símbolo visual poderoso quando você contrasta a imagem dessas jovens tirando seus hijabs e celebrando a vida e compara com as imagens do establishment governante, composto por homens com mais de 70 anos. É um contraste visual muito forte”, diz Gissou Nia, advogada do Atlantic Council, que trabalha com vítimas de direitos humanos do Irã.

Manifestação nas ruas de Teerã (Crédito: AFP/ GettyImages)

Desde que a República Islâmica tornou seu uso obrigatório, as mulheres protestam contra o hijab, às vezes simplesmente recusando-se a usá-lo ou deixando-o cair nos ombros, embora essa sempre tenha sido uma escolha perigosa.

Em anos mais recentes, os protestos tornaram-se mais descarados. Em 2017, uma jovem chamada Vida Movahed subiu em uma caixa em Teerã, tirou o hijab e acenou na frente de uma multidão.

Assim como mulheres (e homens) de todas as idades se juntaram aos protestos atuais, a bravura dos manifestantes mais jovens inspirou os mais velhos. “Esta geração é diferente da minha”, disse à BBC um manifestante de 51 anos que foi preso. “Eles são destemidos.”

Outros protestos se tornaram mais frequentes no Irã na última década, às vezes por falta de água ou de pagamento aos trabalhadores. “O caso dos hijabs é diferente das demandas anteriores por mudança social. Nenhum comentarista pode dizer que os protestos de agora se dão apenas devido a preocupações econômicas ou algo assim”, diz Nia. “Eles atacam claramente a estrutura legal discriminatória da República do Irã.”

Inspeção da polícia moral (Crédito: Morteza Nikoubazl/ NurPhoto/ GettyImages)

Os manifestantes criticam o governo ainda mais do que no passado, gritando “morte ao ditador”. “As pessoas declararam muito claramente que não querem a República Islâmica”, diz ela. “Acho que isso costumava ser um tabu. A partir do momento em que as pessoas começam a dizer em voz alta, é difícil voltar atrás.”

Enquanto o governo segue reprimindo os protestos e dificultando o acesso à internet, ainda não está claro o que acontecerá. Segundo Shahrzad Changalvaee, artista e ativista de trinta e poucos anos que agora vive em Nova York, a comunidade internacional deveria impor sanções aos líderes e à polícia moral, em vez de aos iranianos empobrecidos, e encontrar maneiras de ajudá-los a conseguir acesso à internet.

Gissou Nia diz que é fundamental que as Nações Unidas investiguem as mortes de dezenas de manifestantes e que responsabilizem os culpados. Ela lembra que é importante que o mundo continue prestando atenção.

“Nunca vi um compartilhamento tão amplo de notícias sobre o que está acontecendo no Irã em relação às violações de direitos humanos, e acho isso importante. Espero que essa atenção continue. Porque quando os governos representativos pensam que as pessoas se preocupam com um problema, eles tendem a priorizá-lo.”


SOBRE A AUTORA

Adele Peters é redatora da Fast Company. Ela se concentra em fazer reportagens para solucionar alguns dos maiores problemas do mundo, ... saiba mais