Aumento da temperatura é menor em megacidades com muita poluição

Efeito da poluição surpreende, mas não deve ser visto com bons olhos

Créditos: Harsadh Kumar/ Unsplash

Grist e Lylla Younes 3 minutos de leitura

A aceleração do aquecimento global é tema de debate acalorado entre os climatologistas. Enquanto alguns afirmam que a taxa atual de aquecimento – que atingiu recorde histórico no ano passado – está intimamente relacionada com o aumento das emissões de combustíveis fósseis (e, portanto, coerente com os modelos climáticos atuais), outros argumentam que a Terra é muito mais sensível aos combustíveis fósseis do que se pensava e que a humanidade está avançando rapidamente para um ponto irreversível.

Em estudo recente, um grupo de pesquisadores da Universidade de Melbourne aprofundou o debate ao analisar as taxas de aquecimento ao redor do mundo e as possíveis causas para as diferenças regionais. A principal descoberta do estudo: o planeta está ficando mais quente e em ritmo mais acelerado, mas essa aceleração ocorre de forma desigual. Curiosamente, áreas densamente povoadas e com alto índice de pobreza – megacidades, como Cairo e Mumbai – estão aquecendo de forma mais lenta do que os centros urbanos da Europa e da América do Norte.

Por quê? Os pesquisadores descobriram que a grande quantidade de partículas de aerossol suspensas no ar de cidades muito poluídas reflete a luz solar de volta para o espaço e, ao menos no curto prazo, pode provocar um efeito de resfriamento nesses lugares.

“É muito chocante”, diz Edith de Guzman, especialista em Políticas de Adaptação do Luskin Center for Innovation da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, que também elogia o trabalho dos pesquisadores. Os autores do estudo reforçam que a descoberta não deve ser interpretada como um bom sinal.

A descoberta não deve ser interpretada como um bom sinal. É provável que o efeito seja temporário. E essa “proteção” deve-se a poluentes que fazem mal à saúde.

Primeiro, é provável que o efeito seja apenas temporário. Em segundo lugar, essa “proteção”, tal como ela se dá, deve-se a poluentes que fazem mal à saúde. De Guzman concorda e afirma que a aceleração do aquecimento global é sinal de que “populações extremamente vulneráveis a uma série de problemas ambientais e climáticos ficarão ainda mais vulneráveis”.

Quanto mais desenvolvido economicamente é um país, mais o governo tende a adotar políticas de redução da poluição. Com o ar mais limpo, populações vulneráveis correm mais risco de exposição ao calor extremo. Christopher Schwalm, diretor do Programa de Risco do Woodwell Climate Research Center, cita o exemplo da China, onde o governo está começando a equipar usinas de carvão com tecnologias de redução de emissões, como lavadores de gás, para evitar que a fuligem escape.

Estas medidas melhoram a qualidade do ar, diz ele, mas permitem que mais calor do sol atravesse a atmosfera. Os mais afetados serão aqueles sem acesso a ar-condicionado e a áreas arborizadas.

“Quanto mais pobre a pessoa é, mais calor ela sente, sendo “calor” uma metáfora para todos os tipos de mudanças climáticas”, afirma Schwalm. “É realmente difícil fazer o bem sem causar algum prejuízo.”

Essas descobertas deveriam incentivar a criação de “estratégias de adaptação climática” em benefício das populações urbanas mais pobres do mundo.

Schwalm explica que a comunidade científica trabalha com cerca de trinta modelos climáticos de ponta, que são como um “conselho de especialistas” que analisam o progresso do aquecimento global. Ele acredita que investigar a aceleração do aquecimento global é importante porque pode ajudar os países a criar medidas de adaptação climática e a avaliar a real viabilidade das metas atuais de suas políticas climáticas.

No ano passado, o mundo ultrapassou as metas estabelecidas no Acordo de Paris de 2015 e está em vias de ultrapassá-las novamente este ano. Cientistas demonstram uma preocupação cada vez maior com a chamada morte dos compromissos do Acordo de Paris de manter o aumento da temperatura do planeta abaixo de 1,5 graus Celsius (2,7 graus Fahrenheit), numa tentativa de convencer os políticos da inevitabilidade de ondas de calor mais intensas e de eventos climáticos extremos no futuro.

Os autores do artigo de Melbourne oferecem importantes considerações, que revelam como será o futuro e como os países devem se preparar para ele. Essas descobertas deveriam incentivar a criação de “estratégias de adaptação climática” em benefício das populações urbanas mais pobres ao redor do mundo.


SOBRE A AUTORA

Lylla Younes é repórter do Grist. saiba mais