Baleias da Antártica lutam contra pesqueiros por comida – e pela sobrevivência

Uma nova ameaça está surgindo: a pesca industrial

Créditos: Youenn Kerdavid/ Sea Shepherd Global/ CC BY-ND

Matthew Savoca 3 minutos de leitura

O mar ao redor da Antártica é a maior área de alimentação do mundo para baleias de barbatana – espécies como as jubartes, que filtram pequenos organismos da água do mar para se alimentarem.

No século 20, a caça comercial resultou na morte de cerca de dois milhões delas no oceano Antártico. Algumas populações, como a da baleia-azul antártica, foram reduzidas em mais de 99% e enfrentam dificuldades para se recuperar, mesmo com a prática tendo sido banida pela maioria dos países desde meados da década de 1980.

Mas uma nova ameaça está surgindo: a pesca industrial de krill – pequenos crustáceos que medem cerca de cinco centímetros de comprimento. Em um estudo recente, meus colegas e eu descobrimos que a competição com essa crescente indústria pesqueira pode dificultar a recuperação das populações de baleias.

Ouvi falar desse problema pela primeira vez no início de 2022, quando um colega, que estava trabalhando a bordo de um navio, me contou que viu cerca de mil baleias se alimentando de krills perto das ilhas Órcades do Sul, ao norte da Antártica. Essa foi provavelmente a maior concentração destes animais marinhos vista desde a década de 1930, durante o auge da caça industrial.

Ele também mencionou que quatro grandes barcos de pesca estavam entre o imenso grupo de baleias, lançando redes gigantes. Assim como elas, estavam em busca de krill antártico.

Por se tratar de uma região tão remota, essa competição direta não era notada. Então,  junto com colegas de Stanford e da Universidade de Washington, publicamos um artigo em 2023 para alertar sobre essa possível ameaça às populações de baleias em recuperação.

Pouco tempo depois, fomos contatados pela Sea Shepherd Global, uma organização sem fins lucrativos que protege a vida marinha e já monitorava a situação há anos. Eles relataram que era comum haver uma sobreposição entre as baleias em busca de alimento e as operações de pesca. 

Agora, a pesca de krill está prestes a se expandir. Na península antártica, a indústria pesqueira propôs aumentar o limite de captura em quatro vezes, de 155 mil toneladas para mais de 668 mil toneladas por ano.

Cardume de krill sob o gelo do mar antártico (Crédito: Donna Patterson/ PAL LTER/ Flickr)

Quase toda a produção é usada para fabricar duas coisas: ração para aquicultura e suplementos de ômega-3. A maior parte da ração vai para alimentar salmões criados em fazendas aquáticas, que adquirem sua cor rosa característica devido à dieta.

Enquanto isso, as baleias estão competindo com os pesqueiros. Elas se alimentam por cerca de 100 dias por ano; dependendo da espécie, uma baleia adulta pode consumir entre uma e seis toneladas de krill por dia.

A maioria delas utiliza uma técnica chamada “alimentação estocada”: nadando rapidamente em direção a um cardume e abrindo suas enormes bocas no momento certo. Aí, fecham as mandíbulas e filtram os krills da água usando suas placas de barbatana.

No século 20, a caça comercial resultou na morte de cerca de dois milhões de baleias no oceano Antártico.

Esse método requer muita energia, por isso as baleias buscam cardumes maiores – assim como os barcos pesqueiros. De 2021 a 2023, quatro baleias-jubarte morreram após ficarem presas em redes de pesca.

A Comissão para a Conservação dos Recursos Marinhos Vivos da Antártica, organização internacional responsável pela proteção da vida marinha no oceano Antártico, tem a responsabilidade de garantir que as baleias e outras espécies dependentes do krill não sejam prejudicadas pela pesca. No entanto, a comissão opera por consenso, o que significa que, se um único estado-membro se opuser a uma ação, nada muda.

Propostas para criar áreas protegidas e para uma regulamentação mais rigorosa têm sido impedidas de avançar por alguns estados-membros. Uma coalizão liderada pelos EUA está pressionando por limites mais rígidos, mas Rússia e China têm resistido. Nosso estudo mostra que, se a pesca de krill aumentar, a recuperação das baleias pode ser interrompida ou até revertida.

Este artigo foi publicado no “The Conversation” e reproduzido sob licença Creative Common. Leia o artigo original.


SOBRE O AUTOR

Matthew Savoca é cientista e pesquisador da Universidade de Stanford. saiba mais