Bolívia lança nova cerveja com um ingrediente especial: folha de coca

Na Bolívia, terceiro maior produtor de folha de coca e de cocaína, a folha milenar tem inspirado rituais espirituais em comunidades indígenas há gerações

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Paola Flores 4 minutos de leitura

Se fosse em qualquer outro lugar da América do Sul, a casinha simples com baldes de folhas de coca mergulhadas em um líquido poderia ser confundida com um laboratório clandestino de cocaína.

Mas estamos em La Paz, na Bolívia, e o aroma frutado da coca mergulhada em barris indica que você chegou à destilaria El Viejo Roble, autorizada pelo governo, que há anos produz bebidas alcoólicas com folhas de coca e que agora está se preparando para lançar uma nova cerveja com infusão de coca.

Ainda não se sabe se a Bolívia vai conseguir convencer o mundo a adotar a resistente e polêmica folha verde, mais conhecida fora de suas fronteiras como o principal ingrediente da cocaína.

Mas uma recente decisão histórica da Organização Mundial da Saúde de estudar os benefícios não narcóticos da coca reacendeu as antigas esperanças dos agricultores, fabricantes e vendedores bolivianos.

Na Bolívia, terceiro maior produtor mundial de folha de coca e de cocaína, a antiga folha é inspiração para rituais espirituais entre as comunidades indígenas há várias gerações. Mais recentemente, entre os mais endinheirados, a planta inspira uma enxurrada de produtos relacionados à coca, incluindo a nova cerveja da El Viejo Roble (que custa cerca de US$ 2).

"A cerveja pode ser amarga, mas, com o toque doce que adicionamos com a coca, ela se torna mais palatável", explica Adrián Álvarez, gerente da destilaria, onde os trabalhadores engarrafam a bebida. Em breve, ela se juntará à vodca e ao rum com sabor de coca da El Viejo Roble – clássicos que eles vendem ao governo e aos visitantes.

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O alcance das bebidas de Álvarez, junto com outros produtos com infusão de coca, continua limitado a feiras artesanais na Bolívia e no Peru, países onde a folha é legal – desde que não seja usada para produzir cocaína. Quanto ao resto do mundo, uma convenção das Nações Unidas classifica a folha de coca como narcótico e impõe uma proibição geral.

O governo da Bolívia está retomando seu esforço de décadas não apenas para tirar o estigma da planta e tornar sua exportação legal, mas também para criar um mercado global para o licor de coca, sabonete, xampu, pasta de dente, farinha de trigo e muito mais. 

Esses esforços receberam um grande impulso no fina do ano passado, quando a OMS anunciou que lançaria uma análise científica da folha de coca – a primeira etapa de um longo processo para descriminalizar a folha em todo o mundo.

"Os procedimentos foram iniciados pela primeira vez na história", conta Juan Carlos Alurralde, secretário geral da vice-presidência da Bolívia. "A folha será seriamente pesquisada." A última vez que a OMS realizou um estudo sobre a folha de coca foi em 1992, mas os resultados detalhados nunca foram divulgados.

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Autoridades da Colômbia e da Bolívia revelaram a proposta de pesquisa junto com representantes da OMS em Viena, em abril. Eles têm até outubro, quando uma reunião do comitê sobre o estudo terá início em Genebra, para apresentar pesquisas sobre as propriedades medicinais e nutricionais da coca.

O estudo também vai levar em conta os esforços da Bolívia para comercializar a coca, determinando a quantidade máxima do alcaloide da cocaína que os produtos podem conter. "Os especialistas têm que avaliar se isso resulta em dependência", explica Alurralde.

Em toda a Bolívia, a folha garante o sustento de 70 mil cocaleros e gera cerca de US$ 279 milhões por ano, pois os fazendeiros vendem a folhagem a granel para ser mastigada como um estimulante leve, incorporada a cerimônias religiosas ou transformada em produtos comercializados como uma cura milagrosa moderna, que alivia o mal da altitude, aumenta a resistência e diminui a fome.

Incapazes de forçar os “cocaleros” a sacrificar seus escassos meios de subsistência plantando culturas substitutas, as autoridades bolivianas começaram a autorizar os agricultores a cultivar coca, mesmo. Ao solicitar o estudo da planta na ONU, o presidente boliviano, Luis Arce, pediu às nações que aproveitassem "uma nova oportunidade para corrigir esse grave erro histórico".

uma convenção das Nações Unidas classifica a folha de coca como narcótico e impõe uma proibição geral.

O ex-presidente Evo Morales, um líder de longa data dos sindicatos de plantadores de coca que expulsou a Agência Antidrogas dos EUA (DEA, na sigla em inglês) da Bolívia em 2009, usou seu cargo para desenvolver o mercado de coca regulado pelo estado boliviano e fazer lobby junto à ONU para suspender a proibição.

Ele obteve uma vitória diplomática em 2013, quando a ONU concordou em permitir que a Bolívia voltasse a participar de seu tratado global sobre drogas narcóticas, com uma exceção para os usos tradicionais das folhas de coca.

Mas a pressão de Morales por um estudo da OMS terminou quando protestos violentos sacudiram a Bolívia em 2019, levando à sua renúncia e exílio após 14 anos no poder.

Com a colaboração de Isabel DeBre, da Associated Press.


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