Cancelar projetos de combustível fóssil protegidos por tratados pode custar bilhões aos países

Crédito: Thomas Millot/ Unsplash

Rachel Thrasher, Blake Alexander Simmons e Kyla Tienhaara 4 minutos de leitura

As empresas de combustíveis fósseis têm uma ferramenta legal nas mãos que pode comprometer os esforços globais para proteger o clima, e estão começando a usá-la. O resultado disso pode custar bilhões de dólares aos países que avançam agendas ambientais.

Nos últimos 50 anos, países de todo o mundo assinaram milhares de tratados que protegem investidores estrangeiros de ações do governo. Esses tratados são como contratos com o Estado, destinados a atrair investidores e projetos com a promessa de mais emprego e acesso a novas tecnologias.

Mas agora, enquanto os países tentam diminuir gradualmente a dependência de combustíveis fósseis para mitigar os efeitos das mudanças climáticas, esses acordos podem trazer enormes riscos jurídicos e financeiros.

Os tratados permitem que os investidores entrem judicialmente contra os países e exijam compensação em um processo chamado Arbitragem de litígios investidor-Estado (conhecido pela sigla em inglês ISDS). Ou seja, os investidores podem usar as cláusulas ISDS para exigir compensação em resposta a ações governamentais para limitar o uso de combustíveis fósseis, por exemplo, a recusa em liberar licenças de perfuração. A canadense TC Energy está processando o Estado norte-americano em mais de US$ 15 bilhões pelo cancelamento do oleoduto Keystone XL na atual gestão de Joe Biden. 

Em um estudo publicado no dia 5 de maio na revista Science, estimamos que os países poderiam ter que pagar até US$ 340 bilhões pelo cancelamento de projetos de combustíveis fósseis sujeitos a tratados com cláusulas ISDS.

Os países poderiam ter que pagar até US$ 340 bilhões pelo cancelamento de projetos de combustíveis fósseis.

Esse valor é muito maior do que todos os países do mundo somados investiram em medidas de mitigação do clima e adaptação no ano fiscal de 2019. Em essência, significa que o dinheiro que poderiam investir em um futuro de baixo carbono pode acabar parando nas mãos das indústrias que conscientemente contribuem para o agravamento das mudanças climáticas, comprometendo drasticamente os esforços de transição para energia verde.

COMPENSAÇÕES MASSIVAS

Dos 55.206 projetos de petróleo e gás upstream em estágios iniciais de desenvolvimento em todo o mundo, identificamos que 10.506 (19% do total) estão protegidos por 334 tratados com cláusulas ISDS.

Esse número, na realidade, pode ser muito maior. Devido a dados limitados, pudemos identificar apenas a sede dos proprietários do projeto, não as estruturas corporativas mais amplas dos investimentos. Também sabemos que escritórios de advocacia aconselham clientes do setor a estruturar investimentos de forma a garantir cláusulas ISDS, por meio do uso de subsidiárias em países que assinaram tratados.

Infográfico mostra o volume de produção de petróleo e gás (em azul) e o valor líquido correspondente (em vermelho). Crédito: : K. Franklin/ Science

Dependendo dos preços futuros de petróleo e gás, o valor líquido total desses projetos pode atingir de US$ 60 bilhões a US$ 234 bilhões. Se os países cancelarem esses projetos, investidores estrangeiros poderão processá-los e serem indenizados com uma compensação financeira baseada nesses valores.

Investimentos em carvão ou projetos de infraestrutura de combustíveis fósseis, como gasodutos e terminais de gás natural, podem levar a ainda mais processos contra os Estados.

GARANTINDO A TRANSIÇÃO PARA ENERGIA VERDE

Embora essas descobertas sejam alarmantes, os países têm formas de evitar riscos legais e financeiros. A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) está discutindo propostas sobre o futuro dos tratados de investimento.

Uma alternativa direta seria os governos rescindirem ou abandonarem esses tratados. Algumas autoridades já expressaram preocupação com os impactos que isso pode gerar, mas outros países já o fizeram, com pouca ou nenhuma consequência econômica real.

Por meio de acordos comerciais mais complexos, os países podem negociar a remoção das disposições ISDS, da mesma forma que os Estados Unidos e o Canadá fizeram quando substituíram o Acordo de Livre Comércio da América do Norte pelo Acordo EUA-México-Canadá.

TRANSIÇÃO GLOBAL

O combate às mudanças climáticas não é algo barato. Requer ações tanto por parte dos governos quanto do setor privado para mitigar o aquecimento global e evitar desastres cada vez mais devastadores.

No fim das contas, a questão central é quem vai pagar – e quem irá receber – pela transição energética. Acreditamos que, no mínimo, seria ilógico que o financiamento público em esforços de mitigação e adaptação acabe nos bolsos dos investidores da indústria de combustíveis fósseis, já que são os grandes responsáveis pelo problema, para início de conversa.


SOBRE O(A) AUTOR(A)

Rachel Thrasher é professora de direito e pesquisadora no Centro de Políticas de Desenvolvimento Global da Universidade de Boston; Bla... saiba mais