Você comeria uma cobra? Pode ser o alimento sustentável do futuro
Ao contrário dos mamíferos e das aves, as cobras necessitam de pouca comida e água e concentram quase toda a sua energia no crescimento
É bem provável que os seres humanos tenham um medo evolutivo de cobras. E, apesar de isso ser algo relativamente raro, é muito comum lembrarmos de imagens de cobras engolindo pessoas inteiras. Mas, no futuro, poderá acontecer exatamente o contrário.
Cientistas australianos descobriram que as cobras podem ser uma fonte de alimento sustentável para os seres humanos, uma vez que os recursos naturais estão diminuindo e que o clima instável está ameaçando a agricultura tradicional.
Em comparação com o gado tradicional, as cobras gastam muito menos energia, usam pouca água e terra e crescem com pouca comida. Em regiões onde as populações precisam de um sustento barato e rico em proteínas, esses répteis rastejantes poderiam ser uma forma possível de garantir a segurança alimentar.
Biólogos conservacionistas da Universidade Macquarie de Sydney, na Austrália, que estudam cobras selvagens, testemunharam a rapidez com que esses animais crescem. Por um ano, a equipe seguiu cobras em duas fazendas na Tailândia e no Vietnã, onde dezenas de milhares de cobras reticuladas e birmanesas já são criadas para fins alimentares.
Elas foram nutridas com uma variedade de alimentos – todos em forma de salsicha – e tiveram seu peso medido ao longo de todo o processo. O que os pesquisadores descobriram foi que as cobras eram incrivelmente eficientes na transformação de alimento em peso proteico, atingindo o tamanho de abate no intervalo de um ano após romperem a casca dos ovos.
"Se déssemos comida suficiente a uma cobra, ela seria capaz de ficar sentada num buraco durante toda a sua vida", diz Dan Natusch, o autor principal. "Não é necessária quase nenhuma energia para criá-las".
Existem outras qualidades sustentáveis. As cobras demandam pouca terra, uma vez que são mantidas em pequenas gaiolas ou recintos – o que também torna o modelo econômico e escalável.
Elas quase não precisam de água, sobrevivendo do orvalho que se deposita nas suas escamas. Além disso, podem subsistir com vários tipos de carnes baratas, incluindo resíduos da agricultura tradicional.
Durante o estudo, as cobras comeram pedaços de peixe, cabeças de galinhas de granjas e leitões natimortos de criações suínas, todos transformados em salsichas. Outras, criadas em arrozais ou fazendas de milho, podem viver de animais nocivos como ratos, o que também ajuda a eliminar essas pragas.
Pesquisadores descobriram que as cobras são incrivelmente eficientes na transformação de alimento em peso proteico.
Depender de matérias-primas oriundas da criação de animais pode ser insustentável. Mas a equipe está investigando se as cobras, famosas carnívoras, também podem comer plantas. No estudo, foram colocadas pequenas quantidades de soja e legumes dentro das salsichas, que elas devoraram com bastante satisfação.
A criação de cobras poderia ser um modelo para a segurança alimentar em certas áreas, incluindo o Sudeste Asiático, onde a criação para fins alimentares já está bem estabelecida, mas também a África Subsaariana e partes da América Central.
Estas são zonas pobres, com elevados níveis de carência de proteínas, e as cobras são extremamente ricas em proteínas. Outras partes desses répteis são também subprodutos úteis: pele para couro, gordura para óleo e vesícula biliar para bílis medicinal.
Muitos países em desenvolvimento sofrem o impacto das alterações climáticas, incluindo as secas, que estão a matando o gado. As cobras são comparativamente resistentes, passando longos períodos sem comer. Os cientistas descobriram que as que não comeram durante quatro meses perderam apenas 0,004% da sua massa corporal.
Isso não quer dizer que o modelo funcionaria em qualquer lugar. Em climas mais frios, o aquecimento dos recintos gastaria mais energia do que valeria a pena. Também seria mais difícil no Ocidente, devido à aversão geral ao consumo de répteis.
Natusch diz que ele próprio já experimentou cobras, muitas vezes. "É preciso praticar o que se prega", afirma. É uma carne magra e branca, que pode ser dura como a lula e sem sabor como o peito de frango.
"É uma carne sem graça, não vou mentir", diz Natusch. Mas é versátil e pode ser saborosa se for bem-preparada. Ele já a comeu grelhada em espetos de churrasco, na chapa e na forma de carne seca. E é mais parecida com aquilo a que estamos habituados do que outras opções sustentáveis que estão surgindo.