Cientistas estudam o que aconteceria com a Amazônia se a floresta secasse

Projeto simula um futuro em que as mudanças climáticas poderiam reduzir drasticamente as chuvas na região

Crédito: Marco Rof/ Getty Images

Fabiano Maisonnave 4 minutos de leitura

Basta uma curta caminhada pela floresta amazônica para que, de repente, o cenário mude: a mata se abre, troncos caídos apodrecem no chão, as árvores ficam mais espaçadas e a temperatura aumenta onde a luz do sol toca o solo. Seria assim a maior floresta tropical do planeta após 24 anos de seca intensa.

Mas esse pedaço de floresta degradada – do tamanho de um campo de futebol – não é resultado de uma catástrofe natural. Trata-se de um experimento científico.

Lançado em 2000 por pesquisadores brasileiros e britânicos, o Esecaflor – sigla para “Experimento de Seca na Floresta” – foi criado para simular um futuro em que as mudanças climáticas reduziriam drasticamente as chuvas na Amazônia. É o experimento mais longo do tipo no mundo e já serviu de base para dezenas de estudos em áreas como meteorologia, ecologia e fisiologia.

Entender os impactos da seca na floresta amazônica é crucial não só para o Brasil. Segundo um estudo, a floresta armazena uma quantidade de carbono equivalente a dois anos de emissões globais, causadas principalmente pela queima de carvão, petróleo e outros combustíveis fósseis.

Quando as árvores são derrubadas ou morrem por falta de água, o carbono armazenado nelas é liberado na atmosfera, agravando ainda mais o aquecimento global.

Para simular esse tipo de estresse ambiental, o projeto – instalado na Floresta Nacional de Caxiuanã, no Pará – cobriu um hectare com cerca de seis mil placas retangulares de plástico transparente, desviando aproximadamente metade da água da chuva que chegaria ao solo.

Essas placas foram montadas a um metro de altura nas bordas e até quatro metros no centro, criando uma cobertura inclinada. A água escorria para as calhas e, em seguida, era direcionada para valas ao redor da área.

Ao lado, uma parcela idêntica da floresta foi mantida intacta, funcionando como grupo de controle. Em ambas as áreas, sensores foram instalados nos troncos, no solo e abaixo da superfície para medir a umidade, temperatura do ar, crescimento das árvores, fluxo de seiva, desenvolvimento das raízes e outros dados.

Duas torres metálicas foram erguidas acima de cada uma. Nelas, radares da NASA monitoram a quantidade de água nas plantas, permitindo que os cientistas avaliem o nível de estresse da floresta. Os dados são enviados ao Laboratório de Propulsão a Jato da agência espacial, na Califórnia, onde são processados.

O pesquisador Joao de Athaydes em área do projeto Esecaflor
O pesquisador Joao de Athaydes em área do projeto Esecaflor (Crédito: Jorge Saenz/ AP)

“No início, a floresta parecia resistir bem à seca”, conta Lucy Rowland, professora de ecologia na Universidade de Exeter, na Inglaterra. Mas, cerca de oito anos depois, isso começou a mudar. “Observamos uma grande redução na biomassa e a morte de muitas das árvores maiores”, relata.

Como resultado, a floresta perdeu cerca de 40% do peso total da vegetação e do carbono armazenado naquela área. As principais conclusões do estudo foram publicadas na revista “Nature Ecology & Evolution”.

O estudo mostra que, nos anos em que houve essa perda de vegetação, a floresta deixou de ser um sumidouro de carbono – ou seja, um ambiente que absorve CO2 – e passou a ser uma fonte de emissão de carbono, até atingir um novo ponto de equilíbrio.

Apesar disso, houve uma boa notícia: mesmo após décadas de seca severa, a floresta não se transformou em savana, como alguns modelos anteriores haviam previsto.

PRÓXIMO PASSO: ACOMPANHAR A RECUPERAÇÃO DA FLORESTA

Em novembro, a maioria das seis mil coberturas plásticas foi retirada e agora os pesquisadores estão observando como a floresta reage. Ainda não há previsão para o fim do projeto.

“A floresta já passou por um processo de adaptação. Agora queremos entender o que acontece a partir daqui”, diz João de Athaydes, meteorologista, vice-coordenador do Esecaflor, professor da Universidade Federal do Pará e coautor do estudo publicado na “Nature”. “A ideia é ver se ela consegue se regenerar e voltar ao estágio original, como era quando começamos.”

“Sabemos muito pouco sobre como a seca afeta os processos no solo”, afirma a ecóloga Rachel Selman, pesquisadora da Universidade de Edimburgo, na Escócia, também coautora do estudo.

A simulação feita pelo Esecaflor tem semelhanças com a realidade vivida nos últimos dois anos, quando a Amazônia enfrentou uma das piores secas já registradas, agravada pelo fenômeno El Niño e pelas mudanças climáticas.

Crédito: Istock

As consequências foram severas: dezenas de botos morreram devido ao calor extremo e à queda no nível dos rios e vastas áreas de floresta antiga pegaram fogo.

Segundo Rowland, o El Niño mais recente teve efeitos intensos e imediatos sobre a Amazônia, não apenas pela redução das chuvas, mas também por picos de temperatura e aumento do chamado déficit de pressão de vapor – uma medida da secura do ar.

Já o experimento do Esecaflor focou especificamente na manipulação da umidade do solo para entender os impactos de mudanças prolongadas nos padrões de chuva.

“Nos dois casos, vemos a floresta perdendo sua capacidade de absorver carbono”, explica Rowland. “Em vez disso, o carbono está voltando para a atmosfera – junto com a perda de cobertura vegetal.”


SOBRE O AUTOR

Fabiano Maisonnave é correspondente da Associated Press na Amazônia. saiba mais