Combater o desmatamento não é prioridade para produtores de couro e carne
Pesquisa realizada pelo grupo Global Canopy traz insights sobre os maiores players do setor no Brasil e seus financiadores
A próxima conferência climática das Nações Unidas, a COP30, será realizada em Belém, capital de uma região amazônica onde o desmatamento generalizado, principalmente impulsionado pela pecuária, transformou a floresta de um sistema vital de captura de carbono em uma fonte significativa de emissões.
Agora, um novo relatório conclui que cerca de 80% das principais empresas de carne e couro bovino do Brasil e seus financiadores não assumiram compromissos para parar o desmatamento.
O estudo, divulgado pelo grupo ambiental Global Canopy, destaca os produtores e processadores de carne e couro mais influentes do país, junto com instituições financeiras que os apoiaram com US$ 100 bilhões de dólares.
Esse montante é um terço do financiamento anual que as nações ricas se comprometeram a fornecer para o financiamento climático em países em desenvolvimento durante a COP29, realizada em novembro em Baku, no Azerbaijão.
"Embora a pecuária seja a commodity mais influente na questão do desmatamento e das emissões de gases de efeito estufa associadas, o relatório... revela um quadro de inação surpreendente por parte das empresas e instituições financeiras nas cadeias de suprimentos brasileiras", segundo os autores do estudo.
O desempenho é ruim até mesmo entre os que se comprometem a parar o desmatamento, como a JBS. A empresa é uma das poucas a estabelecer tais compromissos e uma das duas que contam com um sistema para rastrear o gado até a unidade de produção. No entanto, o relatório a classifica como a mais propensa a comprar gado e couro de áreas desmatadas recentemente.
Essa avaliação do risco de desmatamento é baseada no número de cabeças de gado adquiridas de pecuaristas em cada município e na taxa de desmatamento daquela localidade.
Os frigoríficos que compram de áreas de alto desmatamento são mais propensos a adquirir de terras recentemente desmatadas do que aqueles que compram de áreas de baixo desmatamento. A metodologia foi criada pelo Do Pasto ao Prato, um aplicativo independente que visa aumentar a transparência no setor pecuário.
Pesquisas mostram que a área mais a leste da Amazônia deixou de atuar como um sistema de captura de carbono.
"Compromissos são essenciais como um dos primeiros passos que uma empresa toma para enfrentar o desmatamento", diz Emma Thomson, uma das coautoras do estudo.
"Mas tem que ser seguido por uma implementação eficaz e por monitoramento de fornecedores diretos e indiretos para verificar a conformidade com esses padrões. É preciso ter mecanismos de rastreabilidade eficazes e relatórios transparentes sobre o progresso que está ou não sendo feito", completa Thomson.
Além da JBS, o relatório lista três empresas de processamento com unidades baseadas no Pará como prováveis compradoras de gado e couro de áreas desmatadas recentemente: Mercurio, Mafrinorte e Frigol.
Em resposta por escrito, a JBS disse que a metodologia do estudo fornece uma avaliação simplista e imprecisa do risco de desmatamento, ignorando fatores como políticas corporativas, sistemas de aquisição sustentável e exclusão de fornecedores não conformes.
A empresa disse que, desde 2009, mantém um sistema para garantir que os fornecedores atendam aos critérios socioambientais. "As empresas que fizeram progressos significativos em seus controles acabam sendo criticadas e sua transparência é usada não como um incentivo, mas como uma penalidade", afirmou.
Mercurio, Mafrinorte e Frigol não responderam aos pedidos de comentário.
O relatório da Global Canopy foi financiado pelo Bezos Earth Fund, fundo ambiental criado por Jeff Bezos, maior acionista da Amazon. O aplicativo Do Pasto ao Prato é financiado pela Iniciativa Internacional para a Floresta e o Clima, da Noruega.
O Pará tem o segundo maior rebanho bovino do país, com 25 milhões de animais. Cerca de 35% de seu território está desmatado, uma área pouco menor do que a Síria. Como resultado, é o primeiro em emissão de gases de efeito estufa entre os estados brasileiros.
Um estudo publicado na revista "Nature" em 2021 apontou que a área mais a leste da Amazônia (onde o Pará está localizado) deixou de atuar como um sistema de captura de carbono devido ao desmatamento e às mudanças climáticas.
Niki Mardas, diretor executivo da Global Canopy, disse que haverá uma atualização do relatório na preparação para a COP30, quando todos os olhos estarão voltados para a Amazônia. "O estudo não é uma imagem fixa, é um chamado à ação."