Como a cannabis pode ajudar a limpar o ambiente dos químicos eternos

Tribo indígena está usando o cânhamo, uma das formas genéticas da espécie cannabis, para remover produtos químicos tóxicos do solo

Crédito: Enis Can Ceyhan/ Unsplash

Patrick Sisson 3 minutos de leitura

Desde que o cultivo de cânhamo (uma das variações da Cannabis sativa) foi legalizado novamente nos Estados Unidos, em 2018, as propriedades únicas dessa planta vêm ganhando cada vez mais atenção. A produção doméstica deu um grande impulso ao boom do CBD.

Mas em uma área remota do estado do Maine, a reintrodução do cânhamo está desempenhando um papel central em uma nova pesquisa que busca resolver um problema particularmente difícil: a remoção de produtos químicos tóxicos conhecidos como PFAS, ou “químicos eternos”, do solo contaminado.

Essas plantas resistentes, com raízes profundas que penetram no solo, absorvem os produtos químicos tóxicos em seus caules e crescem rapidamente, em cerca de dois ou três meses.

Além disso, o cânhamo exige pouca água, não solta folhas ou caules que poderiam estar contaminados e não serve de alimento para animais. Isso significa que cultivar grandes concentrações requer menos recursos e tem menos chances de recontaminar a área ou afetar a cadeia alimentar.

Pesquisadores indígenas da tribo Aroostook Band of Micmacs estão na linha de frente dessa iniciativa, perto da fronteira com o Canadá, em Limestone, no Maine. Em 2019, a pesquisadora Chelli Stanley se uniu ao vice-chefe da tribo, Richard Silliboy, e juntos fundaram a Upland Grassroots para testar o uso do cânhamo na remoção dos PFAS 

Em 2020, eles demonstraram que as plantas foram eficazes em remover alguns desses contaminantes persistentes do solo. Esse processo, chamado fitorremediação – que utiliza plantas para limpar o solo – e seu potencial de aplicação em larga escala têm empolgado os pesquisadores.

“Os químicos eternos já estão por toda parte, praticamente onipresentes no meio ambiente”, afirma Bryan Berger, engenheiro químico e professor da Universidade da Virgínia, que começou a trabalhar com a tribo Micmac há três anos.

Crédito: Upland Grassroots

Presentes em panelas antiaderentes, espumas de combate a incêndios e diversos tipos de plásticos e materiais sintéticos, esses produtos químicos são quase impossíveis de degradar. Eles podem estar em milhões de hectares de terras agrícolas e seu acúmulo no solo e na água pode trazer sérios riscos à saúde.

Historicamente, o cânhamo é conhecido por sua capacidade de regenerar o solo. Estudos mostram que ele consegue remover metais pesados como cobre, cádmio, níquel, chumbo e cromo.

O cânhamo e outras plantas já foram usados em minas, áreas industriais e até em Chernobyl, onde o biólogo Ilya Raskin usou plantas de mostarda para remover metais tóxicos, cunhando o termo fitorremediação.

Crédito: Upland Grassroots

Em 2009, o governo norte-americano concedeu terras aos Micmacs. No entanto, a cruel tradição de oferecer terras de baixa qualidade a povos indígenas, como parte de políticas discriminatórias e de tratamento desigual, não mudou. Embora a tribo não fosse responsável pela contaminação, eles se esforçaram para encontrar formas de limpar o solo.

Seu vasto conhecimento de agricultura, plantas e ecossistemas os tornou particularmente habilidosos no uso de espécies nativas nesse esforço de limpeza.

Ainda assim, eles enfrentaram muitos desafios. Cultivar cânhamo em solos contaminados exigiu que transportassem água de outras fontes, para que o solo não fosse recontaminado. Também tiveram que usar equipamentos de proteção individual para evitar a exposição aos PFAS.

Crédito: Upland Grassroots

Berger vê três grandes desafios no uso da fitorremediação para combater os químicos eternos. Primeiro, é necessário detectá-los. Depois, usar o cânhamo para absorvê-los do solo. Mas o passo final, que tem dificultado grande parte da remoção, é o descarte das plantas contaminadas.

Pesquisadores estão testando diferentes métodos, como liquefação hidrotérmica, processos químicos e o uso de micróbios e fungos para decompor os produtos químicos. Fazer isso em larga escala também é um grande desafio: Berger estima que remover todas as plantas de cânhamo necessárias para limpar uma fazenda de brócolis de 40 hectares pode levar semanas.

A expectativa é que, uma vez encontrada a solução para descartar as plantas contaminadas, os pesquisadores possam desenvolver maneiras mais eficazes de detectar e remover os PFAS.

O norte do Maine continua sendo uma importante região agrícola, com foco no cultivo de batatas, e Berger espera que o uso de cânhamo para limpar o solo se torne parte de um sistema de rotação de culturas que ajude a remover essas toxinas.


SOBRE O AUTOR

Patrick Sisson é colaborador da Fast Company e cobre o setor de desenvolvimento urbano e mercado imobiliário para o ranking anual Most... saiba mais