Como a desativação da USAID impacta ações no Brasil e na América Latina

Vários beneficiários temem que seus projetos agora sejam encerrados com a desativação da agência humanitária dos EUA

Crédito: Ceri Breeze/ Getty Images

Fabiano Maisonnave 5 minutos de leitura

A desativação da Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional (USAID) deve representar um golpe para esforços como a assistência humanitária na Colômbia, as iniciativas de conservação na Amazônia brasileira e a erradicação da coca no Peru, países que têm sido prioritários nas ações de apoio da entidade na América do Sul.

Mesmo que alguma ajuda externa seja retomada após a suspensão de 90 dias ordenada pelo presidente Donald Trump, muitos dos projetos apoiados pela USAID se concentram em áreas que ele tem criticado como ideológicas: mudança climática, biodiversidade e direitos das minorias e das mulheres. Assim, vários beneficiários temem que seus projetos agora sejam encerrados.

Em 2024, a USAID desembolsou US$ 22,6 milhões para o Brasil. Mais da metade (cerca de US$ 14 milhões) foi destinada à proteção ambiental geral, com a Amazônia como prioridade, já que a floresta armazena quantidades cruciais de carbono da atmosfera.

No Brasil, a maior iniciativa da USAID é a Parceria para a Conservação da Biodiversidade da Amazônia, que se concentra na conservação e na melhoria dos meios de subsistência dos povos indígenas e de outras comunidades da floresta. Cerca de dois terços da maior floresta tropical do mundo estão no Brasil.

Uma das organizações brasileiras apoiadas pela USAID é o Conselho Indígena de Roraima, com atuação em 35 áreas, incluindo o território Yanomami, totalizando aproximadamente 157 mil quilômetros quadrados – uma área maior do que a Grécia. Esse apoio direto reflete uma mudança na USAID nos últimos anos, priorizando o financiamento de organizações de base.

Em uma região vulnerável à mineração ilegal de ouro e ao tráfico de drogas, o Conselho Indígena de Roraima utilizava os recursos para melhorar a agricultura familiar, adaptar-se às mudanças climáticas e gerar renda para mulheres.

Em 2024, a USAID desembolsou US$ 22,6 milhões para o Brasil, mais da metade para proteção ambiental.

Agora, tudo está em risco, diz Edinho Macuxi, tuxaua (líder) do Conselho Indígena. Nas últimas semanas, sua organização, que representa cerca de 60 mil pessoas, demitiu trabalhadores e cancelou atividades devido à falta de recursos.

"A parceria com a USAID existe há sete anos. Se a decisão for encerrá-la, isso vai abalar a estrutura da nossa organização e projetos muito importantes para fortalecer a economia e a autonomia dos povos indígenas", afirma.

"Nosso recado ao presidente Trump é que ele deve manter os recursos não apenas para o Brasil, mas para outros países também. No Brasil, os povos indígenas que acessam esse financiamento são os que efetivamente mantêm grande parte da floresta de pé, garantindo a vida não apenas para os brasileiros, mas para o mundo", aponta Macuxi.

Crédito: André Penner/ AP Photo

Nos últimos anos, a USAID também apoiou o que é considerado o esforço de recursos sustentáveis mais bem-sucedido na Amazônia: a pesca manejada do pirarucu, o famoso peixe gigante da região.

Os fundos dos EUA financiaram um frigorífico onde os pescadores podiam trabalhar durante o período legal de captura. Comunidades indígenas e ribeirinhas ajudaram a recuperar o que era uma espécie ameaçada, ao mesmo tempo em que geravam renda e alimento.

Trump disse a repórteres que a desativação da USAID "deveria ter sido feita há muito tempo". O bilionário Elon Musk, que lidera a redução de custos do governo na nova administração, afirmou que a agência era administrada por "lunáticos da esquerda radical".

CONSEQUÊNCIAS DA DESATIVAÇÃO DA USAID NA COLÔMBIA E PERU

Há muito tempo a Colômbia tem sido o maior destino da assistência externa dos EUA na América do Sul – em 2024, a agência destinou quase US$ 385 milhões para o país.

Os fundos da USAID ajudaram a fornecer assistência humanitária emergencial a mais de 2,8 milhões de venezuelanos que fugiram da crise econômica. Apenas em 2024, a agência transferiu cerca de US$ 45 milhões para o Programa Alimentar da ONU, principalmente para auxiliar esses refugiados.

Apesar de os EUA serem a maior fonte de ajuda para a Colômbia, o presidente Gustavo Petro disse que parte dessa assistência não é bem-vinda e precisa acabar.

"Centenas de funcionários de imigração que guardam nossas fronteiras eram pagos pelos Estados Unidos. Essa ajuda é veneno", disse ele durante uma reunião ministerial na segunda-feira (dia 3). "Isso nunca deveria ser permitido. Vamos pagar com nosso dinheiro."

Refugiados venezuelanos na Colômbia (Crédito: Carlos Diago/ UN News)

Para o Peru, a agência humanitária destinou cerca de US$ 135 milhões em 2024. Parte desse montante era utilizada para controlar a produção de cocaína, financiando alternativas como café e cacau. Esses esforços remontam ao início dos anos 1980.

O Peru é o segundo maior produtor mundial de cocaína, depois da Colômbia, que conta com programas semelhantes financiados com assistência dos EUA.

Em comunicado, o primeiro-ministro do Peru, Gustavo Adrianzén, afirmou que seu governo vai continuar com o programa de substituição de cultivos sem o financiamento dos EUA.

Trump disse a repórteres que a desativação da USAID "deveria ter sido feita há muito tempo".

A Comissão Nacional para o Desenvolvimento e Vida sem Drogas do Peru, conhecida como DEVIDA, não quis comentar sobre a suspensão do financiamento pela nova administração dos EUA.

O ex-chefe da DEVIDA, Ricardo Soberón, disse que a desativação da USAID é uma oportunidade para revisar uma parceria que não tem sido eficaz. "Sempre foi uma assistência condicionada, com interferências políticas. Tem sido mínima, frequentemente atrasada e não integrada às ações do Estado peruano", analisa.

Soberón afirmou que a Bolívia, que expulsou a USAID em 2013, obteve melhores resultados no controle da produção de cocaína desde então. "Apesar dos problemas e das limitações externas, a saída da USAID proporcionou à Bolívia um alto grau de autonomia para desenvolver políticas de controle social, que têm sido muito mais eficientes", afirma Soberón.


SOBRE O AUTOR

Fabiano Maisonnave é correspondente da Associated Press na Amazônia. saiba mais