Como a humanidade vai lidar com os recursos da Lua

O Tratado do Espaço SIderal proíbe as nações de reivindicar território no espaço. Então, como os recursos espaciais serão gerenciados?

Crédito: NASA/ Unsplash

Michelle Hanlon 4 minutos de leitura

Faz 50 anos que o homem foi à Lua pela última vez, e mesmo missões com robôs têm sido raras. Mas o único satélite natural da Terra está prestes a ficar bastante movimentado.

Pelo menos seis países e uma enxurrada de empresas privadas anunciaram publicamente mais de 250 missões à Lua, durante a próxima década. Muitas delas têm planos de criar bases lunares permanentes e são motivadas, em grande parte, pela ambição de avaliar e utilizar seus recursos naturais. 

No começo, eles seriam usados nas próprias missões; mas, a longo prazo, serão uma porta de entrada essencial para missões mais amplas pelo sistema solar.

No entanto, essas ambições esbarram em uma questão legal. Na Terra, a posse e a propriedade dos recursos naturais são baseadas na soberania territorial. Por outro lado, o Artigo II do Tratado do Espaço Sideral – acordo de 60 anos que orienta a atividade humana no espaço – proíbe as nações de reivindicar território no espaço. Essa limitação inclui a Lua, outros planetas e asteroides. Então, como os recursos espaciais serão gerenciados?

Sou uma advogada que se concentra no uso pacífico e sustentável do espaço para beneficiar toda a humanidade. Acredito que a década de 2020 será conhecida como aquela em que os humanos se tornaram uma espécie verdadeiramente espacial, utilizando recursos de outros corpos celestes para sobreviver e prosperar tanto no espaço quanto na Terra.

Para isso, a comunidade internacional está desenvolvendo uma estrutura de gestão de recursos espaciais, começando por nosso vizinho mais próximo, a Lua.

Crédito: Ilustração/ NASA

MISSÕES LUNARES

O Programa Artemis, liderado pelos EUA, é uma coalizão de parceiros comerciais e internacionais cujo primeiro objetivo é levar o homem à Lua até 2024. Depois, o plano é estabelecer uma base permanente. 

A Rússia e a China também anunciaram planos para uma Estação Internacional de Pesquisa Lunar conjunta com colaboração internacional. Além disso, há várias missões privadas em desenvolvimento por empresas como iSpace, Astrobotic e muitas outras. Essas missões visam determinar quais recursos estão disponíveis na Lua, onde estão localizados e a dificuldade de extraí-los.

Atualmente, o mais precioso deles é a água. Ela pode ser encontrada principalmente na forma de gelo em crateras nas regiões polares. É um recurso essencial para a sobrevivência, mas, quebrando suas moléculas, em hidrogênio e oxigênio, também pode ser usada como combustível para foguetes.

a década de 2020 será conhecida como aquela em que os humanos se tornaram uma espécie verdadeiramente espacial.

Outros recursos valiosos são metais raros na Terra, como neodímio – usado em ímãs – e hélio-3, que pode ser usado para produzir energia. Uma pesquisa recente sugere que existem apenas algumas pequenas áreas da Lua que contêm água e elementos raros. Essa concentração pode virar um problema, já que muitas das missões planejadas provavelmente avaliarão as mesmas áreas.

POEIRA LUNAR

A Lua é coberta por uma camada de poeira fina e de pequenos fragmentos afiados de rocha, chamados regolitos. Como praticamente não há atmosfera, quando uma espaçonave pousa ou anda sobre a superfície, esses fragmentos são lançados para longe.

Parte da missão Apollo 12, de 1969, era trazer pedaços da Surveyor 3 – espaçonave norte-americana que pousou na Lua em 1967 para estudar sua superfície – de volta à Terra.

A Apollo 12 pousou a pouco mais de 160 metros de distância , mas, após uma inspeção, os engenheiros descobriram que partículas sopradas pelo escapamento da nave haviam perfurado a superfície da Surveyor 3, fazendo com que fragmentos de regolito ficassem incrustados no casco.

Não é difícil imaginar uma sonda (ou mesmo um rover) de um país passando muito perto da espaçonave de outro e causando danos significativos.

AÇÕES INTERNACIONAIS

O Artigo IX do Tratado do Espaço Sideral exige que todas as atividades sejam conduzidas “com a devida consideração aos interesses de outros”. Sob essa filosofia, muitas nações estão atualmente trabalhando para o uso colaborativo de recursos espaciais.

Uma pesquisa recente sugere que existem apenas algumas pequenas áreas da Lua que contêm água e elementos raros.

Até o momento, 21 nações aceitaram os Acordos de Artemis, que apoia o desenvolvimento de zonas de “notificação e coordenação”, também chamadas de “zonas de segurança”. Embora não seja um número insignificante de países, esses acordos não incluem ainda China, Rússia ou Índia.

Em junho de 2022, o Comitê das Nações Unidas para o Uso Pacífico do Espaço Exterior criou o Grupo de Trabalho sobre Aspectos Legais das Atividades de Recursos Espaciais. O objetivo é estabelecer e recomendar princípios relativos à “exploração, extração e utilização de recursos espaciais”.

Um grupo como este é essencial para que a demarcação de zonas de segurança consiga apoio internacional. A For All Moonkind, organização sem fins lucrativos que fundei, composta por especialistas e veteranos da NASA, tem a missão de apoiar o estabelecimento de zonas de proteção em áreas com importância histórica no espaço, como uma versão inicial de zonas de segurança. 

Embora impulsionadas pela poeira lunar, essas zonas de segurança podem ser um ponto de partida para o desenvolvimento de um sistema funcional de gestão de recursos e territórios no espaço. Tal ação, além de proteger importantes áreas históricas, também poderia ajudar a gestão de recursos a funcionar como uma ferramenta de conservação, em vez de exploração.


SOBRE A AUTORA

Michelle Hanlon é professora de direito aéreo e espacial na Universidade do Mississippi. saiba mais