Como cidades inteligentes usam sensores para plantar árvores no lugar certo

Mapeamento das áreas mais quentes permite que urbanistas planejem, de forma estratégica, a criação de parques, telhados frios e arborização onde o risco é maior

Como cidades inteligentes usam sensores para plantar árvores no lugar certo
Créditos: freepik.com e FredFroese via Getty

Dan O’Brien 4 minutos de leitura

No verão, nem mesmo cidades mais próximas dos polos estão livres de enfrentar altas temperaturas. Mas o calor não afeta todos da mesma forma – mesmo entre vizinhos do mesmo bairro.

Um exemplo claro vem de Boston, nos Estados Unidos. Às 16h30 de um dia recente, a temperatura na rua Lewis Place, sob o sol, era de 34,6 °C. Já na Dudley Common, chegava a 39,4 °C. Ambas estavam quentes, mas uma delas representava um risco muito maior para a saúde e o bem-estar da população.

O curioso é que as duas ruas ficam a poucos quarteirões de distância. Essa diferença ilustra perfeitamente o efeito das ilhas de calor urbana, causadas pelo acúmulo e retenção de calor no asfalto e nos prédios, que fazem certas áreas da cidade ficarem bem mais quentes que outras.

Uma análise mais atenta explica por quê:

  • A Dudley Common fica localizada entre duas avenidas movimentadas, com muito asfalto, comércio e pouquíssimas árvores.
  • A Lewis Place é uma rua residencial, com casas de dois andares e bastante arborizada

Essa comparação, entre pontos tão próximos, mostra como o efeito das ilhas de calor pode variar drasticamente e também evidencia as limitações das estratégias atuais para lidar com o calor, que geralmente analisam o bairro ou a cidade como um todo.

Mesmo dentro de um mesmo bairro, o desenho urbano e a infraestrutura podem fazer com que algumas áreas fiquem muito mais quentes do que outras. São como pequenas ilhas dentro de um “arquipélago” maior.

IDENTIFICANDO PEQUENAS ILHAS DE CALOR

Novas tecnologias estão ajudando a identificar essas áreas críticas, permitindo desenvolver estratégias para melhorar a qualidade de vida nos grandes centros urbanos.

Focar nas áreas que mais precisam pode ser muito mais eficaz e econômico

Reduzir o calor de uma cidade inteira é um desafio imenso. Mas focar nas áreas que mais precisam pode ser muito mais eficaz e econômico. O primeiro passo é identificar essas pequenas ilhas.

Participo de uma equipe que instalou mais de 30 sensores no bairro de Roxbury, em Boston, que registram a temperatura a cada minuto, criando um retrato preciso dos riscos locais. Estamos instalando outros 25.

O projeto Common SENSES é fruto da colaboração entre organizações comunitárias – como a Dudley Street Neighborhood Initiative e a Project Right Inc. –, pesquisadores da Boston Area Research Initiative, da Universidade Northeastern, e autoridades locais. O objetivo é criar soluções ambientais guiadas por dados e lideradas pela própria comunidade.

Os sensores geram um mapa em tempo real, revelando desde pequenas ilhas de calor, como a Dudley Common, até áreas mais frescas, como a Lewis Place.

Essas tecnologias estão ficando mais acessíveis e já são usadas em cidades como Miami, Baltimore, Singapura e Barcelona. Quando instalações permanentes não são viáveis, existem alternativas, como a campanha de ciência cidadã da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos EUA, que utiliza sensores móveis para criar mapas pontuais em mais de 50 cidades.

RESFRIANDO A CIDADE, QUARTEIRÃO POR QUARTEIRÃO

Mesmo com informações tão detalhadas, ainda estamos começando a explorar todo o potencial desses dados para melhorar a saúde e o bem-estar das pessoas.

O surgimento dessas pequenas ilhas está ligado ao modelo de urbanização: mais prédios e asfalto, menos áreas verdes. Muitos projetos que utilizam sensores comunitários já apontam onde plantar árvores e instalar telhados e pavimentos frios para refletir o calor.

Mas, na prática, esses dados ainda não são aproveitados ao máximo. Los Angeles, por exemplo, investiu pesado em pavimento frio, mas sem priorizar os bairros mais quentes. Nova York plantou árvores sem avaliar bem onde elas teriam melhores condições para crescer.

Com frequência, a análise é feita bairro a bairro, como se todas as ruas de uma mesma área tivessem a mesma temperatura. Londres, por exemplo, utiliza imagens de satélite para identificar ilhas de calor, mas a resolução não é suficiente para detectar diferenças entre quarteirões.

Urbanistas podem posicionar de forma estratégica pequenos parques, telhados frios e árvores nos pontos mais críticos

Já com dados mais precisos, urbanistas podem posicionar de forma estratégica pequenos parques, telhados frios e árvores nos pontos mais críticos. As cidades também poderiam incentivar – ou exigir – que novos empreendimentos incluam áreas verdes para prevenir ou mitigar novas ilhas de calor. 

Essas ações direcionadas são mais baratas e podem beneficiar mais pessoas.

Esses dados também poderiam tornar os alertas de calor mais precisos. No dia 25 de julho de 2025, quando medi as temperaturas na Dudley Common e na Lewis Place, o Serviço Nacional de Meteorologia dos EUA emitiu um alerta para praticamente todo o estado de Massachusetts no mesmo nível de risco.

ALERTAS MAIS INTELIGENTES

Em alguns dias, certas ruas ultrapassam limites críticos – como 32 °C –, enquanto outras não. Com dados localizados, seria possível avisar diretamente os moradores ou, por meio de organizações locais, divulgar mapas das ruas mais quentes e até sugerir rotas mais frescas.

As evidências de que pequenas ilhas de calor existem não só em grandes cidades, como também em áreas suburbanas, estão aumentando. Com informações detalhadas, gestores e comunidades podem trabalhar juntos para resolver problemas que muitos moradores já conhecem bem no dia a dia.

Como costuma dizer minha colega Nicole Flynt, da Project Right Inc.: “Dados + histórias = verdade”. Se combinarmos as informações dos sensores com os relatos da população, conseguiremos manter as pessoas mais seguras – e mais frescas – nos dias de calor extremo.

Dan O’Brien é professor de políticas públicas e assuntos urbanos e diretor da Boston Area Research Initiative, da Universidade Northeastern.

Este artigo foi republicado do “The Conversation” sob licença Creative Commons. Leia o artigo original.


SOBRE O(A) AUTOR(A)

Dan O’Brien é professor de políticas públicas e assuntos urbanos e diretor da Iniciativa de Pesquisa da Área de Boston na Northeastern... saiba mais