Como fabricantes esconderam o perigo dos químicos eternos por décadas

Assim como as gigantes do tabaco e do petróleo, empresas como DuPont e 3M sabiam dos riscos dos PFAS e ocultaram essa informação

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Kristin Toussaint 4 minutos de leitura

Desde o final da década de 1950, as empresas de tabaco já sabiam que fumar poderia causar câncer, mas ainda assim financiaram pesquisas científicas por décadas para ofuscar esse fato. Em 1979, a Exxon sabia que os combustíveis fósseis estavam ligados ao aquecimento global, mas a indústria do petróleo contestou a ciência climática durante anos.

em 1961, a Du Pont já sabia que materiais de Teflon deveriam ser manipulados "com extrema cautela”.

Agora, um novo relatório revela que, na década de 1960, a indústria química já tinha conhecimento de que os PFAS, conhecidos como “produtos químicos eternos”, tinham efeitos adversos à saúde – e continuaram a esconder isso do público.

PFAS, ou substâncias per e polifluoroalquil, são uma classe de produtos químicos sintéticos usados em uma ampla gama de produtos, desde panelas antiaderentes até roupas impermeáveis.

Embora ofereçam benefícios únicos, eles também permanecem no meio ambiente e no corpo humano por muitos anos. A exposição aos PFAS tem sido associada a diversos efeitos prejudiciais à saúde, incluindo aumento do risco de câncer, diminuição da fertilidade e atrasos no desenvolvimento.

DOCUMENTOS "CONFIDENCIAIS"

À medida que esses compostos químicos ganham cada vez mais destaque na mídia, algumas empresas e governos estão começando a tomar medidas para removê-los de seus produtos ou até proibir o uso dessas substâncias. Em março de 2023, a Agência de Proteção Ambiental dos EUA (EPA) propôs pela primeira vez um limite para a presença de “produtos químicos eternos” na água potável.

Apesar de os perigos dos PFAS estarem recebendo destaque recentemente, um novo estudo publicado no “Annals of Global Health” revela que a indústria química tinha conhecimento dos danos à saúde causados por essas substâncias há décadas.

A exposição aos PFAS tem sido associada a diversos efeitos prejudiciais à saúde, incluindo aumento do risco de câncer.

Pesquisadores da Universidade da Califórnia analisaram documentos da DuPont e da 3M, duas das maiores fabricantes de PFAS do mundo, de 1961 a 2006, e encontraram evidências de que essas empresas sabiam do perigo desses produtos químicos, mas mantiveram essas informações em segredo.

“A DuPont encontrou evidências da toxicidade dos PFAS a partir de estudos internos ocupacionais e com animais, mas não as publicou na literatura científica ou reportou os resultados à EPA, descumprindo a Lei de Controle de Substâncias Tóxicas. Esses documentos foram classificados como ‘confidenciais’ e, em alguns casos, executivos da indústria expressaram o desejo de destruí-los.”

Esses arquivos foram descobertos por meio de um processo movido por Robert Bilott, advogado que liderou uma ação coletiva relacionada à contaminação por PFAS. Em janeiro de 2021, DuPont, Corteva e Chemours anunciaram um acordo de US$ 83 milhões para resolver esses processos de danos pessoais, além de US$ 4 bilhões para cobrir responsabilidades decorrentes do uso passado desses compostos. O documentário de 2018 “The Devil We Know” destaca o trabalho de Bilott.

FALHAS NA REGULAMENTAÇÃO

Os documentos revelam que, em 1961, a empresa descobriu que materiais de Teflon poderiam aumentar o tamanho do fígado de ratos, que era necessário “manipular essas substâncias com extrema cautela” e que “o contato com a pele deveria ser rigorosamente evitado”, de acordo com o artigo.

empresas e governos estão começando a tomar medidas para remover esses produtos ou até proibir o uso dessas substâncias.

Um memorando interno de 1970 do Laboratório Haskell, financiado pela DuPont, observou que um tipo de PFAS chamado C-8 (também conhecido como PFOA) era “altamente tóxico quando inalado e moderadamente tóxico quando ingerido”. Em 1980, duas funcionárias grávidas que trabalhavam em uma instalação de fabricação deste produto específico deram à luz crianças com defeitos congênitos.

Segundo o artigo, “uma terceira criança apresentava PFAS detectável no sangue do cordão umbilical”. Nenhuma informação sobre esses casos foi compartilhada com os funcionários. No ano seguinte, foi emitido um memorando interno que dizia: “não temos conhecimento de evidências de defeitos congênitos causados por C-8 na DuPont”.

A empresa continuou a afirmar, por anos, que não havia efeitos tóxicos ou prejudiciais à saúde conhecidos desse produto químico. Em 2004, a EPA multou a DuPont por não divulgar suas descobertas sobre o PFOA, resultando em um acordo de US$ 16,5 milhões.

“Esses documentos revelam evidências claras de que a indústria química sabia dos perigos dos PFAS e deixou de informar o público, os reguladores e até mesmo seus próprios funcionários sobre os riscos”, afirmou Tracey J. Woodruff, autora principal do artigo, professora e diretora do Programa de Saúde Reprodutiva e Meio Ambiente da Universidade da Califórnia e ex-cientista sênior e assessora de políticas da EPA. “Esta linha do tempo revela falhas graves na forma como os EUA regulam produtos químicos nocivos.”


SOBRE A AUTORA

Kristin Toussaint é editora assistente da editoria de Impacto da Fast Company. saiba mais