Como o café sobreviverá às mudanças climáticas?

Crédito: Fast Company Brasil

Adele Peters 12 minutos de leitura

Há um ano, em uma fazenda experimental de café do Starbucks na encosta de um vulcão da Costa Rica, os trabalhadores colhiam os frutos vermelho-vivos que contêm os grãos de café – a primeira colheita de três dúzias de variedades de pés de café plantados dois anos antes. Em outro terreno para testes na Costa Rica, os trabalhadores fizeram a mesma coisa: pesaram cada fruto de cada híbrido novo de café e anotaram os dados antes de enviar os grãos para processamento, torra e envio como amostras para 20 empresas de café, como Intelligentsia e Dunkin’, para testes de sabor.

Em ambas as fazendas, e em outros locais pelo mundo, o piloto está sendo gerido pela World Coffee Research, organização sem fins lucrativos financiada por algumas das maiores empresas cafeeiras. A empresa está a produtividade, a resistência a pragas e o sabor de novas variedades como passo inicial para o enfrentamento do maior problema da indústria: como o café sobreviverá às mudanças climáticas?

Pequenos produtores que plantam os grãos usados para fazer seus cafés matinais já sentem dificuldades devido a climas extremos e aumento de doenças. “Desconheço um produtor de café que não acredite em aquecimento global”, afirma Doug Welsh, vice-presidente e mestre de torra na Peet’s, varejista de São Francisco. A empresa ajudou a lançar a World Coffee Research em 2012 com o objetivo de unir empresas de café na busca por soluções. “Estamos falando de um desafio maior do que qualquer empresa. Na verdade, maior que qualquer país”, afirma.

O CINTURÃO DO CAFÉ ESTÁ TORRANDO

Até 2050, de acordo com uma projeção de 2019 do Centro de Investimento Sustentável da Universidade de Columbia, até três quartos da terra hoje usada para a plantação de café tipo Arábica – espécie de café mais utilizada – não mais serão adequados para o plantio se a temperatura média nas áreas plantação subir 2,8 graus Celsius – já subiu 1,5 ºC em diversas regiões.

“O café é particularmente suscetível a mudanças climáticas por diversas razões. Uma delas é que ele cresce sob uma faixa climática limitada”, explica Elizabeth Shapiro, professora de administração e políticas ambientais na Universidade de Duke. O café Robusta é um pouco mais resiliente que o Arábica, mas não é um substituto completo, porque lhe falta sabor, motivo pelo qual é normalmente utilizado em misturas. E mesmo este tipo está sofrendo com a mudança climática.

O cinturão onde o café prospera é espalhado pelos trópicos, da Etiópia à Indonésia, passando pela Bolívia. Mesmo dentro desta área limitada, os pés de cafés, pequenos arbustos que dão uma fruta vermelha que contêm duas sementes (os grãos), vão bem somente em certas altitudes e nas temperaturas certas.

O Arábica prospera a uma temperatura que vai de 17 a 21 ºC, em encostas com 500 a 2000 metros (a área total é difícil de ser estimada, mas pode ser maior que 10,5 milhões de hectares globalmente). A maioria das plantações é cultivada por estimados 25 milhões de pequenos produtores, muitos dos quais dependem de terrenos atrás de suas casas para a sobrevivência. Muitos vivem na pobreza, apesar de suprirem um mercado global de quase US$ 100 bilhões.

Trabalhadores colhem os frutos à mão, processo minucioso que envolve a seleção de cada fruta em seu auge. Os frutos então são secos, processados e os grãos são enviados para os torradores.

Com as mudanças climáticas tornando as fazendas montanhosas mais quentes, os pés estão produzindo menos frutos – e com qualidade menor. Em temperaturas mais baixas, os grãos de café amadurecem mais devagar, o que faz com que ácidos e açúcares complexos se desenvolvam na fruta.

“O café, assim como o vinho, obtém parte da complexidade do seu sabor de uma maturação mais lenta. Este será um dos primeiros impactos, haverá impactos tanto no sabor como na produtividade. Quando ficar quente demais, pode ser que a planta não consiga mais sobreviver”, afirma Hanna Neuschwander, diretora de estratégia e comunicações na World Coffee Research.

Os produtores de café serão os mais atingidos. A diferença pode não ser percebida no começo pelos consumidores. Mas a mudança para novos terrenos levará ao desaparecimento de alguns tipos especiais de café, os preços podem começar a subir e a qualidade de uma xícara de café pode começar a cair. Todas essas pressões sobre o café acontecem em meio a um aumento de demanda, particularmente nos países em desenvolvimento. Até 2050, a previsão é de que a demanda global dobre.

“É improvável que não tenhamos café em 2050. Alguém irá produzi-lo. Mas qual será o sabor e o preço? Qual será nossa capacidade de mantermos estes cafés saborosos e interessantes, com suas nuances? Nem estou falando dos cafés de origem que custam de US$ 60 o quilo, mas dos tipos usados no Folgers, para ter um gosto mais interessante que o de papelão”, comenta Neuschwander.

20 MILHÕES DE AGRICULTORES EM RISCO

Os cultivadores já estão sentindo outros impactos conforme os eventos climáticos se tornam mais extremos e erráticos. “Os agricultores com os quais nós trabalhamos na Guatemala estão vivendo períodos secos mais prolongados. E a chuva, quando vem, é imprevisível”, observa Shapiro.

Mais calor, tempestades e umidade estão fazendo com que um fungo chamado ferrugem-do-café se espalhe mais facilmente, pois estas são as condições ideais para que ele se reproduza. A doença ataca as folhas e faz com que o pé de café produza menos frutos. A praga pode devastar pequenas plantações, algumas das quais viram quedas de até 80% na produção. Outros produtores já desistiram de continuar, frente aos desafios climáticos e variações do preço do café – que pode significar que não consigam cobrir os custos da produção, incluindo os produtos químicos destinados ao combate ao fungo. Quando ondas de imigrantes partiram da América Central em 2019, muitos eram antigos produtores de café.

À medida que a mudança climática move as principais lavouras cafeeiras para lugares mais altos, alguns cultivadores podem se realocar – isto é, se eles puderem arcar com os custos de novas terras e da espera de anos para que novos pés deem frutos. “Quanto mais você sobe até o cume da montanha, há menos terra. Então, a única conclusão é de que pés de café precisam se tornar imensamente produtivos”, diz Welsh.

A oferta provavelmente aumentará em alguns países e diminuirá em outros. Tanto o Vietnã quanto o Brasil investem no aumento da produção industrial em larga escala. No país asiático, os produtores estão focados no café Robusta. Já aqui no Brasil, a produção se concentra no Arábica e compete com pequenos produtores que produzem grãos de melhor qualidade, cortando os preços. Ambos os países têm espaço para aumentar a produção – apesar de que em algumas áreas isso significa adentrar a floresta tropical, acelerando o processo de mudança climática.

Pouco está sendo feito para planejar a mudança da produção de café, mas a Costa Rica, por exemplo, está começando a mapear as principais áreas produtoras e os impactos do clima. A indústria cafeeira ainda não parece estar fazendo um planejamento ativo de como a produção pode mudar para novas áreas.

“Nosso foco é na terra que já existe. Vinte milhões de agricultores e suas famílias são impactadas em regiões produtoras ao redor do mundo. E nossa ambição é reforçar a terra na qual eles cultivam, aumentar a produtividade”, afirma Michelle Burns, vice-presidente sênior de chá e café na Starbucks. Burns conta que a empresa está trabalhando para prevenir o desmatamento. Mas não está claro se a demanda pode ser atendida sem realocações.

“GOSTARIA QUE TIVÉSSEMOS COMEÇADO ANTES DE 2012”

Na fazenda da World Coffee Research, em El Salvador, a entidade desenvolveu novas variedades de café e está testando a resiliência, a produtividade e o sabor dos grãos nas fazendas dos participantes, como a do Starbucks. É desafiador porque há pouca diversidade entre as variedades comerciais existentes.

“Temos algumas dúzias de variedades comerciais, e mesmo estas não se diferem muito umas das outras, então quando as condições locais mudam, as plantas não conseguem ou não têm um espectro genético amplo o suficiente para se adaptarem”, explica Welsh. A fertilização cruzada é um processo demorado. “Desenvolver novas linhagens é um processo que leva de 10 a 20 anos. Então é importante que tenhamos começado quando começamos. Gostaria de ter começado antes de 2012”. No último ano, 35 variedades híbridas experimentais desenvolvidas pela entidade começaram a produzir seus primeiros frutos.

Um dos primeiros passos é avaliar o sabor dos grãos. “Precisam ser hiperprodutivos para que os produtores tenham lucro, mas também precisam ter um bom sabor. Existem alguns exemplos do passado em que o programa de criação foi projetado somente para produtividade e resistência a pragas, mas não para a comercialização. E estas são enormes decepções para os produtores porque eles investem quatro anos até terem o pé. Aí vendem o café e descobrem que não há compradores”, afirma Walsh.

Mesmo que algumas das variedades novas sejam consideradas um sucesso, ainda haverá desafios. As novas variedades são mais produtivas por causa do “vigor do híbrido”, ou seja, duas plantas distantes geneticamente formam uma prole com vigor extra. Mas para manter isso, precisam ser reproduzidas pela clonagem de tecidos – mesma técnica usada na produção de flores comerciais ou de maconha – em vez das sementes de café que os cultivadores coletam para o replantio.

Cultivadores pode, compreensivelmente, resistir à ideia de ter dee comprar as plantas em vez de usarem sementes sem custo. “Em uma situação na qual os fazendeiros já tiveram de pagar a conta antes, se você chega e diz “Você não pode plantar a semente deste pé”, se não tiver a confiança do fazendeiro, ele vai dizer algo do tipo “O que é isso, alguma palhaçada da Monsanto?”, relata Neuschwander. Na Guatemala, por exemplo, houve indignação pública por conta de uma lei que protegia a propriedade intelectual da Monsanto em sementes de outros tipos de muda, ameaçando multas para os fazendeiros que recusassem as sementes patenteadas. Embora as novas sementes não sejam patenteadas, elas simplesmente não vão funcionar se replantadas. Felizmente, pés de café têm vida relativamente longa e não precisam ser replantados com frequência.

Em sua fazenda de testes, o Starbucks está estudando técnicas de cultivo para melhorar a produtividade. A empresa também está doando milhões de pés para os fazendeiros. “Trabalhamos de mãos dadas com eles em um ambiente de agronomia aberta, o que é crucial, porque comprando ou não o café deles, estamos comprometidos em garantir o trabalho em equipe rumo a nossa ambiciosa meta”, detalha Burns.

INDÚSTRIA E GOVERNOS PRECISAM AGIR

Ainda existem limites sobre o que pode ser feito nas técnicas de cultivo ou genéticas. “A criação de mudas que ajudem na adaptação é extremamente importante. Mas não vamos escapar de todos os impactos das mudanças climáticas. Em vários lugares onde o café é cultivado, em algum momento futuro, a produção de café não será mais viável”, explica Kaitlin Cordes, uma das autoras do relatório de 2019 sobre a produção de café do Centro de Investimento Sustentável de Columbia.

A modificação genética do café está atrasada em relação a outros ramos da agricultura. Neuschwander alerta que, embora os novos híbridos sejam mais resilientes, não foram criados com traços específicos, como resistência ao calor. “O café está 40 anos atrás de outras culturas porque é uma cultura órfã: é produzido em países mais pobres e consumido em países mais ricos”.

“A infraestrutura de pesquisas em países produtores de café não chega nem perto a dos consumidores. Mas é neles que a pesquisa é feita, de modo geral”. Novas tecnologias de edição genética podem ajudar a acelerar o processo, mas a indústria ainda não as abraçou, reconhecendo que os consumidores têm medo de qualquer coisa que possa parecer geneticamente modificada.

O relatório de Columbia sugere que a indústria cafeeira e os governos dos países do cinturão do café precisarão fazer muito mais, como expandir serviços climáticos que oferecem informações sobre variedades de culturas e como administrá-las. Alguns governos estão testando novos serviços, como um app gratuito na Costa Rica que dá atualizações sobre clima, pragas e dicas sobre o uso fertilizantes. Programas como o do Starbucks, que dá empréstimos para a expansão da infraestrutura, também podem ser expandidos.

Seguros para pequenos agricultores e contratos de compra de longo prazo também podem ajudar. “Seguros são importantes, assim como encontrar formas de estruturas relações de negócios com os produtores para que os riscos climáticos sejam mais compartilhados”, diz Cordes. Hoje, os produtores recebem uma fração mínima do preço que o consumidor final paga pela sua xícara de café, mas arcam com o risco caso a colheita não dê certo. E, é claro, as empresas de café precisam avaliar suas próprias pegadas de carbono; o Starbucks, por exemplo, tem por objetivo reduzir suas emissões pela metade até 2030 como parte de uma meta de longo prazo.

“Para os cultivadores de café sobreviverem aos desafios climáticos e econômicos dos próximos 20 anos, eles precisam de ajuda”, enfatiza James Rising, um dos coautores do relatório de Columbia e professor assistente da Escola de Economia de Londres. “E empresas como o Starbucks devem dar apoio porque os cultivadores têm muito conhecimento sobre como manter um café bom. Não é apenas sobre condições climáticas, mas sobre como se administra os pés, a terra. É muito importante manter este conhecimento.”

Sem ajuda, mais cultivadores de café podem mudar para outras culturas. “Se não conseguirmos aumentar a capacidade dos produtores, os cafés irão desaparecer. Ainda poderemos consumir cafeína. Mas não tenho certeza do quão prazerosa será a experiência. E com certeza milhões de vidas serão impactadas”, finaliza Cordes.


SOBRE A AUTORA

Adele Peters é redatora da Fast Company. Ela se concentra em fazer reportagens para solucionar alguns dos maiores problemas do mundo, ... saiba mais