3 formas como o Papa Francisco se engajou na causa da mudança climática

Francisco defendeu povos indígenas e ativistas ambientais – muitos deles movidos pela fé – e inspirou ações concretas em todo o mundo

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Celia Deane-Drummond 4 minutos de leitura

Tive a oportunidade de conhecer o Ppa Francisco pessoalmente, após a conferência “Salvar a nossa Casa Comum e o Futuro da Vida na Terra”, realizada em julho de 2018. Naquele momento, meus colegas e eu percebemos que algo importante estava acontecendo no coração da Igreja.

Na época, eu estava ajudando a fundar o Instituto de Pesquisa Laudato Si’, no Campion Hall, da Universidade de Oxford. Seu nome foi inspirado na encíclica publicada pelo papa em 2015 – uma carta direcionada aos bispos que define diretrizes da Igreja – focada na crise climática.

A missão do instituto se baseia na visão do Papa Francisco sobre a ecologia integral – uma abordagem multidisciplinar que une questões sociais e ambientais, com foco na justiça e no enfrentamento das mudanças climáticas.

Argentino e primeiro papa jesuíta da história, Francisco viu de perto a devastação da Amazônia e o sofrimento das populações mais vulneráveis da América do Sul. Sua liderança religiosa sempre caminhou lado a lado com a defesa da justiça social e da proteção ambiental.

Em sua primeira carta papal, a “Laudato Si’”, ele fez um apelo não apenas aos católicos, mas à humanidade como um todo, para que cuidassem melhor do planeta e de seus habitantes. Para ele, o que está em jogo exige nada menos que uma revolução cultural. Como teóloga, vejo que ele promoveu mudanças significativas em três frentes principais:

1. NAS CÚPULAS CLIMÁTICAS

Não foi por acaso que Francisco tenha lançado a “Laudato Si’” em 2015, pouco antes da COP21, a cúpula do clima da ONU, em Paris. Anos depois, em outubro de 2023, publicou a exortação “Laudate Deum”, às vésperas da COP28, realizada em Dubai.

Muito provavelmente as decisões nesses encontros globais foram impactadas por sua atuação. Na “Laudate Deum”, Francisco expressou tanto esperança quanto frustração com os avanços das negociações internacionais até agora.

Ele criticou a fragilidade da política internacional, mas reconheceu a COP21 como um “marco importante”, justamente por ter envolvido a maioria dos países.

Depois da COP21, o papa apontou que a maioria dos governos falhou em cumprir o Acordo de Paris, que propunha limitar o aumento da temperatura global a menos de 2 °C. Também chamou atenção para a falta de monitoramento e a inércia política que se seguiu. Ele usou sua influência para cobrar responsabilidade dos líderes globais.

Embora outros papas – como João Paulo II e Bento XVI – também tenham falado sobre a importância de proteger o meio ambiente, Francisco foi além: abriu espaço para o diálogo com movimentos sociais.

2. AO DEFENDER OS POVOS INDÍGENAS

A COP28 marcou a primeira vez em que cerca de 200 países concordaram em abandonar os combustíveis fósseis. A atuação do Papa Francisco pode ter ajudado, ainda que sutilmente, a direcionar esse avanço.

Sua ênfase em ouvir os povos indígenas ajudou a ampliar os espaços de escuta nesses encontros. Em comparação com edições anteriores, a COP28 deu mais visibilidade a essas vozes.

Apesar disso, muitos representantes indígenas saíram decepcionados com os resultados. A exortação “Querida Amazônia”, publicada em fevereiro de 2020, foi um marco importante nesse debate. O texto foi resultado do diálogo direto do papa com comunidades amazônicas e colocou a pauta indígena no centro das discussões da Igreja.

Papa Francisco com os povos da Amazônia
Papa Francisco com os povos da Amazônia (Crédito: Vatican News)

Essas contribuições influenciaram também a encíclica “Fratelli Tutti” (Todos irmãos e irmãs), lançada em 3 de outubro de 2020, que reforça a importância da fraternidade e da solidariedade global.

Para muitas pessoas que vivem em países em desenvolvimento, onde as indústrias extrativas, como petróleo e gás ou mineração, são abundantes, a destruição de terras significa uma ameaça direta à vida. Francisco sempre se colocou ao lado dos defensores do meio ambiente – muitos deles impulsionados por uma fé profunda.

Um exemplo comovente é o do padre indígena Marcelo Pérez, assassinado por traficantes no México no dia 23 outubro de 2023, logo após celebrar uma missa. Ele morreu por defender os direitos de seu povo e de sua terra.

Só em 2023, 196 defensores ambientais foram mortos no mundo. Ainda assim, Francisco manteve firme sua missão de dar voz aos mais marginalizados e lutar por justiça ambiental.

3. AO INSPIRAR O ATIVISMO CLIMÁTICO

Como parte de uma pesquisa multidisciplinar sobre religião, teologia e mudanças climáticas, conduzida pela Universidade de Manchester, entrevistei ativistas religiosos de diferentes tradições cristãs no Reino Unido.

Em uma das etapas, perguntamos a mais de 300 ativistas de seis grupos distintos quem mais os havia motivado a se engajar na luta climática. O resultado surpreendeu: 61% citaram o Papa Francisco como uma das maiores influências.

A “Laudato Si’” também deu origem a um movimento internacional de mesmo nome, que conecta e organiza ações climáticas em diversos países. Hoje, o movimento reúne 900 organizações católicas e conta com cerca de 10 mil “animadores Laudato Si’” – líderes ambientais que atuam em suas comunidades.

Ninguém sabe quem será o próximo papa. Mas, diante do cenário político turbulento e da falta de compromisso com a emergência climática, só nos resta torcer para que o sucessor de Francisco continue seu legado, promovendo transformações tanto na base quanto nas esferas mais altas do poder.

Este artigo foi republicado do “The Conversation” sob licença Creative Commons. Leia o artigo original.


SOBRE A AUTORA

Celia Deane-Drummond é professora de teologia e diretora do Instituto de Pesquisa Laudato Si’ na Universidade de Oxford. saiba mais