Como os incêndios florestais criam seu próprio clima
Dados de satélite mostram que as tempestades produzidas por incêndios são muito mais comuns do que se imaginava
Grandes incêndios florestais, redemoinhos de fogo, tempestades gigantescas: quando as queimadas são muito extensas e quentes, elas acabam, de fato, criando seu próprio clima.
Nessas situações extremas de incêndio, os métodos comuns dos bombeiros para controlar diretamente o fogo não funcionam e os incêndios florestais ficam fora de controle. Mas como um incêndio pode criar todo um clima?
Como cientista atmosférico, uso dados coletados por satélites em modelos de previsão do tempo para antecipar fenômenos climáticos relacionados a incêndios extremos. Os dados de satélite mostram que as tempestades produzidas por incêndios são muito mais comuns do que se imaginava alguns anos atrás. Entenda o que está acontecendo.
INCÊNDIOS FLORESTAIS E CLIMA
Imagine uma paisagem selvagem com gramíneas secas, arbustos e árvores. Uma faísca cai – talvez de um raio, ou de um galho de árvore atingindo uma linha elétrica. Se o tempo estiver quente, seco e com muito vento, essa faísca pode provocar rapidamente um incêndio florestal.
Quando a vegetação queima, grandes quantidades de calor são liberadas. Isso aquece o ar próximo ao solo e esse ar sobe como um balão de ar quente, já que o ar quente é menos denso que o ar frio. O ar mais frio então se precipita para preencher o vazio deixado pelo ar que sobe. É assim que os incêndios florestais criam seus próprios padrões de vento.
O que acontece em seguida depende da estabilidade da atmosfera. Se a temperatura esfriar rapidamente com a elevação acima do solo, o ar que sobe será sempre mais quente do que o ambiente e continuará subindo.
Se subir o suficiente, a umidade vai se condensar, formando uma nuvem conhecida como pyrocumulus. Se o ar continuar subindo, em algum momento a umidade condensada vai congelar.
Quando uma nuvem tem partículas de água líquida e congelada, os choques entre essas partículas podem levar à separação de cargas elétricas. Se o acúmulo de carga for grande o suficiente, ocorrerá uma descarga elétrica – mais conhecida como raio – para neutralizar as cargas.
O processo de transformação de uma nuvem causada por fogo em uma tempestade depende de três ingredientes principais: uma fonte de elevação, instabilidade e umidade.
RELÂMPAGO SECO
Os ambientes de incêndios florestais normalmente têm pouca umidade. Quando as condições na atmosfera inferior estão secas, isso pode gerar um fenômeno conhecido como relâmpago seco.
Isso ocorre quando uma tempestade produz um raio, mas a água que cai evapora antes de chegar ao solo. Isso significa que não há chuva para ajudar a apagar incêndios provocados por raios.
À medida que o ar sobe na atmosfera, ele pode encontrar diferentes velocidades e direções de vento. Isso pode fazer com que ele gire e o ar em ascensão pode inclinar o giro para a vertical, parecendo um tornado.
Esses redemoinhos de fogo podem ter ventos fortes que espalham cinzas flamejantes, provocando novas áreas de incêndio. Eles não são tornados de verdade, porque não estão associados a tempestades rotativas.
Eventualmente, a tempestade desencadeada pelo incêndio florestal vai começar a morrer, e o que subiu volta a descer. A corrente de ar descendente da tempestade em decomposição pode produzir ventos erráticos no solo, espalhando ainda mais o fogo em direções que podem ser difíceis de prever.
Quando os incêndios criam seu próprio clima, seu comportamento pode se tornar ainda mais imprevisível e errático, o que apenas amplia a ameaça para os bombeiros que estão combatendo o fogo. Antecipar as mudanças no comportamento do fogo é importante para a segurança de todos.
MUDANÇA CLIMÁTICA E AUMENTO DOS RISCOS DE INCÊNDIO
As ondas de calor e o risco de seca têm aumentado, com a elevação das temperaturas globais deixando com mais frequência paisagens secas e florestas propícias a incêndios. Os experimentos com modelos climáticos indicam que as mudanças climáticas causadas pelos seres humanos continuarão a ampliar esse risco.
Como mais pessoas estão se mudando para áreas com risco de incêndio nesse clima de aquecimento, o risco de início de incêndios também está aumentando. Com o fogo, surgem perigos em efeito dominó, que persistem por muito tempo depois que ele é apagado.
É o caso das paisagens com cicatrizes de queimadas, que são muito mais suscetíveis a deslizamentos de terra e fluxos de detritos, que podem afetar a qualidade da água e os ecossistemas.
É importante lembrar que o fogo é uma parte natural do sistema terrestre. Como escreve o cientista de incêndios Stephen J. Pyne, nós, como seres humanos, vamos ter que reformular nossa relação com o fogo para que possamos aprender a viver com ele.
Este artigo foi republicado do "The Conversation" sob licença Creative Commons. Leia o artigo original.