Conceito de “cidade de 15 minutos” vira alvo de teoria da conspiração
Não, ela não faz parte de uma grande agenda socialista
Teorias da conspiração não são uma novidade. Todos já ouvimos alguma, sejam elas inofensivas, como o homem nunca ter de fato pisado na Lua, ou absurdas, como a ideia da Terra plana.
No entanto, em uma reviravolta surpreendente, uma das teorias da conspiração mais faladas de 2023 é sobre algo improvável: planejamento urbano.
Ela tem a ver com a noção de “cidade de 15 minutos” e chegou a ser mencionada no parlamento do Reino Unido por um deputado que chamou a ideia de “um conceito socialista internacional” que “custará a nossa liberdade pessoal”.
Como acadêmicos de planejamento urbano que publicam pesquisas sobre o tema, sabemos que a acusação é absurda. Mas o que realmente seria uma cidade de 15 minutos? E por que tanto alvoroço em torno dela?
O conceito é simples: se você mora em uma, tudo o que precisa para o seu dia a dia – escola, médicos, lojas, etc. – está localizado a não mais de 15 minutos a pé de sua casa.
PROJETADAS PARA PESSOAS, NÃO PARA CARROS
O conceito, criado pelo urbanista franco-colombiano Carlos Moreno, é o zeitgeist atual do planejamento urbano e propõe um design de cidade centrado nas pessoas e em suas necessidades, em vez de carros.
A ideia ganhou atenção internacional quando a prefeita de Paris, Anne Hidalgo, anunciou sua intenção de tornar a capital francesa uma cidade de 15 minutos após sua reeleição, em 2020, com um plano de melhoria de bairros que garante conexões entre eles.
A proposta surgiu durante a pandemia, quando o lockdown e o home office fizeram com que muitos abandonassem o carro e reconhecessem a necessidade de bairros bem servidos.
No entanto, esta mudança de mentalidade é provavelmente a razão pela qual as cidades de 15 minutos agora são tema de teorias da conspiração.
A principal acusação é que elas seriam uma tentativa “socialista” ou mesmo “stalinista” de controlar a população e impedir que os cidadãos se afastem mais de 15 minutos de suas casas.
Obviamente, o objetivo nunca envolveu excluir as pessoas ou impedi-las de sair. Em vez disso, a ideia é oferecer bairros de alta qualidade para que não seja preciso se deslocar por grandes distâncias para ter acesso a um serviço. Isso certamente não significa que os residentes ficarão presos à região onde moram.
É claro que, por outro lado, as cidades de 15 minutos aumentam o tempo das viagens de carro entre os bairros, já que sua estrutura urbana e estradas são pensadas com foco em uma distribuição mais igualitária do espaço, priorizando um deslocamento mais ativo.
Por isso, outras formas de locomoção (a pé, cadeira de rodas, bicicleta, ônibus ou trem) podem fazer mais sentido na maioria dos casos, com o carro sendo usado apenas quando necessário.
É bastante fácil ver como a ideia do urbanista Carlos Moreno está sendo desvirtuada. Também é igualmente simples traçar um paralelo entre esse tipo de desinformação e teorias da conspiração e o papel do governo.
Para muitos, o ato de encorajar as pessoas a usar menos carros é uma forma de limitar a liberdade, em vez de uma oportunidade de viver em bairros mais vibrantes e menos poluídos.
O problema é que, como tantas outras teorias da conspiração, esta também não encontra respaldo na realidade. Em muitas cidades britânicas, por exemplo, a ideia de ter a maioria dos serviços a 15 minutos de distância da sua casa já está mais perto do que se imagina – o que mais importa é a qualidade e o acesso a esses serviços.
A MAIORIA QUER COISAS PRÓXIMAS
Além do mais, é uma ideia bastante popular. Organizações como a Sustrans não apenas mostram que mais de dois terços das pessoas são favoráveis a esse tipo de intervenção, como também a endossam nas urnas.
Vimos um exemplo neste sentido no Reino Unido, quando alguns candidatos tentaram transformar as eleições do conselho local em um referendo contra intervenções que visam o deslocamento ativo e não conseguiram adesão à pauta.
Depois de décadas de uma cultura dominada por carros, estamos diante de uma “mudança de marcha”, na qual as experiências dos pedestres e ciclistas são cada vez mais importantes no planejamento da cidade.
Ainda há um longo caminho a ser percorrido para tornar nossas ruas e bairros lugares para todos. Os movimentos alimentados pelas teorias da conspiração podem retardar essas transições e fomentar medos infundados.
Embora a cidade de 15 minutos não tenha nada a ver com a criação de guetos onde as pessoas serão trancadas, notícias falsas como esta circulam ampla e rapidamente. É fundamental que os formuladores de políticas públicas transmitam mensagens claras sobre o que está em jogo.