Concorrentes se unem em iniciativa para promover a reciclagem de tênis usados

Empresas como Brooks e New Balance estão se juntando para criar a tecnologia de reciclagem de calçados do futuro

reciclagem de tênis usados
Créditos: Harvepino/ Getty Images/ Adrian Regeci/ Kostiantyn Li/ Unsplash

Elizabeth Segran 4 minutos de leitura

Todos os anos, a indústria de calçados – que movimenta cerca de US$ 463 bilhões – produz 20 bilhões de pares de sapatos para uma população de oito bilhões de pessoas. Como quase nenhum desses calçados é reciclável, a maioria acaba em aterros sanitários pelo mundo afora.

Há décadas, o setor da moda tenta criar produtos que possam ser reciclados. Mas, no caso dos calçados, o desafio é bem maior do que com roupas. Um único par de tênis pode ter até 50 materiais diferentes – de palmilhas de espuma a cabedais de couro –, todos colados com substâncias adesivas difíceis de dissolver.

Mas uma solução pode estar a caminho. Um grupo de especialistas em sustentabilidade quer tornar a reciclagem de calçados tão comum quanto a de papel ou alumínio. A proposta? Uma colaboração inédita entre as maiores concorrentes do setor.

Yuly Fuentes-Medel, especialista em sustentabilidade da moda que atua no Climate Project, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos EUA, acaba de lançar a The Footwear Collective, uma organização sem fins lucrativos criada para desenvolver soluções circulares para a indústria de calçados. Ela já reuniu 11 grandes marcas – entre elas Brooks, On, New Balance e Steve Madden – e quer atrair ainda mais participantes.

“A indústria de calçados é extremamente competitiva e essas empresas são rivais diretas”, observa Fuentes-Medel. “Mas, ao dividir custos, dados e infraestrutura, elas podem alcançar metas que, sozinhas, não conseguiriam.”

No setor de vestuário, empresas como a Circ já desenvolveram tecnologias capazes de reciclar misturas de poliéster e algodão – o material mais comum da indústria têxtil – e estão abrindo fábricas em diversos países. Mas, na indústria de calçados, ainda não existe uma solução parecida.

Percebendo isso, Fuentes-Medel organizou, em 2023, uma conferência sobre circularidade de calçados no MIT – e ficou surpresa com o interesse: especialistas em sustentabilidade de 45 marcas participaram do encontro.

balcão para retorno de tênis que vão  para reciclagem
Crédito: The Footwear Collective

Durante as discussões, ela elaborou o “Manifesto do Calçado”, um documento que detalha os principais desafios da circularidade e os caminhos para superá-los – desde a criação de mercados para materiais reciclados até estratégias para coletar calçados usados. Mas uma coisa ficou clara: nada disso será possível sem colaboração entre as marcas.

Depois do evento, várias empresas quiseram dar continuidade ao trabalho. Foi assim que nasceu a The Footwear Collective, com oito marcas fundadoras que ajudam a financiar o projeto.

As equipes de sustentabilidade dessas empresas se reúnem semanalmente – entre si e com outras companhias – para desenvolver soluções em sete frentes principais, que incluem agregar valor ao descarte, projetar produtos pensando na circularidade e incentivar mudanças no comportamento dos consumidores.

O DESAFIO DA ESCALA

Muitas marcas de calçados têm buscado formas de se tornar mais sustentáveis. Mas, quando trabalham sozinhas, enfrentam barreiras difíceis de superar. “A reciclagem só funciona em larga escala”, afirma David Kemp, diretor de responsabilidade corporativa da Brooks.

Para começar, é preciso investir em uma tecnologia capaz de desmontar os sapatos automaticamente e separar seus componentes. “As empresas de calçados têm equipes inteiras de engenheiros focadas em projetar e desenvolver produtos”, explica Fuentes-Medel. “Não dá para compará-las à indústria do vestuário – elas precisam atender a padrões técnicos muito mais exigentes.”

Outro desafio é coletar grandes quantidades de calçados usados. Algumas marcas, como a própria Brooks, incentivam os clientes a devolverem seus pares antigos quando chegam ao fim da vida útil, mas a adesão ainda é baixa.

gráfico do ciclo de produção e descarte de calçados
Crédito: The Footwear Collective

Mais uma vez, Fuentes-Medel acredita que a solução está na coleta conjunta de calçados de diferentes marcas. E a parceira ideal já existe: a Goodwill. O grupo está colaborando com a divisão californiana da organização, já que o estado possui leis que obrigam as empresas a financiar e administrar a coleta, a reciclagem e a reutilização de seus produtos.

Com o novo projeto, consumidores podem entregar seus calçados usados de qualquer marca nas unidades participantes da Goodwill na Califórnia. Os pares que não puderem ser revendidos serão enviados a três centros de reciclagem, onde serão triturados.

Todo ano, a indústria de calçados produz 20 bilhões de pares de sapatos para uma população de 8 bilhões de pessoas.

O material triturado é então separado por peso e densidade, o que permite classificá-lo por tipo. A partir daí, os centros de reciclagem identificam o que pode ser reaproveitado e vendido.

Esse é apenas um dos muitos projetos em andamento na The Footwear Collective. Outros grupos estão focados em repensar o design dos calçados, tornando-os mais fáceis de desmontar – sem abrir mão do desempenho.

Para Fuentes-Medel, a coleta de dados é crucial em todos esses projetos-piloto e testes iniciais. Com base em seus anos de imersão na abordagem quantitativa da sustentabilidade do MIT, ela acredita que é importante rastrear exatamente o que acontece para que possam mensurar o impacto. "Se não basearmos nossa estratégia em dados, será apenas mais uma iniciativa de greenwashing que ganha destaque na mídia, mas não muda nada", afirma.

tênis usados para reciclagem
Crédito: The Footwear Collective

Mas, em última análise, Fuentes-Medel está otimista de que esse pequeno, porém comprometido coletivo esteja construindo um movimento. Assim, à medida que a TFC continua a crescer e a se comunicar com os consumidores, busca tornar a circularidade empolgante e tangível, por meio de boas histórias.

"Movimentos são construídos sobre a alegria", diz ela. "A ação coletiva depende de todos se sentirem motivados a fazer sua parte, seja doando um par de sapatos ou contando para um amigo."


SOBRE A AUTORA

Elizabeth Segran, Ph.D., é colunista na Fast Company. Ela mora em Cambridge, Massachusetts. saiba mais