Consequências indesejadas: efeitos do veneno para ratos na cadeia alimentar

O uso de raticidas está aumentando e já está contribuindo para o declínio de muitas espécies de animais selvagens pelo mundo

Créditos: Ratchat/ Liene Helmig/ iStock

Meghan P. Keating 4 minutos de leitura

Os ratos proliferam próximos aos seres humanos, e há um bom motivo para isso: eles se alimentam de plantas, de outros bichos e de lixo, podendo se adaptar facilmente a vários ambientes, desde fazendas até as maiores cidades do mundo. Para controlá-los, as pessoas geralmente recorrem a venenos. Mas os produtos químicos que matam os ratos também podem prejudicar outros animais.

Os venenos mais frequentemente usados são chamados de raticidas anticoagulantes. Eles funcionam atrapalhando a coagulação do sangue dos animais que os consomem. Essas iscas com sabor atraente são colocadas do lado de fora dos prédios, em pequenas caixas pretas nas quais apenas ratos e camundongos conseguem entrar. Só que esse veneno permanece no corpo dos roedores, o que ameaça os animais maiores que os atacam.

Meus colegas e eu recentemente analisamos estudos de todo o mundo que tentaram documentar a exposição de mamíferos carnívoros selvagens a raticidas anticoagulantes. Muitos animais testados nesses estudos já estavam mortos; outros estavam vivos e faziam parte de outros estudos.

Os pesquisadores detectaram raticidas em cerca de um terço dos animais nessas análises, incluindo linces, raposas e doninhas. Eles associaram diretamente os venenos às mortes de um terço dos animais mortos – normalmente, encontrando os produtos químicos nos tecidos do fígado dos animais.

A maioria dos venenos detectados nesses estudos foram os chamados raticidas anticoagulantes de segunda geração, desenvolvidos a partir de 1970. Esses produtos são usados exclusivamente em áreas residenciais e urbanas e podem matar um rato ou camundongo apenas uma noite depois do consumo. Já os raticidas de primeira geração, que normalmente são usados apenas em fazendas, exigem várias doses para matar.

Esses venenos estão amplamente disponíveis, e seu uso não é regulamentado na maioria dos países. Estima-se que o uso de raticidas deve aumentar no futuro e que ele já pode estar contribuindo para o declínio de muitas espécies de carnívoros em todo o mundo.

SUBINDO PELAS CADEIAS ALIMENTARES

Quando os animais selvagens consomem veneno de rato – comendo um rato envenenado –, os efeitos podem incluir sangramento interno e lesões, letargia e uma resposta imunológica reduzida, o que pode torná-los mais suscetíveis a outras doenças. Em muitos casos, o animal morre. Às vezes, essas mortes ocorrem em escala grande o suficiente para reduzir as populações de predadores locais.

O veneno permanece no corpo dos roedores, o que ameaça os animais maiores que os atacam.

Iniciamos nossa análise compilando uma lista de 34 espécies conhecidas por estarem expostas a venenos para ratos. Elas incluíam membros das famílias das doninhas e dos cães, além de gatos selvagens e outros carnívoros.

Alguns desses predadores não costumam caçar roedores. Os raticidas foram detectados até mesmo em predadores semiaquáticos, como as lontras de rio, que normalmente comem crustáceos e peixes. É provável que grandes carnívoros, como os lobos, estejam consumindo veneno de rato ao comer outros carnívoros envenenados, como guaxinins e linces.

CARNÍVOROS EM RISCO

Encontramos dezenas de estudos anteriores que tentaram quantificar o risco de exposição, geralmente examinando os habitats dos animais. Alguns estudos constataram um risco elevado de consumo de veneno de rato em áreas urbanas e agrícolas, mas muitos também constataram uma alta correlação com espaços naturais.

Por exemplo, um estudo de 2012 encontrou raticidas em martas e martas-pescadoras que passaram algum tempo perto de locais de cultivo ilegal de cannabis no condado de Humboldt, Califórnia, onde os produtores estavam protegendo seus campos com veneno para ratos.

Outros possíveis fatores que contribuíram para a exposição foram o sexo e a idade do animal. Em suma, é preciso estudar mais para entender quais animais estão em risco.

Lince branco (Crédito: John Morrison/ iStock)

A maioria das pesquisas sobre esse tema está sendo realizada na América do Norte e na Europa. Apenas alguns estudos até o momento se concentraram na África do Sul, Nova Zelândia ou Austrália, embora mais da metade de todas as espécies de carnívoros de interesse global sejam encontradas na Ásia, África ou América do Sul.

Na África, por exemplo, os venenos anticoagulantes para ratos podem ameaçar espécies como o gato de patas pretas, que é classificado como vulnerável.

Os raticidas foram detectados até em predadores semiaquáticos, como as lontras.

Esses venenos também são amplamente utilizados na Ásia, principalmente em plantações de óleo de palma. Muitas espécies selvagens vivem nesse tipo de área agrícola florestada, inclusive carnívoros que caçam roedores, como civetas comuns de palmeiras e gatos-leopardo.

Nosso estudo constatou que 19% das espécies de carnívoros da  Lista Vermelha de espécies ameaçadas da União Internacional para a Conservação da Natureza têm áreas de distribuição que se sobrepõem total ou parcialmente a países onde a exposição a veneno de rato foi documentada em animais selvagens. 

    No entanto, apenas 2% das espécies da Lista Vermelha listam os raticidas como uma ameaça reconhecida, e nenhuma está incluída nos 19% que nossa análise indica que podem estar ameaçados pela exposição a veneno de rato.  

    Isso sugere que os pesquisadores e protetores da vida selvagem não estão totalmente cientes do alcance desses venenos. Os ratos danificam propriedades, contaminam alimentos e espalham doenças. Por isso, controlá-los é também uma questão de saúde humana.

    Este artigo foi republicado do "The Conversation" sob licença Creative Commons. Leia o  artigo original.


    SOBRE A AUTORA

    Meghan P. Keating é candidata ao doutorado em biologia da vida selvagem na Universidade Clemson. saiba mais