Consumo de vinho branco ganha um impulso improvável: o aquecimento global

O aumento das temperaturas está tornando a cultura de uvas tintas menos previsível. Por isso, os produtores estão se voltando para as brancas

Crédito: Planet Volumes/ Unsplash

Shana Clarke 4 minutos de leitura

A propriedade Gaja, em Piemonte, na Itália, é uma produtora famoso de vinhos tintos. As garrafas de Barolo e Barbaresco podem facilmente atingir preços de três dígitos. Mas vários novos projetos mostram um foco não na uva Nebbiolo, pela qual eles são conhecidos, mas em vinhos brancos.

A família Gaja não é a única que está direcionando sua atenção para as uvas brancas. De acordo com um estudo da Organização Internacional do Vinho e da Vinha publicado no final do ano passado, o vinho branco é agora o mais popular do mundo, tanto em termos de produção quanto de consumo.

O que está impulsionando essa mudança? Parte disso é uma tendência mais ampla de vinhos com menor teor alcoólico. Mas um fator importante é a mudança climática. O clima quente e imprevisível faz com que os produtores de vinho busquem soluções para os desafios climáticos – e a resposta, cada vez mais, é o vinho branco.

As uvas tintas são particularmente suscetíveis às altas temperaturas e ao excesso de maturação. Assim como usar uma camiseta escura em um dia quente, as uvas de casca vermelha absorvem mais calor do sol. “Quando está 35ºC lá fora, o suco dentro das bagas pode chegar a 50ºC”, diz Giovanni Gaja, da quinta geração da família de vinicultores.

Com as uvas tintas, há os elementos adicionais da maturação da casca e da semente. Para fazer um vinho tinto, o suco precisa ser macerado com as cascas para extrair a cor e os taninos. Harmonizar todos esses elementos é um equilíbrio complicado em um clima imprevisível.

“Com as uvas tintas, em um mundo de mudanças climáticas, você tem a pressão de amadurecer as cascas [e sementes] para determinar e criar o perfil de sabor e aroma do DNA do vinho”, explica Dan Petroski, enólogo da Massican.

Quando as temperaturas aumentam durante a estação de crescimento, isso pode fazer com que os açúcares aumentem e os níveis de acidez diminuam antes que as uvas atinjam a maturidade total.

Dan Petroski, da Massican (Crédito: Bob McClenahan/ Divulgação)

Esse desequilíbrio é altamente problemático para os produtores de vinho. Os vinhos brancos não levantam as mesmas preocupações, pois o suco é prensado imediatamente e não precisa de tempo nas cascas.

Rafael De Haan, coproprietário da Herència Altés, na região espanhola da Catalunha, diz que, no passado, eles se esforçavam para obter uma divisão meio a meio entre brancos e tintos nos vinhedos, mas planejam mudar “o mais rápido possível” para uma composição 70/30.

SOLUÇÕES CRIATIVAS

Seja na criação de um novo vinhedo ou no replantio de um já existente, o cultivo de uvas é um processo lento. São necessários pelo menos três anos para que as videiras comecem a produzir frutos viáveis (e muitos produtores preferem esperar ainda mais para que as uvas desenvolvam mais complexidade).

Se levarmos em conta o processo de meses (no mínimo) para realmente produzir o vinho, levará algum tempo até que esses novos vinhos brancos cheguem ao mercado.

Cave da Clau de Nell (Crédito; Divulgação)

Sylvain Potin, enólogo da Clau de Nell na região francesa do Loire, cultiva biodinamicamente mais de 11 acres da variedade branca Chenin Blanc e 18,5 acres de três variedades tintas. Ele também está pensando em métodos criativos para produzir mais vinho branco, mas sem a necessidade de replantar.

Em 2020, ele produziu a primeira safra do que é conhecido como “Blanc de Noir” de Cabernet Franc, no qual vinho tinto é feito como um vinho branco. O suco é prensado e separado imediatamente do restante da polpa e das cascas, de modo que nenhuma cor é transmitida.

Sylvain Potin, da Clau de Nell (Crédito; Divulgação)

“A mudança climática [impulsionou] a decisão de fazer um Blanc de Noir”, diz Potin. Ele descobriu que as temperaturas mais quentes estavam fazendo com que os níveis de álcool ficassem muito altos na fruta em amadurecimento. “O Blanc de Noir é uma maneira de fazer um vinho fresco a partir da Cabernet Franc.”

A BUSCA POR FRESCOR

“Frescor” é uma palavra que aparece com frequência quando se fala de atributos desejáveis no vinho hoje em dia. Não há uma definição padrão, mas ela é frequentemente usada para descrever vinhos com alta acidez e níveis mais baixos de álcool. Devido às temperaturas cada vez mais altas, é um estilo que está ficando cada vez mais em voga.

“O aquecimento global é um fator que eu diria ter se tornado uma constante pelo menos nos últimos cinco anos em todo o mundo”, diz Julio Alonso, diretor executivo da Wines of Chile para a América do Norte. “Como resultado, os consumidores estão se voltando para vinhos mais frescos e preferindo os brancos.”

Vinícola Gaja, na Catalunha (Crédito: Divulgação)

De acordo com Alonso, essa tendência afeta toda a cadeia de suprimentos e está mudando a composição geral de países como o Chile. Lá, as plantações da variedade Sauvignon Blanc mais que dobraram entre 2002 e 2022 – o maior aumento de plantio de qualquer uva, vermelha ou branca, no país.

As temperaturas mais quentes também estão levando os produtores de vinho a procurar novos locais em áreas de vales mais frios próximos ao mar, que são ideais para o cultivo de vinhos brancos.

É difícil dizer como será o mundo do vinho daqui a 20, 40 ou 60 anos. Mas, por enquanto, os brancos parecem estar liderando o movimento. “Houve um claro crescimento na demanda por nossos vinhos brancos, acompanhado apenas pelo declínio na demanda por nossos tintos mais potentes”, diz De Haan.


SOBRE A AUTORA

Shana Clarke é jornalista e produtora de conteúdo especializada em vinhos. saiba mais