Crise global de plástico entra na agenda da ONU (pela 6ª vez)
Países não conseguiram chegar a um consenso para a criação de um tratado em negociações anteriores

Líderes de diversos países se reuniram nesta terça-feira para tentar criar um tratado histórico com o objetivo de combater a crise da poluição plástica – um problema que afeta todos os ecossistemas e pessoas ao redor do mundo.
Esta é a sexta rodada de negociações – e a expectativa é de que seja a última. O principal ponto de divergência continua sendo a redução da produção de plástico. Países produtores de petróleo se opõem à ideia – afinal, a maioria dos plásticos é feita a partir de combustíveis fósseis. Para esses países, o redesenho de produtos, a reciclagem e a reutilização já seriam medidas suficientes. Outros países, e até grandes empresas, discordam: para eles, isso não resolve o problema na origem.
Luis Vayas Valdivieso, presidente do comitê responsável por elaborar um acordo juridicamente vinculante para enfrentar a poluição plástica, afirmou: “sabemos que ninguém quer viver em um mundo tomado por plástico. Ainda assim, seguimos sem uma solução eficaz e sistemática para dar fim a isso.”
UMA CHANCE DE ACABAR COM A POLUIÇÃO PLÁSTICA
Valdivieso acredita que o encontro de 10 dias em Genebra pode ser decisivo. “Pela primeira vez, estamos perto de desenvolver um instrumento internacional juridicamente para acabar com a poluição plástica”, disse o também embaixador do Equador no Reino Unido.
“Estamos diante de uma crise global. O plástico está destruindo ecossistemas, contaminando rios e oceanos, ameaçando a biodiversidade, afetando a saúde humana e prejudicando, principalmente, os mais vulneráveis. A urgência é real.”
Angelique Pouponneau, negociadora-chefe em assuntos oceânicos representando 39 pequenos Estados insulares e países costeiros em desenvolvimento, afirma que apenas um tratado pode gerar a ação global que o mundo precisa. Nas Seychelles, onde vive, o plástico contamina os peixes que fazem parte da dieta da população, se acumula nas praias e sufoca o oceano – ameaçando o turismo e o modo de vida local.
“É a última chance que temos de resolver isso – e de fazer da forma certa”, diz ela. “Seria trágico não cumprirmos esse mandato.”
Inger Andersen, diretora-executiva do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, reconhece que o tema é complexo, mas alerta que a crise está “fora de controle” e que o tempo para alcançar um tratado está se esgotando. Segundo ela, muitos países já concordam em pontos como o redesenho de produtos plásticos e melhorias na gestão de resíduos.
“Precisamos de uma solução. Todos querem isso. Nunca conheci alguém que fosse a favor da poluição plástica”, diz Andersen.
Estima-se que, por ano, entre 19 e 23 milhões de toneladas de plástico vão parar nos ecossistemas aquáticos. Sem medidas urgentes, esse número pode aumentar em 50% até 2040, segundo a ONU.

PRODUÇÃO DE PLÁSTICO É O PRINCIPAL PONTO DE DISCORDÂNCIA
Em março de 2022, 175 países concordaram em criar o primeiro tratado para combater a poluição plástica até o final de 2024 – abordando todo o ciclo de vida do plástico: da produção ao descarte.
As negociações realizadas no ano passado, na Coreia do Sul, deveriam ter sido a rodada final. Mas foram encerradas sem consenso. Hoje, o mundo produz mais de 400 milhões de toneladas de plástico por ano – e esse volume pode crescer até 70% até 2040, se nada mudar.
Hoje, o mundo produz mais de 400 milhões de toneladas de plástico por ano
Cerca de 100 países defendem medidas para limitar a produção, além de melhorar a reciclagem e investir em ações de limpeza. Muitos também querem que o tratado aborde a questão dos produtos químicos tóxicos.
O Panamá liderou, na Coreia do Sul, os esforços para incluir metas de redução da produção no texto do tratado. A negociadora Debbra Cisneros disse que o país continuará pressionando por isso em Genebra, pois acredita que é preciso atacar o problema na origem.
“Se abrirmos mão disso agora, corremos o risco de aprovar um acordo que seja politicamente conveniente, mas ambientalmente ineficaz”, alerta Cisneros.
Cerca de 300 empresas – entre elas Walmart, Coca-Cola, PepsiCo e L’Oréal – integram a Business Coalition for a Global Plastics Treaty e apoiam a redução da produção de plástico, além de medidas para ampliar a reciclagem e a reutilização. Atuando em setores como alimentação, bebidas e varejo, essas empresas defendem regras claras e globais, que evitem exigências diferentes em cada país.
Por outro lado, países produtores de plástico e combustíveis fósseis, como a Arábia Saudita – maior exportadora mundial de um tipo comum de plástico –, se opõem a limites na produção. Para eles, o problema está no descarte inadequado, não na produção em si.
POSIÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS
Os Estados Unidos não apoiam limitar a produção nem proibir determinados tipos de plásticos ou aditivos químicos.
Em nota à “Associated Press”, o Departamento de Estado informou que defende melhorias na coleta e gestão de resíduos, redesenho de produtos e ações que incentivem a reciclagem, a reutilização e a redução da poluição plástica.
“Para que as negociações avancem, o tratado precisa proteger o meio ambiente da poluição plástica, mas também reconhecer a importância do plástico para nossas economias”, disse o Departamento.
Essa posição é semelhante à da indústria, que argumenta que limitar a produção pode aumentar os custos e que a regulação de aditivos químicos deveria ser feita em outras instâncias.
Segundo a Associação da Indústria de Plásticos, China, Estados Unidos e Alemanha lideram o comércio global, tanto em exportações quanto em importações.
O GRAU DE AMBIÇÃO DOS NEGOCIADORES
Para que uma proposta entre no texto final do tratado, é preciso consenso entre todos os países. Algumas nações propõem alterar essa regra e permitir votações em caso de impasse. Índia, Arábia Saudita, Irã, Kuwait e outros são contra, alegando que o consenso garante legitimidade ao processo.
Uma das soluções discutidas seria tornar algumas cláusulas opcionais. Para Bjorn Beeler, coordenador da Rede Internacional para Eliminação de Poluentes, isso enfraqueceria o tratado e reduziria sua eficácia. Já Cisneros acredita que, se bem estruturada, essa pode ser uma alternativa viável para garantir avanços.
Tracey Campbell, vice-presidente da LyondellBasell e integrante do comitê executivo do Conselho Mundial de Plásticos, sugere que os negociadores comecem por pontos mais básicos – como metas de material reciclado, redesign de produtos e financiamento de tecnologias de coleta e reciclagem – e avancem a partir daí.
Greenpeace defende uma redução de pelo menos 75% na produção global de plásticos
O Greenpeace também está em Genebra, defendendo uma redução de pelo menos 75% na produção global de plásticos até 2040. “Não vamos sair dessa crise só com reciclagem”, afirma Graham Forbes, que lidera a delegação da organização.
UMA MESA COM MILHARES DE PARTICIPANTES
Participam das negociações representantes da maioria dos países, da indústria do plástico, de grandes empresas, ambientalistas, cientistas, líderes indígenas e comunidades afetadas. Cerca de 80 ministros estão presentes nesta que será a rodada mais longa até agora – com término previsto para 14 de agosto.
Frankie Orona, diretor-executivo da organização indígena Society of Native Nations, com sede no Texas, participou de todas as rodadas. Ele afirma que os territórios indígenas estão sendo contaminados pela extração de combustíveis fósseis e pela fabricação de plásticos com produtos químicos perigosos.
“Sentimos que precisamos estar aqui para que todos vejam quem realmente está sendo afetado por essa crise”, afirmou.