Da Bahia para o futuro: edtech quer ensinar programação para todos
José Messias Júnior é engenheiro elétrico, campeão de robótica, professor e fundador da Cubos Academy
Apoiar a transformação do mercado de tecnologia a partir do ensino é a proposta da edtech Cubos Academy, situada em Salvador. Com metodologias e formatos variados de pagamento, os cursos habilitam públicos diversos – de estudantes a entregadores de aplicativo – a participar da economia digital como protagonistas.
Entre os professores está o próprio CEO, José Messias Júnior. O jovem empreendedor acredita que o ensino da linguagem digital é um caminho não só para reduzir a desigualdade social do Brasil como também para garantir que trabalhadores não percam oportunidades no futuro.
“O mercado está mudando rápido, há empregos que vão sumir. Os que vão surgir são da área de tecnologia. No longo prazo, faz sentido que todos saibam sobre tecnologia”, argumenta.
Mais de 40 mil pessoas passaram pelas salas de aula (presenciais e virtuais) da edtech para aprender sobre temas como desenvolvimento de software, análise de dados, programação e design de experiência do usuário (UX).
O número surpreende, já que a startup iniciou as operações em 2020. No final do ano passado, a companhia recebeu aporte de R$ 23,2 milhões em uma rodada de investimento liderada pelas gestoras VOX Capital e G2A Investment Partners.
No começo de 2023, a companhia fechou um acordo com o iFood para dar cursos de desenvolvimento de software e de back-end para entregadores. Foram nada menos que 23 mil inscritos em quatro semanas. O objetivo é alavancar a carreira de entregadores desenvolvendo aplicativos e não apenas trabalhando para os apps.
A startup tem ainda outro foco: elevar a participação das regiões Norte e Nordeste no setor de inovação tecnológica. “Precisamos criar tecnologia e não só trabalhar em empresas que usam tecnologia”, diz Messias Júnior.
EDUCAÇÃO TRANSFORMADORA
Para o executivo, poucas áreas têm a capacidade de mudar a vida das pessoas tão rapidamente quanto a tecnologia, onde o requisito mais importante não é um diploma, mas a capacidade de pensamento lógico e de aprendizagem contínua. O retorno vem em forma de contratação – para cargos melhores e com salários mais altos.
Os empregos que vão surgir serão da área de tecnologia. No longo prazo, faz sentido que todos saibam sobre tecnologia
Na primeira turma de entregadores de plataformas de delivery, os dados impressionam: 87% dos participantes concluíram o programa e 90% conseguiram emprego formal na área antes mesmo de completar um ano de formados. A taxa de empregabilidade do curso de desenvolvimento de software, o principal da Cubos Academy, repete este número: 90%.
Para abranger todos os tipos de público, a edtech aposta em formatos que permitem o ensino de baixo custo para os alunos. Uma das formas de pagamento é o “sucesso compartilhado”: o aluno começa a pagar após o final do curso, quando sua renda individual for da ordem de R$ 2 mil. O valor pode ser quitado em até seis anos.
“O sonho da Cubos Academy é ser uma empresa que acompanha o profissional ao longo de toda a jornada na carreira”, diz seu criador.
A escola oferece bolsas de estudo para 10% das vagas – ao todo, já foram revertidos mais de R$ 100 mil em bolsas. Outra alternativa é ter o curso custeado pela empresa para a qual o aluno trabalha, como no caso dos colaboradores do iFood e do Nubank. As aulas on-demand ajudam aqueles que têm a rotina de trabalho mais intensa, como os entregadores.
Apesar de ter apenas 32 anos de idade, Messias Júnior já tem um extenso currículo como empreendedor, do qual constam uma venture builder (Cubos Tecnologias) e fintechs como a Zig. Todas fundadas com colegas e operando na capital baiana.
Estar em Salvador significou escutar alguns nãos e vários “vocês têm que ir para São Paulo” de gente do mercado. “Muitos falavam que não daríamos certo fora de São Paulo. O grupo já fundou sete ou oito empresas, já vendeu algumas e, bom, seguimos em Salvador”.
ENTRE ROBÔS, UNIVERSIDADE E EMPREENDEDORISMO
A história da Cubos Academy começou com robôs dos anos 2000. Quando tinha 13 anos, Messias Júnior participou de concursos de robótica e, antes de completar 18, já tinha conquistado o tricampeonato de competições nacionais e participado de disputas internacionais. Entusiasta da tecnologia, quis seguir carreira no setor.
Quando entrou na Universidade Federal da Bahia, para cursar engenharia da automação, veio a decepção. O contato com estudantes de outros países, estabelecido nas competições de robótica, criou uma expectativa sobre como seria o ambiente da faculdade – com laboratórios de ponta, experimentação tecnológica e aulas práticas atualizadas.
Muitas alunas desistiam porque eram as únicas da sala, assim, a edtech passou a garantir que metade da turma fosse de mulheres.
O que o jovem estudante encontrou deixou a desejar. “Foi a minha primeira frustração com educação. Entrei na universidade imaginando ver aquilo que via nas competições internacionais, mas não era bem assim. Não aprendi o que gostaria em tecnologia”, relembra.
Vindo de uma família de profissionais de ciências exatas – o pai é engenheiro e a mãe, professora de química (também formada em engenharia) – Messias Júnior seguiu na faculdade, mas passou a oferecer aulas particulares de matemática e física para ganhar dinheiro por conta própria. A experiência em educação, que depois influenciou a Cubos Academy, começava ali.
Embora tenha trazido decepções, a experiência na UFBA abriu espaço para Messias Júnior empreender. Com colegas da robótica e da engenharia elétrica, fundou a Cubos Tecnologia, aos 22 anos, no melhor estilo Vale do Silício.
Lançada em 2013, a startup tinha como objetivo desenvolver aplicativos e oferecer serviços de tecnologia diversos. “A gente fazia um monte de coisa porque não tinha grana”, conta.
Na primeira turma de entregadores do iFood, 87% concluíram o programa e 90% conseguiram emprego na área.
Nesta mesma época, as aulas particulares estavam fazendo tanto sucesso que ele pegou um empréstimo de R$ 2 mil com o pai e montou um cursinho pré-vestibular, passando a gerenciar os dois negócios ao mesmo tempo. Inclusive, o espaço do cursinho foi, durante alguns anos, também a sede da Cubos.
Com o tempo, a startup se tornou uma incubadora de negócios tecnológicos. Segundo o jovem executivo, a opção por empreender na capital baiana não foi consciente, mas manter-se na cidade, sim.
“Montamos a empresa em Salvador porque é onde a gente mora. A localização não era relevante. Eventualmente, começamos a ter orgulho de ser uma escola da Bahia”, admite.
REPROGRAMANDO O FUTURO
Em 2019, a startup enfrentava um desafio nada incomum para uma empresa de tecnologia: aumentar a quantidade de mulheres no quadro de colaboradores. Na visão do recém-criado comitê de diversidade, a falta de formação em tecnologia barrava a entrada de mulheres.
Há cinco anos, a companhia já acompanhava as métricas de contratação e de participação feminina. Para resolver a situação, Messias Júnior deu aulas em três cursos piloto de programação, ministrados na sala de reuniões da Cubos Tecnologia.
O curso foi bem-sucedido. Além de resultar na contratação de boa parte das participantes e ter alta procura, ainda gerou uma nova startup. “Muitas pessoas que não contratamos conseguiram emprego rápido. Vimos então que havia espaço para um negócio”.
A Cubos Academy surgiu oficialmente em janeiro de 2020, com aulas presenciais de desenvolvimento de software. Em 60 dias, a startup, como todas as empresas do setor de educação, teve que dar uma guinada radical. Com a pandemia de Covid-19, o modelo presencial ficou fora de cogitação e o online ainda não estava maduro.
O primeiro curso online teve evasão de 75%, o que acendeu o sinal vermelho. “Tivemos que pensar qual era a melhor maneira de dar aulas online. Atualmente, fazemos uma mistura de aulas gravadas e suporte ao vivo. Tem muita prática. As mudanças fizeram a evasão cair para 20%”, conta Messias Júnior.
Outro desafio enfrentado pela edtech em seu primeiro ano de operação foi atrair e manter alunas. Foram estabelecidas metas para processos seletivos com o público feminino e, mesmo assim, elas eram apenas 16% do total de inscritos.
“Muitas desistiam porque eram as únicas da sala. Passamos a garantir que metade da turma fosse de mulheres e isso atraiu mais alunas. No final, a garantia de que haverá mulheres na sala atrai outras.”
A metodologia aplicada pela Cubos Academy apoia a diversidade, já que o ensino é feito no coletivo, mas a resolução de dúvidas ocorre no privado. Segundo o CEO, o formato apoia aqueles que se sentem inseguros em tirar dúvidas durante a aula e que têm medo de aparentar que sabem menos.
IA PARA EDUCAÇÃO, EDUCAÇÃO PARA IA
Temas como inteligência artificial e criação de algoritmos estão no radar da companhia. “Todo mundo vai usar inteligência artificial no trabalho, inclusive programadores. Vai ser um tema obrigatório no mercado”, comenta o empreendedor.
A IA já faz parte dos cursos de outra forma. Em 2023, eles lançaram uma assistente de IA que responde perguntas dos alunos. Emy recebe questões em tempo real, como os monitores humanos. A diferença é que ela responde com mais rapidez.
“A satisfação dos alunos subiu e mais de 70% dos estudantes disseram que resolvem os problemas que surgem porque ela responde mais rápido”, conta Messias Júnior.
Para ele, é inevitável que a inteligência artificial seja usada em sala de aula, apesar de muita gente do setor da educação não gostar do Chat GPT. “Toda empresa, em breve, vai ser de tecnologia.
A própria sala de aula vai ter que mudar muito para abraçar isso”. Enquanto se prepara para o futuro, a edtech também prepara as pessoas para enfrentá-lo com conhecimento, lógica e criatividade. Uma aula por vez.