Depois de nocautear a indústria do tabaco, Califórnia vai atrás das petrolíferas
Estado está seguindo a mesma estratégia usada nos anos 1990 contra os fabricantes de cigarros para processar a indústria do petróleo
Em 1990, a Califórnia e outros estados norte-americanos processaram as grandes empresas de tabaco – e provaram que os fabricantes de cigarros haviam escondido evidências que ligavam o tabagismo ao câncer. Isso resultou em um acordo histórico de US$ 246 bilhões e transformou toda a indústria. Agora, o plano é fazer o mesmo com as gigantes do petróleo.
Em uma ação movida em setembro, a Califórnia alega que as empresas petrolíferas (incluindo Exxon, Shell, Chevron e outras) devem ser responsabilizadas pelos desastres climáticos que estão ocorrendo no estado, como as secas, inundações e incêndios florestais que vêm se intensificando nos últimos anos.
Assim como aconteceu nos processos contra a indústria do tabaco, a tese sustentada é que as petrolíferas sabem há décadas exatamente o quão nocivos seus produtos são e utilizaram campanhas de desinformação para atrasar qualquer ação.
existem muitas evidências de que as empresas de petróleo sabiam dos impactos de seus produtos sobre o clima pelo menos desde os anos 1970.
No caso das grandes empresas de tabaco, este foi um ponto crucial. Quando os primeiros processos relacionados ao tabagismo foram apresentados por fumantes ou suas famílias na década de 1950, as ações não tiveram sucesso. Mas as coisas mudaram quando ficou evidente que as empresas haviam ocultado informações sobre os perigos do cigarro.
Na década de 1990, quando estados e planos de saúde também passaram a processá-las, as fabricantes de cigarros começaram a sofrer derrotas significativas. Essas ações foram movidas pelos mesmos motivos pelos quais a Califórnia agora está processando as petrolíferas – para recuperar seus gastos (com saúde, no caso do tabaco) e para responsabilizar as empresas por enganar os consumidores.
"IMPACTOS CATASTRÓFICOS"
Hoje, existem muitas evidências que mostram que as empresas de petróleo sabiam dos impactos de seus produtos no clima. Documentos internos da Exxon das décadas de 1970 e 1980 detalhavam o rápido acúmulo de CO2 na atmosfera devido aos combustíveis fósseis e previam o aquecimento do planeta e suas prováveis consequências.
“Eles discutiram opções para evitar esses impactos”, afirma Benjamin Franta, fundador do Laboratório de Litígios Climáticos da Universidade de Oxford.
“Basicamente, concluíram que, para evitar esses impactos catastróficos – e usaram palavras como ‘catastrófico’ – precisariam começar a substituir os combustíveis fósseis imediatamente, porque sabiam que seriam necessárias muitas décadas para fazer a transição. Não era algo que pudesse ser adiado. Mas foi exatamente isso que fizeram.”
Em 1959, o físico Edward Teller (também conhecido como o pai da bomba de hidrogênio) já alertava sobre a necessidade de substituir os combustíveis fósseis devido ao aumento do CO2 na atmosfera. Embora a indústria tenha passado décadas argumentando que a ciência climática era incerta, os fatos fundamentais eram bem conhecidos desde a metade do século passado.
Como no caso do cigarro, a Califórnia está processando as petrolíferas para recuperar seus gastos e para responsabilizar as empresas por enganar os consumidores.
Na época, as empresas de petróleo já estavam estudando problemas relacionados à poluição do ar, pois as queixas estavam começando a explodir. A indústria financiou pesquisadores universitários para tentar provar que a queima de petróleo não estava causando a poluição vista nas grandes cidades e passou a participar de reuniões sobre o tema para argumentar que mais pesquisas eram necessárias.
Logo começaram a usar esta mesma tática para combater ações climáticas – alegando que a ciência era complexa e que deveria haver mais estudos, mesmo quando já havia evidências claras.
A estratégia incluiu o financiamento de pesquisas climáticas, como o programa de ciências atmosféricas da Exxon, para que as empresas de petróleo fossem vistas como especialistas em clima e pudessem influenciar possíveis legislações. Elas argumentavam que a energia solar, baterias e veículos elétricos não eram soluções viáveis, enquanto divulgavam suas próprias pesquisas sobre esses temas.
NEGACIONISMO CONSCIENTE E INCONSEQUENTE
A indústria também financiou pesquisas em universidades e distorceu a ciência climática para descredibilizá-la. Além disso, patrocinou pesquisas econômicas e alegou que a transição energética prejudicaria a economia, ignorando os possíveis avanços tecnológicos e os danos econômicos que as mudanças climáticas por si só causariam.
Com o avanço da ciência climática, as petrolíferas começaram a questionar a credibilidade dos cientistas. O American Petroleum Institute e outros grupos criaram a Coalizão Global do Clima para promover o negacionismo climático. E essas estratégias impediram a aprovação de leis como um “imposto ecológico”.
A indústria financiou pesquisadores para tentar provar que a queima de petróleo não era a causadora da poluição vista nas grandes cidades.
Foi criado um Centro Global de Dados Científicos sobre o Clima, projetado para parecer independente, mas que promovia visões favoráveis à indústria no Congresso norte-americano e na mídia. Mais tarde, algumas empresas se distanciaram do negacionismo climático, mas passaram a promover apenas pequenas mudanças, como melhorias na produção de petróleo – que, na verdade, não resolviam o problema.
Não faltam evidências de que elas sabiam das consequências do que estavam fazendo e mesmo assim o fizeram. “Foi tudo muito irresponsável”, ressalta Franta.
Se a Califórnia sair vencedora desta ação judicial, os impactos poderão ser significativos. Além de fornecer mais financiamento ao estado para lidar com os desastres cada vez mais frequentes, isso pode levar as empresas de petróleo a mudar seu comportamento.
As enormes quantias que elas podem ser obrigadas a pagar teriam um impacto considerável na lucratividade. Além disso, o processo pode revelar ainda mais informações sobre o que a indústria sabia nas últimas décadas.