Diversidade começa a chegar à cabine dos voos comerciais

A busca ativa por candidatos mais diversos e o aumento dos benefícios dos pilotos têm mudado a cara das cabines de comando

Crédito: Nick Morales/ Unsplash

Jennifer Alsever 4 minutos de leitura

Damion Washington tem 45 anos e sempre quis ser piloto. Mas, por ser um homem negro sem educação universitária e sem ideia de por onde começar, percebeu que uma carreira como piloto estava fora do seu alcance. Então, passou duas décadas trabalhando como pastor, frequentemente incentivando as pessoas a perseguir seus sonhos.

Em 2018, alguém convenceu Damion de que as pessoas podiam perfeitamente fazer mais de uma coisa na vida. Foi aí que ele, junto com outras seis pessoas, se matriculou na aula inaugural da American Airlines Cadet Academy, em Phoenix (Arizona) para se tornar piloto comercial.

Após quatro anos treinando, aprendendo e voando mais de 1,5 mil horas, foi chamado pela American Airlines para ser piloto. Em seu evento de posse, no início deste ano, ele subiu no palco e apertou a mão de David E. Harris, o primeiro piloto comercial negro dos EUA a ser contratado pela American, em 1964.

Até recentemente, as companhias aéreas exigiam um diploma universitário e anos de treinamento que podiam custar mais de US$ 100 mil.

Damion de fato merece todos os aplausos. Pelo menos 90% dos pilotos são homens brancos. Em parte, isso acontece porque as companhias aéreas historicamente recrutam militares dos EUA, que tendem a ter pilotos brancos.

Mas essa desproporção também se deve ao fato de que a maioria das companhias aéreas, até recentemente, exigia um diploma universitário e anos de treinamento que podiam custar mais de US$ 100 mil. Mais uma vez, apenas homens brancos de classe média e alta podiam arcar com esse investimento.

A falta de diversidade entre os pilotos fez com que pessoas de fora – mulheres, negros, membros da comunidade LGBT+ – sentissem como se nunca pudessem chegar à cabine de comando, diz Henry Harteveldt, analista de aviação de longa data e presidente do Atmosphere Research Group. “Por muito tempo, para ser honesto, isso era verdade”, diz ele.

Mais recentemente, isso começou a mudar, à medida que grandes companhias aéreas e pilotos começaram um esforço para ampliar o grupo demográfico de pilotos, avalia Harteveldt. A American Airlines, assim como a Delta Air Lines, a Southwest, a Alaska e a JetBlue, começaram a trabalhar em diferentes parcerias para atrair jovens negros. 

CRISE EXISTENCIAL A 10 MIL METROS DE ALTITUDE

Após a pandemia, essa agenda de diversidade tornou-se muito mais urgente. Com a redução nas viagens aéreas durante 2020, a indústria fez grandes cortes na força de trabalho, demitindo pilotos e oferecendo pacotes de aposentadoria para quem atendesse a certos requisitos de elegibilidade.

A oferta de profissionais também está diminuindo rapidamente: pelo menos 5.773 pilotos da geração baby boomer (nascidos entre 1945 e 1964) se aposentam a cada ano porque chegaram os 65 anos, idade em que a aposentadoria para a profissão é compulsória, de acordo com a Administração Federal de Aviação (FAA) norte-americana. Até 2029, toda essa geração estará impedida de pilotar aviões comerciais.

Em 2022, conforme a demanda vem aumentando, as companhias aéreas estão sofrendo para contratar de 12 mil a 13 mil pilotos.

Em 2022, conforme a demanda vem aumentando, as companhias aéreas estão sofrendo para contratar de 12 mil a 13 mil pilotos. Em 2023, precisarão provavelmente dessa mesma quantidade e, em 2024, aproximadamente oito mil. O momento é propício para que elas pensem além das contratações tradicionais e abram espaço para negros, mulheres e pessoas que se identificam como LGBT+.

A maioria das grandes companhias aéreas abandonou a exigência de graduação de quatro anos e adicionou bônus, aumento salarial e benefícios aprimorados. A American também criou bolsas de estudo e programas de empréstimo que cobrem treinamento e gastos com hospedagem e alimentação – já que o financiamento é uma das maiores barreiras para os aprendizes. A companhia aérea também criou um fundo de bolsas de estudo de US$ 10 milhões para ampliar a diversidade entre os pilotos.

NUNCA É CEDO (OU TARDE) DEMAIS PARA SONHAR

A American Airlines tem marcado presença em escolas de ensino fundamental e médio em todo o país, principalmente em bairros carentes, hospedando acampamentos de verão sobre aviação e ensinando crianças sobre as vantagens de uma carreira como piloto.

Pelo menos 90% dos pilotos são homens brancos.

Como outras companhias aéreas, a empresa pretende treinar seu próprio grupo de candidatos, em escolas de voo internas. Desde 2018, cerca de 650 candidatos – muitos dos quais nunca pisaram em um cockpit – se matricularam na American’s Cadet Academy. Pelo menos metade deles cadetes são negros, mulheres ou ambos.

A academia ensina uma combinação de meteorologia, aerodinâmica e linguagem de aviação em sala de aula e oferece treinamento de voo em pequenos aviões de quatro lugares. O trabalho de um piloto envolve muitas habilidades, incluindo matemática, cálculos e capacidade de comandar uma tripulação.

“Não é apenas uma questão de saber pilotar bem o avião”, diz Harteveldt. “Você tem que entender todos os diferentes sistemas de aeronaves comerciais modernas, que são muito complexas.”

Washington, cujo avô foi o primeiro piloto negro de uma empresa privada, na década de 1930, no Arkansas, conta que não se arrepende da mudança de carreira na meia-idade. Ele aposta que terá pela frente duas décadas vivendo seu sonho de voar. “Nunca é tarde demais”, garante.


SOBRE A AUTORA

Jennifer Alsever é jornalista e escreve para publicações como Fortune, The Wall Street Journal, The New York Times e Wired. saiba mais