Diversidade e inclusão não são sinônimos. Mas podem ser
De vagas com “menos filtro” até ambiente acolhedor, o que as empresas podem fazer para não praticar o "diversity washing"
Existe uma diferença entre ter um espaço na mesa e ser convidado a falar. Entre ser convidado a falar e ter a sua ideia acolhida. Entre ter a sua ideia acolhida e poder liderar a execução Entre poder liderar a execução e receber o reconhecimento por isso. E é esse o caminho que existe entre a diversidade e a inclusão no mundo corporativo: com nuances, desafios sistêmicos e muita oportunidade de crescimento.
“Sabe quando você chega num concerto e os músicos ainda estão afinando os instrumentos? As empresas brasileiras estão nesse momento com relação à inclusão”, diz Cristina Naumovs, consultora de criatividade e inovação na Apego .
No Brasil, a diversidade se tornou pauta recente das grandes empresas, principalmente à luz do ESG. No ano passado, 85% das companhias aceleraram seus esforços de diversidade, segundo pesquisa da Korn Ferry. No entanto, apenas 14% reconhecem esforços efetivos para chegar nesse objetivo.
Nas startups nacionais, a busca é igualmente intensa, e com resultados similares. Em uma pesquisa da Associação Brasileira de Startups, 97% dos participantes dizem apoiar a diversidade. Só que 20% admitem não ter mulheres no quadro, 31% declaram não ter colaboradores negros ou pardos e 90% não têm transexuais em sua lista de funcionários.
“É fundamental que se faça o teste do pescoço: olha para um lado, olha para o outro e, se só tiver uma pessoa negra no time, na sala, algo não está funcionando com relação a diversidade e inclusão”, afirma Genesson Honorato, gerente de employer branding, diversidade, equidade e inclusão da OLX Brasil. Ao perceber a falta de representatividade, o próximo passo é partir para a ação, sem deixar se levar pelo “diversity washing”.
Diversity washing é o greenwashing da diversidade. Ou, como explica Iane Pessoa, especialista em diversidade e inclusão na Condurú Consultoria, o diversity washing acontece quando a companhia se engaja em uma causa, mas não age para tirar o assunto do papel. É o caso das empresas que contratam "tokens" de diversidade em cada área, aquelas pessoas que ficam sendo as únicas "diferentes".
“Tudo passa pelo conhecimento. Se a prática é forçada em uma organização que ainda não trabalha com diversidade, ou ela será recusada ou será implementada de qualquer jeito, apenas para marketing e publicidade”, diz Pessoa.
CHAMAR PARA DANÇAR
Algumas companhias criam programas para contratar um número de pessoas “diversas”, mas, depois de alguns meses, elas pedem para sair. “Isso ocorre porque a empresa não está preparada culturalmente para receber a diversidade. As pessoas se sentem isoladas, elas não conseguem interagir”, explica Tatiana Marinho, sócia e COO da Gana, agência de publicidade formada 100% por profissionais pretos..
Foi o que aconteceu com Genesson, quando estava em uma multinacional. “Não me sentia seguro para falar em reuniões, era a única pessoa na sala e isso não me dava o senso de pertencimento necessário”, conta. Evitar as histórias únicas, segundo Cristina, é um dos principais objetivos da inclusão.
Na visão de Mauro Raphael, sócio da DEX Advisor e especialista em RH, a equidade precisa entrar em jogo quando se fala do caminho entre a diversidade e a inclusão. Levar em conta os backgrounds diversos é uma forma de colocar a equidade em prática.
O filtro para vagas, por exemplo, pode ter mais “equidade” ao olhar para fatores além das universidades de renome para a contratação. “Muitas empresas procuram apenas na USP e FGV. Se a pessoa não teve chance de estudar nesses lugares, e poucos têm, já deixou de ser considerada para essa vaga. É preciso abrir oportunidades”, defende.
diversity washing acontece quando a companhia se engaja em uma causa, mas não age para tirar o assunto do papel.
Para Tatiana Marinho, a questão das vagas e a forma como a escolha inicial é feita também contam. Para ela, o objetivo de abraçar o diverso também deveria estar na exigência de habilidades diferentes do padrão atual. “As empresas não enxergam ainda o valor na diversidade da equipe, como bagagens diferentes podem trazer resultados para aquele grupo, como pode potencializar a entrega”, observa.
Antes mesmo de contratar, a empresa precisa pensar em todos os aspectos que afetam a vida do novo funcionário ou funcionária. Cristina aponta para as políticas de parentalidade e de plano de saúde da companhia. “Os homens têm licença parental de cinco dias corridos. É uma loucura, não tem conexão possível de se criar entre pai e criança. Quando se fala em famílias homoafetivas, esse prazo é impensável”, diz a consultora e articulista da Fast Company Brasil.
A VIDA DEPOIS DO CONTRATO
O ambiente corporativo como um todo, desde o uso dos banheiros até a maneira de lidar com os clientes, importa quando o assunto é incluir. Raphael lembra ainda a questão do pagamento dos benefícios, que, em alguns casos, pode ser adiantado para acomodar o novo funcionário que vem de um cenário econômico mais frágil.
Ter metas de diversidade que superem os números é o passo que deve ser dado para evitar que os contratados sejam “tokens”. “Se existe meta de vendas, de market share, por que não há meta para a diversidade?”, questiona Cristina. Para ela, mais do que cotas, deveria haver uma “inteligência de diversidade”.
Na visão de Tatiana, é perigoso falar em cotas, mas é necessário colocar metas atreladas a ações afirmativas. “Não só ter um número de quantas mulheres é preciso ter na liderança, por exemplo, mas colocar um prazo para isso. E também diminuir o volume de reclamações e denúncias de assédio em canais internos. A escuta ajuda a acelerar o processo de inclusão”, assegura.
Há uma frase bastante conhecida da ativista Vernā Myers que diz: "Diversidade é convidar para a festa, inclusão é chamar para dançar." Genesson, da OLX, chama atenção para um complemento importante: “Chamar para dançar, mas também dar a oportunidade para que a pessoa possa mudar a música."
DESDE O FIM ATÉ O COMEÇO
Se o movimento da diversidade é de dentro para fora, o da inclusão é da raiz para cima. Ou seja, é preciso olhar para a base nas quais as companhias se firmam. A meritocracia é uma delas.
“Equidade e meritocracia não combinam. É como se todos estivessem numa corrida de 100 metros, mas alguns largam 20 metros atrás. A disparidade brasileira é grande, a diferença social é grande, e a empresa reflete isso”, comenta Raphael.
Já Cristina diz que é preciso questionar o próprio conceito de diversidade. “Normalmente, quando se fala em diversidade, sempre citam mulheres, negros, LGBT. Se tirarmos tudo isso, o que sobra são apenas os homens brancos heterossexuais. São eles, portanto, os diferentes”, argumenta.
Iane e Tatiana frisam a necessidade de uma mudança cultural intensa, que passa não só pelas lideranças como também por todos os colaboradores, chegando na sociedade. “Tudo passa pelo conhecimento”, explica Iane.
Raphael dá a visão de quem trabalha a 40 anos com recursos humanos: a estrutura precisa ser mudada. “Ao ver as notícias sobre o número de gays ou de negros nas empresas, muita gente fala que o sistema deu errado, que está falido. Não, o sistema não está falido. Está funcionando certinho do jeito que foi estruturado lá atrás: para excluir essas pessoas.”