Diversidade e inclusão não são sinônimos. Mas podem ser

De vagas com “menos filtro” até ambiente acolhedor, o que as empresas podem fazer para não praticar o "diversity washing"

Crédito: We Are/ GettyImages

Camila de Lira 6 minutos de leitura

Existe uma diferença entre ter um espaço na mesa e ser convidado a falar. Entre ser convidado a falar e ter a sua ideia acolhida. Entre ter a sua ideia acolhida e poder liderar a execução Entre poder liderar a execução e receber o reconhecimento por isso. E é esse o caminho que existe entre a diversidade e a inclusão no mundo corporativo: com nuances, desafios sistêmicos e muita oportunidade de crescimento.

“Sabe quando você chega num concerto e os músicos ainda estão afinando os instrumentos? As empresas brasileiras estão nesse momento com relação à inclusão”, diz Cristina Naumovs, consultora de criatividade e inovação na Apego .

No Brasil, a diversidade se tornou pauta recente das grandes empresas, principalmente à luz do ESG. No ano passado, 85% das companhias aceleraram seus esforços de diversidade, segundo pesquisa da Korn Ferry. No entanto, apenas 14% reconhecem esforços efetivos para chegar nesse objetivo.

Nas startups nacionais, a busca é igualmente intensa, e com resultados similares. Em uma pesquisa da Associação Brasileira de Startups, 97% dos participantes dizem apoiar a diversidade. Só que 20% admitem não ter mulheres no quadro, 31% declaram não ter colaboradores negros ou pardos e 90% não têm transexuais em sua lista de funcionários.

Genesson Honorato

“É fundamental que se faça o teste do pescoço: olha para um lado, olha para o outro e, se só tiver uma pessoa negra no time, na sala, algo não está funcionando com relação a diversidade e inclusão”, afirma Genesson Honorato, gerente de employer branding, diversidade, equidade e inclusão da OLX Brasil. Ao perceber a falta de representatividade, o próximo passo é partir para a ação, sem deixar se levar pelo “diversity washing”.

Diversity washing é o greenwashing da diversidade. Ou, como explica Iane Pessoa, especialista em diversidade e inclusão na Condurú Consultoria, o diversity washing acontece quando a companhia se engaja em uma causa, mas não age para tirar o assunto do papel. É o caso das empresas que contratam "tokens" de diversidade em cada área, aquelas pessoas que ficam sendo as únicas "diferentes".

“Tudo passa pelo conhecimento. Se a prática é forçada em uma organização que ainda não trabalha com diversidade, ou ela será recusada ou será implementada de qualquer jeito, apenas para marketing e publicidade”, diz Pessoa.

CHAMAR PARA DANÇAR

Tatiana Marinho, da Gana

Algumas companhias criam programas para contratar um número de pessoas “diversas”, mas, depois de alguns meses, elas pedem para sair. “Isso ocorre porque a empresa não está preparada culturalmente para receber a diversidade. As pessoas se sentem isoladas, elas não conseguem interagir”, explica Tatiana Marinho, sócia e COO da Gana, agência de publicidade formada 100% por profissionais pretos..

Foi o que aconteceu com Genesson, quando estava em uma multinacional. “Não me sentia seguro para falar em reuniões, era a única pessoa na sala e isso não me dava o senso de pertencimento necessário”, conta. Evitar as histórias únicas, segundo Cristina, é um dos principais objetivos da inclusão.

Na visão de Mauro Raphael, sócio da DEX Advisor e especialista em RH, a equidade precisa entrar em jogo quando se fala do caminho entre a diversidade e a inclusão. Levar em conta os backgrounds diversos é uma forma de colocar a equidade em prática.

O filtro para vagas, por exemplo, pode ter mais “equidade” ao olhar para fatores além das universidades de renome para a contratação. “Muitas empresas procuram apenas na USP e FGV. Se a pessoa não teve chance de estudar nesses lugares, e poucos têm, já deixou de ser considerada para essa vaga. É preciso abrir oportunidades”, defende.

diversity washing acontece quando a companhia se engaja em uma causa, mas não age para tirar o assunto do papel.

Para Tatiana Marinho, a questão das vagas e a forma como a escolha inicial é feita também contam. Para ela, o objetivo de abraçar o diverso também deveria estar na exigência de habilidades diferentes do padrão atual. “As empresas não enxergam ainda o valor na diversidade da equipe, como bagagens diferentes podem trazer resultados para aquele grupo, como pode potencializar a entrega”, observa.

Antes mesmo de contratar, a empresa precisa pensar em todos os aspectos que afetam a vida do novo funcionário ou funcionária. Cristina aponta para as políticas de parentalidade e de plano de saúde da companhia. “Os homens têm licença parental de cinco dias corridos. É uma loucura, não tem conexão possível de se criar entre pai e criança. Quando se fala em famílias homoafetivas, esse prazo é impensável”, diz a consultora e articulista da Fast Company Brasil.

A VIDA DEPOIS DO CONTRATO

O ambiente corporativo como um todo, desde o uso dos banheiros até a maneira de lidar com os clientes, importa quando o assunto é incluir. Raphael lembra ainda a questão do pagamento dos benefícios, que, em alguns casos, pode ser adiantado para acomodar o novo funcionário que vem de um cenário econômico mais frágil.

Ter metas de diversidade que superem os números é o passo que deve ser dado para evitar que os contratados sejam “tokens”. “Se existe meta de vendas, de market share, por que não há meta para a diversidade?”, questiona Cristina. Para ela, mais do que cotas, deveria haver uma “inteligência de diversidade”.

Na visão de Tatiana, é perigoso falar em cotas, mas é necessário colocar metas atreladas a ações afirmativas. “Não só ter um número de quantas mulheres é preciso ter na liderança, por exemplo, mas colocar um prazo para isso. E também diminuir o volume de reclamações e denúncias de assédio em canais internos. A escuta ajuda a acelerar o processo de inclusão”, assegura. 

Há uma frase bastante conhecida da ativista Vernā Myers que diz: "Diversidade é convidar para a festa, inclusão é chamar para dançar." Genesson, da OLX, chama atenção para um complemento importante: “Chamar para dançar, mas também dar a oportunidade para que a pessoa possa mudar a música."

DESDE O FIM ATÉ O COMEÇO

Iane Pessoa, da Condurú

Se o movimento da diversidade é de dentro para fora, o da inclusão é da raiz para cima. Ou seja, é preciso olhar para a base nas quais as companhias se firmam. A meritocracia é uma delas.

“Equidade e meritocracia não combinam. É como se todos estivessem numa corrida de 100 metros, mas alguns largam 20 metros atrás. A disparidade brasileira é grande, a diferença social é grande, e a empresa reflete isso”, comenta Raphael.

Já Cristina diz que é preciso questionar o próprio conceito de diversidade. “Normalmente, quando se fala em diversidade, sempre citam mulheres, negros, LGBT. Se tirarmos tudo isso, o que sobra são apenas os homens brancos heterossexuais. São eles, portanto, os diferentes”, argumenta.

Iane e Tatiana frisam a necessidade de uma mudança cultural intensa, que passa não só pelas lideranças como também por todos os colaboradores, chegando na sociedade. “Tudo passa pelo conhecimento”, explica Iane.

Raphael dá a visão de quem trabalha a 40 anos com recursos humanos: a estrutura precisa ser mudada. “Ao ver as notícias sobre o número de gays ou de negros nas empresas, muita gente fala que o sistema deu errado, que está falido. Não, o sistema não está falido. Está funcionando certinho do jeito que foi estruturado lá atrás: para excluir essas pessoas.”


SOBRE A AUTORA

Camila de Lira é jornalista formada pela ECA-USP, early adopter de tecnologias (e curiosa nata) e especializada em storytelling para n... saiba mais