É muito futuro pra pouco futurista

Trabalhar com futuro não é de fato sobre “o futuro”, mas uma real competência de conhecer profundamente o hoje

mãos em torno de bola de cristal que mostra a imagem de um homem de terno
Créditos: nullplus/ gremlin/ Getty Images

Monica Magalhães 5 minutos de leitura

É tanta informação disponível que a gente fica saturado de futuro. Previsões, relatórios de tendências, rankings de inovação, gráficos que fazem projeções sobre o amanhã. E me pergunto, se temos tanta informação sobre o futuro porque não estamos conseguindo construir coisas melhores mais rapidamente? 

Tudo isso se misturou com ruído cotidiano. E o futuro se tornou um produto. Quem trabalha com pesquisa de tendências sabe que é preciso ler centenas de coisas para conseguir encontrar algo profundo, tangível.

Reflito que não falta futuro para a gente imaginar. Mas existe uma diferença entre falar sobre o futuro e pensar o futuro. Falar sobre o futuro é discursar sobre tudo que cruza nosso caminho: mudanças, inovações, tendências, tecnologias emergentes. Pensar futuro é um exercício muito mais autoral e profundo. E talvez isso seja o que mais caracteriza um futurista.

Pense comigo, primeiro de tudo, o que um futurista não é! Não é uma pessoa que prevê com mais precisão. Dizer que acertou alguma coisa quer dizer no máximo que a pessoa tem bons palpites ou é bem informada.

Em um mundo cercado por dados, gráficos e onde a AI reina, não é tão complexo projetar cenários para muitas coisas, mas poucos conseguem expandir o campo de visão e pensar com profundidade.

Também não é um futurista alguém que replica aquilo que aprende sem acrescentar nada com sua própria visão.

Para desenhar um futuro melhor, precisamos de melhores futuristas e isso significa melhorar a forma como pensamos, não apenas o que prevemos.

As habilidades de um bom futurista são uma combinação de visão sistêmica, empatia, narrativa e experimentação.

O bom futurista não entrega respostas, mas provoca perguntas que ajudam os outros a organizarem melhor o pensamento. Acima de tudo, o bom futurista precisa conseguir humanizar aquilo que imagina.

Alguém capaz de escutar os sinais fracos no momento presente que atravessam o que chamamos de ruído, consegue conectar o que parece desconexo e ilumina aquilo que ainda não tem definição.

Um bom futurista entende que a imaginação é necessária mas que ela é feita com responsabilidade porque prever é também propor, uma vez que cada narrativa que criamos sobre o futuro molda decisões e comportamentos no presente. E o futurista tem muito poder de influência.

FUTURISTA, QUAL É O SEU DRIVE?

O bom futurista precisa saber qual é o seu drive. O que te inspira a falar de futuro ou o que te move nesta direção. Vejo futuristas que são inspirados por preocupações sociais e ambientais, e o seu desejo de mudar o futuro que imagina é o seu drive.

Outros estão mais interessados em metodologias, são movidos pelo interesse de serem mais assertivos em suas prospectivas de futuro. Esses têm menos interesse em de fato influenciar alguma mudança e estão mais preocupados em divulgar suas técnicas de foresight.

Existe ainda uma linha de futuristas que são apaixonados pela sua própria intelectualidade e criam questões filosóficas sobre o futuro. Uns focam mais em futuros possíveis, ou prováveis e outros em seus futuros preferidos.

O que te move como futurista? Não é uma resposta simples.

homem de costas olha para espiral de luz vermelha
Crédito: gremlin/ Getty Images

É muita energia fluindo em Future Studies. Festivais, eventos, grupos de estudo, artigos, livros, cursos. Mas será que compreendemos que trabalhar com futuro não é de fato sobre “o futuro”, mas uma real competência de conhecer profundamente o hoje.

Projetar o futuro começa por tentar fazer esboços desses pensamentos. Antes de desenhar novos produtos, modelos de negócio ou tecnologias, é preciso reconfigurar a forma como pensamos a mudança

O design, nesse sentido, é mais do que só uma estética de rabiscos que depois se tornam imagens instagramáveis. Ele é necessário, pois se torna uma ferramenta cognitiva. Ele nos obriga a imaginar, testar; prototipar, é pensar com as mãos.

cada narrativa que criamos sobre o futuro molda decisões e comportamentos no presente.

Essa é uma habilidade que poucos dominam. Demora anos para desenvolver e conhecer seu território de pesquisa. Demora anos para construir repertório e aprender quais são os gatilhos que ativam as sinapses dos seus neurônios.

É muito difícil para o bom futurista criar algo bom sozinho e apenas escrevendo seus achados. A colaboração junto com o design é essencial para pensar o futuro, pois é desenhando que damos forma àquilo que ainda não existe, de maneira consciente e intencional.

As habilidades de um bom futurista são uma combinação de visão sistêmica, empatia, narrativa e experimentação.

Líderes com essas habilidades são também bons futuristas. Mas eles precisam ter repertório das ideias que vão propor e conseguir ampliar contextos que incluem ou cruzam com códigos culturais, sociais e éticos. E acaba que nem todo líder tem interesse nessas bordas mais generalistas de conhecimento.

EDUCANDO PARAO FUTURO

A maioria das pessoas ainda é treinada para reagir, não para imaginar. Elas investem em inovação, mas raramente em futures literacy, a alfabetização de futuros. Falam sobre disrupção, mas continuam operando com a mentalidade de eficiência industrial: controlar, prever, otimizar.

Para ser um líder futurista, é preciso saber equilibrar urgência, propósito, dados, intuição e imaginação.

Precisa desenvolver inteligência temporal: a capacidade de perceber quando agir, quando esperar e quando simplesmente observar os sinais, porque ainda é muito cedo para falar de coisas para as quais a sociedade ainda não está preparada.

Essa inteligência é rara porque exige algo que a lógica corporativa não valoriza: a pausa. O espaço para refletir antes de reagir. O silêncio entre o estímulo e a resposta.

homem com binóculo navegando em barco de papel
Crédito: tiero/ Getty Images

É nessa brecha que o pensamento de longo prazo floresce. Para pensar futuro precisa pensar em consequências, desdobramentos, impactos – ou seja lá o nome que você quer dar para aquilo que ainda vai acontecer.

Para concluir, pensar o futuro não é um exercício de previsão, pelo contrário, é preciso ter muita consciência. O futuro é o espelho do que pensamos, desejamos e tememos hoje.

O maior trabalho do futurista nem é criar ideias para o amanhã. Um bom futurista consegue aumentar a sensibilidade das pessoas que influencia hoje, no presente.

Precisamos de pensadores mais lúcidos, questionadores. Gente que tenha coragem de desacelerar enquanto o restante da sociedade se encontra no caos da aceleração. Mentes capazes de enxergar não o que vem depois, mas o que vem junto.


SOBRE A AUTORA

Monica Magalhães é futurista e pesquisadora de tecnologias emergentes. saiba mais