Ecocídio pode passar a ser classificado como crime contra a humanidade
Isso teria as mesmas repercussões legais que o genocídio e os crimes de guerra perante o Tribunal Penal Internacional
Faz alguns anos que um movimento global crescente vem trabalhando para tipificar o crime de ecocídio – a destruição em massa do meio ambiente – e defendendo sua inclusão no Estatuto de Roma, o documento fundador do Tribunal Penal Internacional (TPI).
As formas mais graves de danos ambientais – como mega vazamentos de petróleo ou de produtos químicos, desmatamento de florestas tropicais primárias ou destruição de todo um sistema fluvial – estão causando impactos catastróficos em nossos ecossistemas e comunidades.
As empresas não estão a salvo das consequências: as mudanças climáticas e o colapso dos ecossistemas interrompem as operações e aumentam os custos, prejudicando a economia.
Embora a maioria das pessoas e empresas afirme não prejudicar a natureza intencionalmente, em muitos casos as empresas ignoram intencionalmente os danos ambientais que causam, um comportamento facilitado por estruturas regulatórias frágeis e que oferecem mecanismos limitados de proteção.
Em um discurso de 2019 nas Nações Unidas, o presidente de Vanuatu (uma ilha no sul do Pacífico), Nikenike Vurobaravu, tornou-se um dos primeiros representantes de estado a defender publicamente que o TPI reconheça o ecocídio como crime.
De acordo com a legislação sobre ecocídio, aqueles que ocupam os cargos mais altos de tomada de decisão poderiam ser responsabilizados criminalmente se suas escolhas resultarem em danos em massa e destruição da natureza.
Além disso, as implicações financeiras do direito penal internacional sendo utilizado dessa forma seriam profundas, podendo remodelar a dinâmica dos negócios globais.
Como CEO da Pensions for Purpose, grande parte do meu trabalho gira em torno do investimento de impacto, um termo usado com frequência no setor financeiro, mas raramente compreendido em sua totalidade. Em sua essência, investimento de impacto significa gerar resultados ambientais e sociais positivos junto com retornos financeiros.
MUDANÇAS SISTÊMICAS
Os fundos de pensão, geralmente um gigante silencioso no espaço climático, têm um grande potencial para promover mudanças positivas. No entanto, a maioria dos planos de aposentadoria não conseguiu estabelecer compromissos firmes de zero emissões líquidas.
O setor de previdência social do Reino Unido, por exemplo, está tão envolvido na liberação de emissões de carbono que, se fosse um país, estaria entre os 20 maiores emissores do mundo. Dos £3 trilhões (quase R$ 22 trilhões) em pensões do Reino Unido, cerca de £88 bilhões (R$ 641,3 bilhões) são investidos em empresas que alimentam ativamente a crise climática.
Isso geralmente ocorre sem o conhecimento dos cidadãos cujas aposentadorias estão em jogo. Petróleo e gás, desmatamento e mineração são setores comuns nas carteiras de investimento dos fundos de pensão, para citar alguns.
Se o ecocídio virasse crime contra a humanidade, a mitigação da destruição ambiental se tornaria muito mais simples.
Mudar as leis e as estruturas que sustentam os negócios e os investimentos é fundamental, porque os donos de ativos, como os fundos de pensão, dependem dessas novas regras para “fazer a coisa certa”.
Para promover a mudança sistêmica, precisamos reformular os incentivos, impondo penalidades às práticas prejudiciais ao meio ambiente e recompensando ativamente os investimentos que priorizam a sustentabilidade. Essa mudança vai realinhar o mercado com metas ecológicas de longo prazo, garantindo que os ganhos financeiros estejam diretamente ligados à saúde do planeta.
As alternativas podem não ter o mesmo histórico ou respaldo financeiro, mas são diretas e fáceis de entender. Se os investidores institucionais direcionarem capital para investimentos que priorizem a sustentabilidade de longo prazo, o setor pode se expandir mais rapidamente, inovar com mais eficiência e ganhar impulso.
Isso não apenas nos deixaria mais próximos de alcançar a meta de zerar as emissões de carbono, mas também ajudaria a mitigar os riscos à biodiversidade que ameaçam a saúde de nossas comunidades.
SOLUÇÕES SUSTENTÁVEIS
Em 9 de setembro, Vanuatu, Fiji e Samoa propuseram o reconhecimento formal do crime de ecocídio pelo TPI. Se fosse adotado como o quinto crime segundo o Estatuto de Roma, essa transição para a mitigação da destruição ambiental se tornaria muito mais simples.
A ameaça de ser associado a esse crime é um fator de intimidação muito relevante. Se o ecocídio for legitimado pelo TPI, ele terá o mesmo peso que o genocídio, os crimes de guerra, o crime de agressão e os crimes contra a humanidade. Para o setor financeiro, isso também representa uma oportunidade de fazer uma diferença significativa.
Imagine que você seja um tomador de decisão de alto nível em uma empresa de investimentos. Antigamente, poderia ser acusado de tomar decisões antiéticas caso seu dinheiro acabasse vinculado a um caso de dano ambiental grave, mas não haveria repercussões concretas.
No entanto, se levarmos em conta a possibilidade de processo legal, essas decisões se tornam muito mais cautelosas, principalmente quando já existem alternativas na forma de estratégias de investimento sustentável e de impacto.
Mas não se trata apenas de dissuadir os criminosos, trata-se de criar incentivos. A lei do ecocídio poderia fornecer uma nova estrutura global, na qual as empresas seriam apoiadas em seus movimentos em direção à sustentabilidade.
Isso turbinaria a inovação verde, redirecionaria o financiamento e o investimento, afastando-os das práticas mais prejudiciais e ajudaria a preencher uma boa parte da lacuna entre a proteção ambiental e o desenvolvimento econômico.