Entenda o que diz o Artigo 6 do Acordo de Paris e por que ele é polêmico
Parte do acordo assinado em 2015, ele foi criado para ajudar os países a trabalharem juntos para reduzir a poluição que alimenta a crise climática
Após quase uma década de negociações, os líderes que participam da conferência climática das Nações Unidas que prossegue até 22 de novembro, no Azerbaijão, decidiram sobre alguns dos pontos mais delicados de um tema muito debatido, visando reduzir as emissões de gases de efeito estufa provenientes de combustíveis fósseis.
Conhecido como Artigo 6, ele foi estabelecido como parte do Acordo de Paris, assinado em 2015, para ajudar as nações a trabalharem juntas na redução da poluição causadora de mudanças climáticas.
Parte disso envolvia um sistema de créditos de carbono que permitiria que as nações que emitem gases de efeito estufa compensassem essas emissões em outros lugares.
No entanto, a aprovação do Artigo 6, no primeiro dia da conferência, foi criticada por grupos de defesa de direitos climáticos, sob o argumento de que os mercados de carbono permitem que grandes poluidores continuem com suas emissões, em detrimento das pessoas e do meio ambiente.
Entenda o que diz o Artigo 6 e como é o sistema de créditos de carbono que ele visa implementar.
O QUE É O ARTIGO 6?
O Artigo 6 surgiu pela primeira vez nas negociações de Paris, em 2015, quando líderes mundiais concordaram em tentar manter o aquecimento global abaixo de 1,5ºC em relação aos níveis pré-industriais.
Seu objetivo é definir como empresas e países podem negociar a redução de emissões de carbono para impedir que mais poluição seja lançada na atmosfera e para a captura de parte do CO2 no ar.
A ideia é criar mercados de carbono, permitindo que grandes poluidores compensem parte de suas emissões comprando créditos de carbono de países menos poluentes.
O Artigo 6 estabelece duas maneiras de se fazer isso. A primeira é que duas nações fixem suas próprias regras e padrões para as trocas de créditos de carbono. Alguns países já estão assinando acordos nesse sentido, como Singapura com as Filipinas, Costa Rica e Sri Lanka, Suíça com Gana, Peru e Ucrânia, entre outros.
A segunda opção cria um mercado internacional, administrado pela ONU, no qual qualquer pessoa pode comprar créditos de carbono.
A ideia por trás do Artigo 6 é que os países encontrem a maneira mais barata de reduzir as emissões, explica Isa Mulder, especialista em mercados globais de carbono do grupo de pesquisa Carbon Market Watch.
A esperança é que o Artigo 6 incentive a colaboração entre nações para que alcancem suas metas climáticas.
Mas o Artigo 6 é controverso, e isso levou a um atraso de anos. Na COP28, as negociações esbarraram em questões sobre transparência, regras sobre créditos que poderiam ser negociados e o que constitui um bom crédito de remoção de carbono.
“Existem outros problemas, como quando as comunidades locais não têm voz no projeto e são forçadas a se mudar”, lembra Mulder, referindo-se a esquemas de créditos de carbono baseados em plantio de árvores em terras indígenas habitadas, por exemplo.
O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, instou os negociadores a “concordar com regras para mercados de carbono justos e eficazes” e “não deixar espaço para greenwashing ou apropriação de terras”.
COMO ELE AJUDARIA A REDUZIR A POLUIÇÃO?
A esperança é que o Artigo 6 incentive a colaboração entre nações para que alcancem suas metas climáticas. Os países poderiam gerar créditos de carbono com base em projetos destinados a alcançar suas próprias metas climáticas – como proteger as florestas ou fechar usinas de energia movidas a carvão.
Empresas do setor privado ou países grandes emissores de carbono poderiam então comprar os créditos, o que lhes permitiria emitir uma certa quantidade de CO2 ou outros gases de efeito estufa. Empresas altamente poluentes seriam importantes clientes.
Cada crédito equivaleria a uma tonelada de CO2 ou ao equivalente de outros gases de efeito estufa que podem ser reduzidos no ar, sequestrados ou evitando sua emissão usando energia limpa.
O dinheiro proveniente dos créditos gerados iria para projetos locais. O preço por tonelada de carbono flutuaria no mercado, ou seja, quanto mais alto o valor, mais projetos verdes poderiam arrecadar fundos por meio de novos créditos gerados.
Com os mercados de carbono, países que reduzem suas emissões instalando projetos de energia limpa – como energia solar ou eólica – ou eletrificando sistemas de transporte público poderiam vender créditos.
Os críticos questionam se isso será eficaz e se preocupam que possa levar a problemas semelhantes aos vistos com o Protocolo de Kyoto, um pacto firmado em 1997 para que nações desenvolvidas reduzissem suas emissões de gases de efeito estufa aos níveis de 1990 e abaixo disso.
A iniciativa sofreu um grande golpe quando o governo dos EUA à época se retirou do acordo. “Há muita preocupação sobre se esse crédito realmente representa o que defende”, diz Mulder.
O QUE PODE SER DECIDIDO NESTA RODADA?
O acordo alcançado nesta segunda-feira é um empurrão inicial para o estabelecimento do Artigo 6, que a presidência da COP29 disse que priorizaria este ano.
Mas os líderes ainda precisam concordar em outros aspectos da questão, como regras sobre a negociação de créditos de carbono entre duas nações e os detalhes finais do mercado internacional, administrado pela ONU.
Cada crédito equivaleria a uma tonelada de CO2 ou ao equivalente de outros gases de efeito estufa.
Uma vez finalizado, o Artigo 6 poderia reduzir o custo de implementação dos planos climáticos nacionais em US$ 250 bilhões anuais, de acordo com estimativas da ONU. O presidente da COP29, Mukhtar Babayev, disse que o Artigo 6 “será uma ferramenta transformadora para direcionar recursos ao mundo em desenvolvimento.”
Mas as preocupações sobre como esses mecanismos funcionarão continuam. “O consentimento e a propriedade das comunidades sobre essas iniciativas não são apenas essenciais, mas também uma questão de respeito e inclusão”, diz David Nicholson, chefe de clima da Mercy Corps, organização sem fins lucrativos que trabalha com pobreza, clima e outras questões.
“Estamos preocupados que o acordo não ofereça proteções adequadas aos direitos humanos e enfraqueça os objetivos do Acordo de Paris, em vez de apoiá-los. Se essas questões não forem abordadas, a decisão pode permitir que o comércio de carbono tome o lugar dos compromissos genuínos e muito necessários de financiamento climático”, acrescentou.