Escassez de mão de obra: em breve, países estarão brigando por imigrantes
Com a queda nas taxas de natalidade, a competição por mão de obra estrangeira será inevitável nos países desenvolvidos

Na manhã de 10 de janeiro, quatro homens que trabalham em um armazém no centro de Los Angeles abasteciam apressadamente uma van com legumes e verduras. O restante do espaço, que normalmente estaria movimentado com cerca de 20 veículos, estava vazio.
O dono do local, um fazendeiro, informou, em uma ligação anterior, que agentes da Patrulha de Fronteira dos EUA haviam visitado sua propriedade um dia antes – assim como diversas outras fazendas da cidade de Bakersfield – em busca de trabalhadores sem documentação, incluindo aqueles homens.
Com medo de represálias, o fazendeiro pediu que nem ele, nem sua fazenda ou funcionários fossem identificados. “O impacto disso na produção de alimentos vai ser absurdo”, afirmou. “Eles estão fiscalizando todo mundo. Toda a infraestrutura alimentar do sul da Califórnia está sendo afetada.”
Segundo ele, normalmente há entre 15 e 18 trabalhadores no campo, mas, naquele dia, apenas cinco apareceram. A Califórnia é responsável por um quarto da produção de frutas, nozes e hortaliças dos EUA – culturas que ainda dependem majoritariamente de trabalho manual, pois não há automação suficiente. Neste momento, a colheita de laranjas, tangerinas, limões e outras frutas cítricas está em pleno andamento.
“Trump não quer que ‘terroristas’ entrem no país, mas também não permite que as pessoas colham os alimentos que todos nós consumimos. De onde ele acha que essa comida vai vir?”, questiona o fazendeiro.
A nova administração federal deveria estar se perguntando o mesmo. Em vez de tentar expulsar imigrantes, o governo pode, em breve, precisar de mais deles devido à escassez de mão de obra em diversos setores do país..
“Os Estados Unidos enfrentam um grande desafio demográfico: pela primeira vez na história, há mais pessoas se aposentando do que entrando no mercado de trabalho”, observa Hans Johnson, demógrafo do Instituto de Políticas Públicas da Califórnia (PPIC, na sigla em inglês).
Segundo o PPIC, o estado depende da entrada de trabalhadores de outras partes do país e também da imigração para impulsionar sua economia em expansão.
ESCASSEZ DE MÃO DE OBRA E ENVELHECIMENTO DA POPULAÇÃO
Essa tendência não é exclusiva dos EUA. Trata-se de um fenômeno global e de longo prazo: o número de trabalhadores está diminuindo. Um relatório de 2024 da Universidade de Washington aponta que as taxas de natalidade nos EUA e na maioria dos países desenvolvidos – incluindo o México – já estão bem abaixo do necessário para manter a população estável e devem continuar caindo.
Para que uma população se mantenha, a taxa de fertilidade total (TFT) precisa ser de 2,1 filhos por mulher. Em 2024, os EUA registraram uma taxa de 1,84, enquanto o México ficou em torno de 1,79.
O Brasil enfrenta situação parecida. Segundo as Projeções de População 2024 do IBGE, a taxa de fecundidade do país era de 2,32 filhos por mulher em 2000, recuou para 1,75 filhos por mulher em 2010 e chegou a 1,57 em 2023. Nos próximos anos, essa taxa deve recuar para 1,47 em 2030 e atingir seu ponto mais baixo em 2041, chegando a 1,44 filho por mulher
Se um número grande de trabalhadores for deportado ou ficar com medo de ir trabalhar, a escassez de mão de obra será grave.
O estudo da Universidade de Washington destaca que o mundo desenvolvido já enfrenta uma escassez de trabalhadores, o que pode ter um enorme impacto na economia. “Uma das soluções seria permitir a entrada de mais trabalhadores imigrantes ou, no mínimo, garantir que os que já estão aqui possam continuar trabalhando”, sugere Johnson.
Mas isso só será possível se os países revisarem suas políticas para imigrantes. Segundo o relatório, até 2050, mais de 75% das nações terão populações em declínio. A demanda por trabalhadores será altíssima.
“As mudanças nas taxas de natalidade e no número de nascimentos vão transformar a economia global e o equilíbrio de poder entre os países. Isso exigirá grandes ajustes sociais. O reconhecimento da importância da imigração e a criação de redes globais de apoio serão ainda mais cruciais à medida que a competição por imigrantes aumentar para sustentar o crescimento econômico”, explica a pesquisadora-chefe do estudo, Natalia V. Bhattacharjee.
Antecipando essa escassez de mão de obra, China e Rússia já estão fortalecendo seus laços econômicos com a África, onde as taxas de natalidade continuam altas.
SEM TRABALHADORES, SEM COLHEITA
"Os imigrantes na Califórnia, incluindo aqueles que estão aqui como cidadãos naturalizados, residentes permanentes legais e aqueles com status não autorizado ou temporário, representam quase um em cada três trabalhadores no estado", diz Johnson.
Estima-se que haja entre 500 mil e 800 mil trabalhadores agrícolas na Califórnia – um terço a metade de todos os trabalhadores agrícolas dos EUA. O gabinete do governador Gavin Newsom estima que 50% desses trabalhadores na Califórnia estão em situação irregular. Outras estimativas são ainda maiores.
Se um número grande de trabalhadores for deportado, ou ficar com medo de ir trabalhar, a escassez de mão de obra será grave. Os agricultores perderiam dinheiro ou iriam à falência. A arrecadação de impostos diminuiria. A produção de alimentos cairia. Uma cascata de problemas na cadeia de suprimentos elevaria os preços dos alimentos.

Na verdade, isso já aconteceu na história recente: em 2011, os estados da Geórgia e do Alabama aprovaram leis destinadas a expulsar trabalhadores indocumentados. Como resultado, colheitas que exigiam trabalho manual, como a de melancias e cebolas, apodreceram nos campos.
A Associação de Produtores de Frutas e Legumes da Geórgia relatou que 40% da força de trabalho necessária desapareceu, resultando em grandes perdas econômicas. O comissário de agricultura da Geórgia afirmou que incentivos financeiros não conseguiram atrair outros cidadãos para realizar esse trabalho exaustivo.
Estima-se que a Califórnia, sozinha, empregue de um terço a metade de todos os trabalhadores agrícolas dos EUA.
De volta a Los Angeles, Ana Alicia Huerta, advogada especializada em imigração e membro da Rede de Resposta Rápida do Condado de Kern, relata que as ações da Patrulha de Fronteira geraram “pânico na comunidade”.
Os agentes visitaram locais frequentados por latinos e levaram pessoas de ônibus para um centro de detenção em El Centro, próximo à fronteira com o México. Muitos não conseguiram entrar em contato com advogados ou buscar apoio, e poucos sequer conseguiram uma carona para voltar para casa após serem liberados.
Se as fazendas quiserem manter seus trabalhadores e evitar a escassez de mão de obra, alerta Huerta, todo o sistema de imigração precisará ser reformulado. “Do jeito que está, o sistema simplesmente não funciona”, diz ela. “Há muitas barreiras que dificultam a vida de quem quer construir um futuro nos EUA.”
Este artigo foi republicado do “Capital & Main”, que cobre questões econômicas, políticas e sociais na Califórnia. Leia o artigo original
Com informações da redação da Fast Company Brasil