Especialistas climáticos apostam no sucesso das tecnologias “limpas”

Primeiro passo: substitua seus dispositivos movidos a combustível fóssil quando eles quebrarem

Crédito: Alfo Medeiros/ Pexels

Rob Pegoraro 5 minutos de leitura

Para alguém que passou toda a sua carreira alertando o mundo sobre a urgência da mudança climática, a pesquisadora de política ambiental Leah Stokes surpreende pelo seu otimismo. 

“Não estou pedindo para as pessoas deixarem de lavar suas roupas, de preparar sua comida, de andar de carro” disse Stokes, professora associada da Universidade da Califórnia, à multidão no SXSW (conferência realizada no início de março). “É para continuar vivendo bem, galera! Mas vamos fazer isso em um sistema que não emita poluição pelo caminho.”

Os especialistas estão cada vez mais rejeitando a visão apocalíptica de que a humanidade já estaria condenada. 

A acadêmica conseguiu escapar do clichê das recomendações mais comuns sobre mudança climática – que sugerem ações individuais muito específicas para reduzir a pegada de carbono, como mudar radicalmente a alimentação –, indicando a adoção de política mais simples: “eletricidade limpa e mais eletrificação”.

O primeiro passo é simplesmente parar de comprar eletrodomésticos e carros movidos a combustíveis fósseis e substituí-los por alternativas elétricas. É trocar o forno a gás por um forno elétrico, o carro a gasolina por um veículo elétrico. As máquinas movidas a combustível não apenas geram diretamente poluição de carbono como são muito menos eficientes do que os equipamentos elétricos.

O efeito multiplicador em todos esses investimentos individuais será a desativação contínua de usinas movidas a combustíveis fósseis (nos países em que elas são maioria) e sua substituição por fontes renováveis. “E tenho outra boa notícia para vocês: essas máquinas ficam mais limpas a cada ano”, acrescentou.

A palestra de Stokes representa uma mudança para o que poderíamos chamar de “agenda de abundância”. Ela contrasta com os tons de culpa e autoprivação da abordagem da pegada de carbono – um conceito em si parcialmente popularizado por campanhas publicitárias que fazem greenwashing.

JÁ EXISTEM OPÇÕES VIÁVEIS

Mas a obsessão com a pegada de carbono individual pode não apenas desviar a atenção das indústrias de combustíveis fósseis como também induzir ao desespero aqueles que tentam se responsabilizar sozinhos por essa matemática complicada.

Em 2008, pesquisadores do MIT calcularam que mesmo “um sem-teto que comia em bandejões e dormia em abrigos nos EUA” teria uma pegada de carbono anual de mais de nove toneladas.

Isso levou a uma réplica por parte dos defensores do clima. Eles têm apontado que votar em candidatos ambientalmente inteligentes, que vão pressionar por mudanças sistêmicas, é uma resposta muito mais eficaz do que reciclar o lixo doméstico ou comer menos carne.

Existem várias opções viáveis e eficazes para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e se adaptar às mudanças climáticas causadas pelo homem.

Mais recentemente, essa discussão levou a outra mudança no pensamento sobre o clima. Os especialistas estão cada vez mais fazendo questão de rejeitar a visão apocalíptica de que a humanidade já estaria condenada. 

“Acho que alguns antigos defensores do clima foram marginalizados pela depressão climática”, pondera Michael Mann, diretor do Penn Center para Ciência, Sustentabilidade e Mídias, da Universidade da Pensilvânia.

A visão pessimista não é apenas paralisante, mas também está desatualizada: não precisamos inventar coisas novas para tirar os combustíveis fosseis do centro das nossas vidas. A energia eólica e a solar são agora as opções mais baratas de novas instalações para eletricidade na maioria dos países, e os veículos elétricos estão no caminho certo para superar o preço de mercado de veículos a gás nos EUA – e já custam menos para operar.

Todas essas mudanças estão tornando a tecnologia limpa uma escolha economicamente viável, mesmo que alguns líderes políticos façam o possível para mascarar os números da energia renovável. “O único obstáculo no momento é a política, não é nem a física nem a tecnologia”, diz Mann.

O relatório mais recente do  Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas expôs a realidade de forma direta: “Existem várias opções viáveis e eficazes para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e se adaptar às mudanças climáticas causadas pelo homem, e elas já estão disponíveis”.

Isso é uma resposta ao desempenho do relatório de 2018 do IPCC. Ele recomendava o corte de emissões de carbono de 40% a 60% até 2030, mas acabou se tornando um disparador do pessimismo, porque a cobertura da mídia resumiu essa prescrição na manchete “só temos 12 anos para salvar o planeta”.

Mann diz que percebeu que a mentalidade pessimista havia se tornado um problema depois de algumas de suas próprias palestras. “As pessoas me diziam que ficavam deprimidas depois. Eu estava descrevendo o problema, mas não as soluções.”

GRANDES OBSTÁCULOS

Stokes tem trabalhado com uma organização sem fins lucrativos voltada para soluções chamada Rewiring America para dissipar o desânimo. “A lamentação é contraproducente do ponto de vista psicológico”, diz a chefe de comunicação da Rewiring, Sarah Lazarovic. “Sabemos que o pessimismo está profundamente enraizado na espiral do combustível fóssil e na mídia”.

não precisamos inventar coisas novas para tirar os combustíveis fosseis do centro das nossas vidas.

O grupo trabalha para explicar como utensílios domésticos elétricos tiram proveito do aumento da energia renovável. “Podemos ter qualidade de vida usando metade da energia”, diz Lazarovic.

Mas há alguns obstáculos que não podem ser resolvidos rapidamente, somente com uma engenharia melhor ou com créditos fiscais. Um deles é o custo inicial de um novo aparelho elétrico, por exemplo. Por isso, a compensação de carbono mais eficaz não seria empresas plantando árvores, mas sim subsidiando essa substituição para populações de baixa renda.

Outro obstáculo enorme são os governos que podem simplesmente ignorar as demandas de economia limpa porque não precisam responder aos eleitores ou porque organizaram a política para que precisem responder apenas aos eleitores que escolherem. "Não há caminho para uma ação climática significativa que não passe pela democracia”, alerta Mann.

Além disso, a eletrificação não é uma solução tão simples para grande parte da indústria de transporte, especialmente para o ramo das viagens aéreas. A maioria dos voos continuará a depender de combustível de aviação, mesmo que mesclada a uma quantidade pequena, mas crescente, de fontes sustentáveis.

Embora a adoção de energia renovável continue superando as estimativas, atingir a meta de redução de 40% a 60% até 2030 parece um pouco menos impossível a cada dia.


SOBRE O AUTOR

Rob Pegoraro é jornalista e escreve sobre computadores, gadgets, mídias sociais, aplicativos e outras coisas que pisquem ou bipem. saiba mais