Esta montadora quer revolucionar a produção de veículos elétricos
A fabricação de veículos elétricos é extremamente intensiva em carbono. Mas uma empresa sueca quer provar que é possível melhorar
Em outubro passado, quando a Volvo apresentou o primeiro veículo elétrico do mundo feito de aço sem combustíveis fósseis, muita gente que esperava ansiosamente por esse lançamento ficou decepcionada. Embora a maior parte do veículo tivesse sido fabricada com aço verde – feito de energia de hidrogênio, e não de carvão –, algumas de suas partes ainda haviam sido fabricadas com aço tradicional, incluindo o motor elétrico.
O que esse lançamento deixou claro é que leva muito tempo e dá muito trabalho para refazer um único componente de um veículo sem utilizar fontes fósseis – e que até mesmo as grandes empresas de automóveis tradicionais estão dando passos lentos e incrementais para a descarbonização total.
Mas uma fabricante sueca de motocicletas não está seguindo o caminho incremental. Trata-se da Cake, que assumiu a meta ambiciosa de produzir um veículo elétrico quase totalmente livre de combustíveis fósseis até 2025. Seu produto promete ser o mais limpo do gênero.
Embora os VEs (veículos elétricos) sejam mais limpos a longo prazo, sua produção emite muito mais carbono do que seus equivalentes a gás. Para a Cake, produzir sua moto elétrica exigirá o corte de carbono de vários processos, desde a mineração de lítio até o transporte e a fabricação, o que vai demandar tempo e colaboração com vários parceiros.
A fabricação da moto da Cake não será – e, realisticamente, não tem como ser – totalmente livre de combustíveis fósseis. Mas, de qualquer forma, o maior objetivo da empresa é compartilhar suas descobertas e fracassos com outros players do setor de transporte e mostrar como chegar perto de zero carbono é possível.
O processo será de tentativa e erro, explica Stefan Ytterborn, fundador e CEO da Cake, e a transparência será fundamental. O projeto será totalmente de código aberto. A empresa vai relatar seu progresso a cada seis semanas, a fim de mostrar aos outros fabricantes de veículos, e até aos concorrentes, seus sucessos e desafios.
Ytterborn é franco ao admitir que a motocicleta elétrica não será completamente livre de fontes fósseis. A moto off-road atual da Cake, a Kalk – que será remodelada na versão 2025 –, emite cerca de 1.186 quilos de carbono durante a produção. A Cake calcula que essa emissão é cerca de 20 vezes maior do que a da produção de um quilo de carne bovina, mas cerca de 30 vezes menor do que um carro elétrico de médio porte.
O plano é reduzir esse número passo a passo. Chegar a algum número entre 75% e 80% livre de fósseis seria “uma diferença significativa”, prevê Ytterborn.
DESCARBONIZANDO CADA COMPONENTE
Em breve, os veículos elétricos serão generalizados, com uma estimativa de 145 milhões nas estradas até 2030, acima dos cerca de 16,5 milhões de agora. Diversos países, incluindo Grã-Bretanha e Holanda, prometeram proibir a venda de carros movidos a gasolina até 2030, e a Califórnia até 2035.
Mas os VEs de hoje só são livres de fósseis do tubo de escape para fora. Embora sejam consideravelmente melhores para o meio ambiente durante sua vida útil, a produção em si é cerca de 60% mais intensiva em carbono do que a de veículos a combustão.
Isso se deve, em grande parte, à fabricação das baterias. A mineração e o refino de lítio consomem muita energia – incluindo a extração feita na América do Sul e na África –, bem como o transporte para refinarias e fábricas de baterias na China e, posteriormente, para montadoras de automóveis em todo o mundo.
Depois disso tudo, para carregar e usar o veículo, a produção de carbono vai depender da rede elétrica em qualquer área, que pode ser completamente renovável ou totalmente movida a combustível fóssil.
Essa é uma corrente de problemas longa demais para a Cake enfrentar sozinha, por isso os parceiros são tão fundamentais. A principal colaboradora será a Vattenfall, empresa multinacional de energia com 113 anos, de propriedade do Estado sueco. O foco da Vattenfall é a descarbonização, com o objetivo de atingir a meta zero líquido até 2040.
A Vattenfall trará para o projeto sua rede de contatos de mais de 36 mil fornecedores. A empresa já descarbonizou, por exemplo, o aço em um projeto chamado HYBRIT, uma colaboração com a siderúrgica sueca SSAB e a mineradora LKAB (o mesmo aço usado no veículo autônomo Volvo).
Annika Ramsköld, vice-presidente de sustentabilidade corporativa da Vattenfall, é ainda mais otimista do que Ytterborn, e aposta que a motocicleta elétrica poderá ser até 90% livre de fósseis. Ela enfatiza que o projeto também é uma maneira de promover novas empresas que estão na vanguarda da tecnologia inovadora.
A Cake também já começou a trabalhar com a Papershell, uma startup que desenvolveu um substituto feito de papel para o plástico e a fibra de vidro comumente utilizados nas bicicletas elétricas. À medida que a empresa ajuda a pilotar essas novas tecnologias, ela dará às startups uma plataforma para que seu trabalho verde possa ser adotado mais amplamente.
O mais importante é que o projeto Cake vai mostrar às outras empresas o que pode ser feito – para dar a elas “um pontapé inicial para realmente decolar e seguir na direção certa”, diz Ramsköld.
Além disso, o projeto faz questão de não incluir compensações de carbono em suas metas. Ytterborn critica as empresas que alegam neutralidade usando créditos de carbono, pois acredita que elas não estão fazendo o seu trabalho.
“A maioria das empresas automotivas não estão alinhadas com o objetivo de realmente trazer uma alternativa séria para os motores de combustão”, diz ele, mas sim em capitalizar a tendência da eletrificação. “Há muito greenwashing por aí.”
O CEO da Cake prefere ser claro sobre o que eles não vão conseguir fazer, pois acredita que uma meta só é válida se for alcançável. Talvez as energias não renováveis sejam necessárias em pequenas quantidades para garantir o bem-estar do motociclista. “Quem iria querer comprometer a segurança do motorista substituindo a borracha por outro material limpo?”, questiona.
Até a identificação dessas áreas problemáticas estimulará mais pesquisas. “Haverá descobertas que ativaremos e implementaremos. E haverá problemas sobre os quais chegaremos à conclusão de que ‘é impossível resolver agora'. Vou ser muito honesto em relação a isso.”