Este concreto feito de conchas captura água e ajuda a prevenir enchentes

Material também ajuda a reduzir o desperdício de alimentos em hortas urbanas e o acúmulo de água da chuva em ciclovias

Créditos: Lau For Ning/ Unsplash/ kues1/ Freepik

Ayurella Horn-Muller 3 minutos de leitura

Uma equipe de cientistas da Universidade de Lancashire, no Reino Unido, desenvolveu um concreto permeável utilizando cimento, agregados – como cascalho e pedra – e resíduos de conchas de moluscos.

O material é criação de Karl Williams, diretor do Centro de Gestão de Resíduos da universidade. Sua busca por transformar o que normalmente é visto como lixo em recursos valiosos o levou a experimentar o uso de conchas descartadas pela indústria pesqueira para melhorar o ambiente construído.

Quando trituradas, as conchas de vieiras e búzios formam partículas que aumentam a porosidade do concreto permeável, permitindo que a água passe por ele em vez de se acumular na superfície.

Em áreas urbanas costeiras, onde as inundações são cada vez mais frequentes devido às mudanças climáticas e à falta de áreas verdes, o concreto poroso age como uma esponja, absorvendo a água e a liberando gradualmente no solo.

Para Williams, o uso de conchas descartadas para mitigar enchentes é atraente porque também ajuda a reduzir os impactos climáticos tanto do desperdício de alimentos quanto da construção tradicional.

O setor de construção civil e os ambientes urbanos representam mais de um terço das emissões globais de gases de efeito estufa – a indústria do cimento sozinha responde por cerca de 8% das emissões de carbono do planeta, enquanto o desperdício de alimentos é responsável por pelo menos mais 8%.

O impacto ambiental dessas indústrias foi o que inspirou Williams a desenvolver o concreto permeável feito com conchas de origem local, como parte de um projeto de pesquisa multinacional financiado pela União Europeia.

“Há um grande esforço para utilizar materiais alternativos”, diz Williams, ressaltando que as indústrias da construção civil e de alimentos são dois setores que “geralmente não se comunicam”. 

Ele descreve o concreto feito a partir de conchas, que começou a desenvolver em 2018, como “uma ponte para que ambas as indústrias repensem o lixo que produzem, os produtos que fabricam e como podem trabalhar juntas”.

SOLUÇÃO QUE VEM DO MAR

Quanto mais resíduos reciclados se usa em um material de construção como o cimento, menor é a pegada de carbono do processo de produção. Substituir os agregados por materiais alternativos pode reduzir as emissões provenientes da extração, processamento e transporte.

Embora as conchas adicionadas à mistura de concreto aumentem a porosidade e a resistência à compressão e reduzam em 20% o peso dos agregados utilizados, Williams e sua equipe ainda não conseguiram tornar o material totalmente neutro em carbono.

Em um mundo em aquecimento, o concreto feito com conchas pode se tornar uma das muitas soluções locais para ajudar a indústria da construção civil a se adaptar.

Crédito: leftcoast.org

A equipe de Williams está agora mapeando onde, fora do Reino Unido, é possível encontrar os tipos de moluscos necessários para o concreto, para entender melhor onde essa técnica poderia ser aplicada. Cada local apresenta seus próprios desafios de engenharia, já que diferentes tipos de conchas se fragmentam de maneiras distintas, o que afeta a porosidade do produto.

Portanto, o que funciona em uma horta urbana em Blackpool, na Inglaterra – uma cidade litorânea rica em berbigões e búzios –, ou em uma ciclovia próxima ao litoral da França, onde vieiras são abundantes, pode não funcionar em outros lugares.

Já se passaram mais de oito meses desde que o People’s Pantry, uma horta comunitária que também funciona como uma despensa de alimentos frescos em Blackpool, instalou o concreto feito de conchas, e este é o primeiro período de cultivo em anos em que eles não enfrentaram enchentes.

“Não houve acúmulo de água na superfície”, conta Helen Jones, diretora de operações da LeftCoast, que administra a horta comunitária. “Tivemos algumas chuvas bem intensas, mas a água não ficou retida”.

Este artigo foi publicado originalmente na “Grist”, organização de mídia independente e sem fins lucrativos especializada na questão climática.


SOBRE A AUTORA

Ayurella Horn-Muller escreve para a Grist, organização independente de mídia que trata da crise climática e de soluções para o futuro. saiba mais