Este petisco transforma pets em aliados do meio ambiente

Carpas invadiram um rio nos EUA – e uma startup quer ajudar transformando esses peixes em ração

Este petisco transforma pets em aliados do meio ambiente
Créditos: Keith Arnold/WWF-EUA

Adele Peters 4 minutos de leitura

Um novo petisco da Pezzy, startup de ração para pets com foco em sustentabilidade, é feito com um único ingrediente: carpa-prateada selvagem pescada no Rio Mississippi, o segundo maior dos Estados Unidos.

Essas carpas são uma espécie invasora que tem causado sérios danos à fauna local. A Pezzy é uma das poucas marcas que estão aproveitando o peixe como um ingrediente saudável para petiscos para animais de estimação– ou seja, seu cão ou gato pode ajudar a combater esse problema ambiental.

Segundo Mike Mitchell, fundador da Pezzy Pets, que também produz petiscos com outras espécies, como peixe-diabo e peixe-leão, é possível “criar uma indústria sólida em torno de espécies invasoras”.

O PROBLEMA DAS CARPAS

As carpas foram introduzidas nos EUA nos anos 1970 para ajudar na limpeza de viveiros de piscicultura. Mas o plano logo saiu do controle: durante enchentes, os peixes escaparam para os rios. Sem predadores naturais, eles se multiplicaram rapidamente e passaram a competir com espécies nativas por alimento, afetando todo o ecossistema.

“Elas estão dizimando peixes nativos e prejudicando a qualidade da água”, afirma Julia Kurnik, diretora sênior de startups de inovação do Instituto de Mercados do WWF (Fundo Mundial para a Natureza). Em junho, a organização divulgou um relatório analisando como a indústria de alimentos para pets pode ajudar a enfrentar esse problema. 

Em alguns trechos do Rio Mississippi, as carpas já representam até 95% da biomassa

Em alguns trechos do Rio Mississippi, as carpas já representam até 95% da biomassa. Esses peixes podem chegar a pesar 45 kg e são conhecidos por saltar da água, atingindo embarcações. Como a carpa não faz parte dos hábitos alimentares dos norte-americanos, o interesse pela pesca na região Centro-Oeste do país diminuiu – afetando inclusive a indústria da pesca esportiva, avaliada em US$ 10 bilhões.

POR QUE A MAIORIA DAS CARPAS NÃO É PESCADA NOS EUA

Alguns estados tentaram incentivar o consumo humano da carpa. O Departamento de Recursos Naturais de Illinois, por exemplo, tentou rebatizá-la de “copi” (em referência à palavra em inglês “copious”, que significa “abundante”) e promoveu seus benefícios nutricionais. A carpa tem um sabor suave, é rica em proteínas e ômega-3, possui muitos minerais e vitaminas essenciais e níveis baixos de toxinas.

Mas a quantidade de espinhos dificulta o preparo em filés – como os consumidores norte-americanos estão acostumados. Além disso, convencer as pessoas a incluir peixes diferentes na dieta não é tarefa fácil. A Pezzy até tentou lançar snacks voltados para humanos.

“A história despertava interesse – o impacto ambiental, o envolvimento das comunidades…”, lembra Mitchell. “Mas convencer alguém a comer o que eu chamaria de ‘peixe esquisito’ não é simples.”

Parte da carpa também é usada na produção de fertilizantes, mas essa alternativa oferece pouco retorno financeiro, o que limita a escala. Já a produção de ração para pets surge como uma opção mais promissora.

CARPA NA RAÇÃO PARA PETS

Hoje, a maioria das rações é feita com subprodutos da indústria da carne. Isso é bom porque evita o desperdício. No entanto, com o aumento no número de animais de estimação nos EUA, a demanda já supera a oferta desses subprodutos. “A procura por ração está crescendo mais rápido do que a disponibilidade desses ingredientes”, explica Kurnik.

Além disso, muitos tutores estão buscando alimentos com padrão de qualidade humana para seus pets – o que significa produzir mais carne e gerar mais impacto ambiental. “Em vez de usar carne bovina, a carpa pode ser uma alternativa muito mais sustentável – uma proteína fresca, nutritiva, produzida localmente, exatamente o que muitos tutores procuram”, afirma ela.

O problema é que a cadeia produtiva da indústria pet ainda não está preparada para lidar com carpas. A oferta também é limitada. Algumas marcas menores, como Pezzy, Archway, Chippin e Wilder Harrier, já conseguem utilizá-las em lotes pequenos. Mas, para as grandes fabricantes, ainda é difícil incorporá-las à produção em escala.

“É o clássico dilema do ‘ovo ou a galinha’: é difícil conseguir investimento para montar uma estrutura de processamento sem demanda. E, ao mesmo tempo, a indústria não vai se interessar antes de haver uma oferta estável e de qualidade”, explica Kurnik.

O WWF tem atuado como articulador entre os diferentes agentes do setor para acelerar esse processo. “Estou otimista de que vamos ver avanços no processamento e, com isso, atrair grandes empresas de ração”, afirma.

Hoje, quatro espécies de carpas já estão tão presentes nos rios dos EUA que erradicá-las não é mais viável. “Mas é possível reduzir sua densidade, o que ajudaria a recuperar a biodiversidade”, avalia Kurnik. “Não dá para eliminar totalmente as carpas, mas podemos reduzir a população a um ponto em que as espécies nativas consigam se restabelecer.”

Esse modelo também pode servir de inspiração para lidar com outras espécies invasoras, como a alga japonesa e o caramujo-maçã.


SOBRE A AUTORA

Adele Peters é redatora da Fast Company. Ela se concentra em fazer reportagens para solucionar alguns dos maiores problemas do mundo, ... saiba mais