Estudo mostra como Brasil pode zerar emissão de carbono até 2040

País chega à COP30 com um modelo tropical para liderar a transição climática, mas ainda precisa transformar a promessa em financiamento e ação direta

contraste entre cenário cinzento do ambiente urbano e o verde da floresta
Créditos: Ranimiro Lotufo Neto/ Brasil2/ Getty Images

Camila de Lira 8 minutos de leitura

A 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-30) começa em Belém no dia 10 pressionada pelo relógio e pelo termômetro. O prazo para conter os efeitos da crise climática se esgota, as metas globais seguem distantes e os biomas tropicais estão à beira do colapso.

Diante desse cenário, o Brasil tenta liderar pelo exemplo e chega à conferência com um estudo que propõe zerar as emissões de carbono  até 2040 e com o Tropical Forests Forever Facility (TFFF), fundo internacional criado para financiar permanentemente a preservação das florestas tropicais. 

O mundo chega à COP-30 com a temperatura média 1,5 °C mais alta em relação à era pré-industrial, temperatura acordada que deveria ser o limite de alta segundo o Acordo de Paris. Acima dessa marca, os cientistas alertam que eventos climáticos extremos se tornam mais frequentes.

Em relatório publicado esta semana pela Organização das Nações Unidas (ONU), as projeções não são nada animadoras. Caso os países cumpram as metas de emissão de CO2 – ou seja, caso tudo “dê certo”–, o planeta caminha para um aumento de 2,3 °C a 2,5 °C até o fim do século.

Não são variações nada pequenas e desprezíveis, explica o principal climatologista do país e um dos cientistas brasileiros mais conhecidos mundialmente, Carlos Nobre. Cada 0,1 grau acima dos 1,5ºC já adiciona instabilidades ao planeta Terra, até atingir consequências irreparáveis, como o “não retorno” de sistemas inteiros.

“Um cenário em que a temperatura média aquece mais do que 2,5ºC é um risco gigantesco. Podemos começar a sexta grande extinção em massa da Terra", diz o cientista.

De acordo com a ONU, se os países continuarem com as políticas em vigor, sem atingir as metas e com os objetivos mais soltos,  o mundo caminha para um aquecimento de  2,8°C. Nesse sentido, aumenta a urgência de neutralizar as emissões de CO2 o quanto antes. 

Lideres posam para a foto de família durante a COP30 em Belém
Lideres posam para a foto de família na COP30, em Belém (Crédito: Hermes Caruzo/ COP30)

Os prazos “oficiais” de neutralidade de carbono variam: a China e a Rússia prometem chegar lá em 2060; a Índia, em 2070. O Brasil e a União Europeia, considerados mais avançados no assunto climático, estabelecem compromisso de zerar as emissões até 2050.

Mas há quem acredite que o país pode ir além. Um grupo formado por cinco dos principais climatologistas brasileiros, entre eles Carlos Nobre,  afirma que o Brasil tem condições de antecipar em uma década a meta global de neutralidade e chegar ao carbono zero em 2040.

estudo calcula que conservar 80% da Amazônia custaria de US$ 1,7 bilhão a US$ 2,8 bilhões anuais.

O estudo Brasil Net Zero 2040, coordenado pelo Instituto Amazônia 4.0 e apresentado esta semana na Academia Brasileira de Ciências, mostra que isso seria possível com base em um modelo de transição tropical: um plano que combina eletrificação, biocombustíveis avançados, uso mais intensivo da terra e restauração florestal. 

A proposta é evitar que o país copie o modelo de descarbonização do Norte Global – centrado apenas na eletrificação e na mudança de matriz energética – e use suas próprias vantagens, como biodiversidade, matriz energética limpa e território florestal, como base para uma economia regenerativa.

“Não é apenas uma meta climática, mas uma estratégia de desenvolvimento”, disse Nobre durante a apresentação. “O Brasil tem o potencial de ser o primeiro país de grande território a alcançar emissões líquidas zero, mostrando ao mundo que há um caminho tropical para o carbono zero.”

FLORESTA EM PÉ. SIMPLES, PORÉM COMPLICADÍSSIMO

Os cientistas brasileiros trabalharam com dois cenários para chegar ao “net-zero”. Em um, a transformação viria do setor de energia, com o abandono total do uso de combustíveis fósseis e troca por biocombustíveis.

Em outro, o balanço chegaria por meio do uso e manejo da terra, usando técnicas de agricultura regenerativa e sistemas de produção integrados. Em ambos, um fator em comum: as florestas preservadas.

Para chegar à neutralidade, o Brasil precisaria zerar o desmatamento ilegal de todos os seus biomas até 2030. E recuperar áreas entre 20 e 30 milhões de hectares de áreas degradadas até 2040 (curiosamente, 30 milhões de hectares correspondem ao que o Brasil perdeu de mata nativa para incêndios em 2024).

O reflorestamento contribuiria com a captura de 340 milhões de toneladas de CO2 em 2040. É aí que mora o desafio.

clareira na floresta amazônica aberta por extração de madeira
Crédito: Getty Images

De acordo com dados do Projeto de Monitoramento do Desmatamento da Amazônia Legal por Satélite (Prodes), houve queda de 11% nas áreas desmatadas da Amazônia e de 11% no cerrado de entre 2024 e 2025. Isso não quer dizer que a floresta está bem.  Outro monitoramento do Imazon mostra que houve cinco vezes mais áreas degradadas na Amazônia em 2024 do que em 2023. 

A recuperação de áreas degradadas é lenta e, segundo a professora da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (ESALQ/ USP) e pesquisadora que assina o Brasil Net-Zero 2040, Nathália Nascimento, restaurar a floresta é um processo custoso e longo. “Você não recupera o que foi desmatado”, diz.

No mapa para chegar à recuperação, entram ferramentas para analisar a quantas anda a regeneração dos espaços. O Brasil terá que incentivar a criação de um sistema de monitoramento da regeneração das florestas. Atualmente, os sistemas de satélite estão focados em observar áreas públicas desmatadas. 

QUEM PAGA E QUEM APAGA?

De acordo com levantamento feito pela organização global de conservação do meio ambiente The Nature Conservacy, recuperar florestas pode custar até US$ 1,2 bilhão ao ano. Outro estudo, assinado pelo pesquisador brasileiro José Maria Cardoso da Silva, da Universidade de Miami, calcula que conservar 80% da Amazônia custaria ao Brasil de US$ 1,7 bilhão a US$ 2,8 bilhões anuais. 

Com objetivo de criar uma nova ferramenta de financiamento para conservação, o Brasil lançou o fundo Tropical Forests Forever Facility (TFFF). É uma proposta para garantir dinheiro permanente para os países tropicais que mantêm suas florestas de pé, transformando a conservação em parte da economia global. 

Apresentado antes do começo da COP30, o fundo já tem US$ 5,6 bilhões e participação de cinco países: Noruega, Indonésia, França, Portugal e Holanda . A proposta é captar, pelo menos, US$125 bilhões.

O reflorestamento contribuiria com a captura de 340 milhões de toneladas de CO2 em 2040.

Os lucros gerados pelo fundo serão repassados a países com florestas tropicais. Cerca de 20% serão destinados para povos originários. A ideia seria financiar, no mínimo, US$ 4 por hectare de floresta intacta.

Para Taciana Stec, especialista em políticas públicas climáticas do Instituto Talanoa (organização que atua na formulação e avaliação de políticas ambientais no Brasil), o financiamento é um gargalo que precisará ser discutido na COP30. Não se trata apenas de levantar dinheiro, mas de garantir que ele chegue a quem está na linha de frente. 

“Instituir métodos de pagamento por serviço ambiental é um exemplo prático. Incentivos financeiros para promover a bioeconomia, promover empregos verdes para, de fato, ter incentivo para fora da economia extrativista da terra”, diz Taciana. 

Essa mudança de lógica, que ajuda a fazer o dinheiro chegar a quem mantém a floresta viva, também é defendida por quem atua diretamente no território.

Crédito: Marcelo Camargo/ Agência Brasil

Para Osmar Bambini, CIO da climatech umgrauemeio, que usa inteligência artificial para prevenir e combater incêndios florestais, a floresta em pé não é um conceito abstrato, mas um sistema vivo que precisa de tecnologia e renda para continuar existindo.,

“Parte do nosso trabalho transcende a tecnologia. Se eu não gerar um brigadista equipado, treinado, com salário, seguro e dignidade, que viva da economia local – seja da bioeconomia, do turismo ou da floresta – não há proteção possível", alerta.

Tal modelo também precisa ser espelhado para a conservação de florestas no momento de urgência climática. “O mundo está pegando fogo, no sentido figurado e físico”, diz Bambini. 

O MAPA POSSÍVEL

Nos modelos criados pelos cientistas, o Brasil não seria apenas neutro em carbono: seria capaz de remover mais CO₂ do que emite. O equilíbrio viria da combinação entre restauração florestal, agricultura regenerativa e uso de biocombustíveis.

Em um dos cenários desenhados pelos cientistas do Brasil Net-Zero 2040, apenas 18% dos biocombustíveis são tecnologicamente avançado.  Em outro dos cenários, os biocombustíveis líquidos se tornam o núcleo da economia brasileira.

Para Roberto Schaeffer, professor líder do Programa de Planejamento Energético da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que está entre os coordenadores do Brasil Net-zero 2040, o cenário é possível.

Sessão plenária geral dos líderes da COP30
Sessão plenária geral dos líderes da COP30 (Crédito: Ueslei Marcelino/ COP30)

O Brasil faz isso, em parte, com o etanol. O país tem sistemas agrícolas para ter matéria-prima para o biocombustível (como soja e celulose), além de tecnologia para pesquisar além.

Schaeffer cita como exemplo o BECCS (Bioenergia com Captura e Armazenamento de Carbono), que consiste em gerar energia a partir de biomassa e capturar o CO₂ emitido no processo, armazenando-o de forma permanente no subsolo. 

Para chegar à neutralidade, o Brasil precisaria zerar o desmatamento ilegal de todos os seus biomas até 2030.

“Existe também o diesel verde, a partir de biomassa. Seria possível adaptar algumas refinarias existentes [de petróleo] para processar biomassa. Desfossilizar o combustível”, aponta Schaeffer.

O mesmo país que lidera a COP30 e estuda esses tipos de combustíveis é o que liberou estudos para explorar petróleo na foz do rio Amazonas, na faixa de oceano que se estende do Amapá ao Rio Grande do Norte.

Entre o colapso e a chance, o Brasil chega à COP30 com um papel que é, ao mesmo tempo, símbolo e prova: o de mostrar que há outro caminho para o futuro um caminho traçado pela floresta, pelas comunidades e pelos trópicos. O futuro pode ser redesenhado do lado de baixo do Equador.


SOBRE A AUTORA

Camila de Lira é jornalista formada pela ECA-USP, early adopter de tecnologias (e curiosa nata) e especializada em storytelling para n... saiba mais