Farmácias encontram um jeito de evitar o desperdício de medicamentos
Farmácias na Holanda estão compartilhando medicamentos parados no PharmaSwap
De um lado, uma farmácia com escassez de medicamentos para os pacientes que precisam. Do outro, uma com sobra daqueles que estão prestes a vencer. Para combater esse desequilíbrio, faz tempo que muitos farmacêuticos na Holanda compartilham medicamentos informalmente uns com os outros, comunicando-se por grupos de WhatsApp ou redes de e-mail e enviando o material pelo correio.
Em 2019, dois farmacêuticos decidiram formalizar este conceito de compartilhamento farmácia-a-farmácia, criando basicamente um marketplace de medicamentos. O PharmaSwap tem ajudado a reduzir o desperdício de cerca de US$ 122 milhões em medicamentos todos os anos apenas na Holanda, cortando custos para os consumidores e diminuindo significativamente o tempo de espera dos pacientes.
Embora tenha sido lançada primeiro por meio de um piloto clandestino, a fim de contornar as rigorosas leis da União Europeia, a plataforma foi oficialmente lançada em 2021 e agora deve se expandir para outros países da UE.
O PharmaSwap tem ajudado a reduzir o desperdício de cerca de US$ 122 milhões em medicamentos todos os anos.
Para ajudar a construir a plataforma, os farmacêuticos de Amsterdã Jelmer Faber e Piter Oosterhof contaram com a FLOOW2, uma empresa que constrói plataformas de compartilhamento B2B para empresas e governos, principalmente na área de saúde.
O processo de compartilhamento de medicamentos parecia simples: um usuário criava uma conta e a plataforma verificava se ele é mesmo um farmacêutico. Eles listariam os itens encalhados – por exemplo, pílulas ou vacinas que, de outra forma, seriam desperdiçadas (mas que, de preferência, só vão vencer dali a dois meses) – em um banco de dados pesquisável.
Outros farmacêuticos que precisassem desses mesmos medicamentos poderiam entrar em contato. Juntos, eles concordam com um preço e um serviço de correio coleta e transporta os itens.
Mas havia um obstáculo considerável para a PharmaSwap: a plataforma era ilegal. De acordo com a legislação da UE, apenas atacadistas com licença estão autorizados a vender medicamentos a farmacêuticos. Estes, por sua vez, podem vender apenas para pacientes.
PROJETO PILOTO SECRETO
Ainda assim, a intenção era mostrar às autoridades que o problema existia, na tentativa de mudar a legislação. Eles então começaram um “piloto secreto”, com 20 farmacêuticos, conta Lieke van Kerkhoven, cofundadora do FLOOW2. Era um risco, mas eles estavam confiantes de que poderiam influenciar o status quo, porque “as pessoas realmente ficam tocadas com o desperdício de medicamentos”.
“Todo mundo conhece alguma história de um parente que morreu e a família precisou jogar todos aqueles remédios caros no lixo”, diz ela. Embora esse tipo específico de desperdício não seja abordado pela PharmaSwap, o projeto tinha grandes chances de influenciar a opinião pública e, por tabela, os legisladores.
Um dos pontos fortes é que a ideia veio de farmacêuticos. Se a iniciativa não partir de um deles, eles duvidam que pode ser bom.
Em seis meses, o piloto secreto conseguiu economizar quase US$ 66 mil. Em setembro de 2021, a Autoridade de Saúde Holandesa admitiu a existência do problema, mas disse que aquela era uma lei da UE e que, portanto, estava fora de sua jurisdição. Mas eles ofereceram uma solução alternativa: a plataforma poderia lidar com pacientes, em vez de medicamentos.
O serviço continuou funcionando da mesma forma, só que a farmácia compradora precisa mandar a receita do paciente para a farmácia vendedora. A farmácia vendedora passa a ser a oficial do tratamento, atendendo à prescrição daquele paciente, e a embalagem é enviada ao comprador. “É apenas um fluxo de trabalho ligeiramente diferente”, explica van Kerkhoven.
Operando a todo vapor desde setembro de 2021, a PharmaSwap economizou mais de US$ 1 milhão em medicamentos. Cerca de um terço das farmácias holandesas – 724 dentre quase duas mil – usam o marketplace, incluindo farmácias independentes e redes como Boot's e BENU, a maior do país.
Van Kerkhoven conta que as farmácias estavam ansiosas para aderir. “Um dos pontos fortes é que os idealizadores desse projeto são farmacêuticos, porque essa é uma categoria muito exigente”, diz ela. “Se a iniciativa não partir de um deles, eles duvidam que possa ser bom.”
TODOS GANHAM
O sistema gera economia para os compradores originais, que economizam de 40% a 50% na aquisição de medicamentos em comparação com as compras a granel tradicionais de atacadistas. Para os vendedores, é uma chance de ganhar uma renda extra com remédios que, de outra forma, seriam desperdiçados.
Para os pacientes, embora não reduza os preços, o sistema permite uma entrega mais rápida dos tratamentos necessários – justamente em um momento em que a escassez de medicamentos está varrendo a Europa. A PharmaSwap cobra uma taxa de transação de 10% das vendas de farmácia para farmácia, que cobre os custos de transporte.
O aumento dos custos na área de saúde é um problema global.
Como se não bastasse, o modelo ajudou a reduzir o dano ao meio ambiente, economizando, até o momento, o equivalente e 50 toneladas de CO2, de acordo com van Kerkhoven. Isso poderia ajudar especialmente grandes redes de farmácias, já que o relatório obrigatório de carbono continua a ser implementado e as empresas precisam demonstrar ações concretas para reduzir as emissões.
O fato de que a empresa ganhou recentemente um prêmio da European Healthcare Procurement na categoria de sustentabilidade tende a aumentar o reconhecimento da operação e ajudá-la a se expandir para outros países. Dentro de alguns meses, eles devem lançar um piloto no Reino Unido e estão em negociações com outros países europeus.
Van Kerkhoven acredita que o modelo também poderia funcionar nos Estados Unidos, que desperdiça quase US$ 3 bilhões em medicamentos não utilizados por ano. O modelo poderia ajudar especialmente grandes redes, como CVS e Walgreens, a trabalharem juntas para otimizar seu estoque em cada local. Se negociassem com outras redes rivais, os resultados poderiam ser ainda melhores.
“Esse problema não é só europeu”, diz ela. “O aumento dos custos na área de saúde é um problema global.”