Farmácias encontram um jeito de evitar o desperdício de medicamentos

Farmácias na Holanda estão compartilhando medicamentos parados no PharmaSwap

Crédito: Istock

Talib Visram 5 minutos de leitura

De um lado, uma farmácia com escassez de medicamentos para os pacientes que precisam. Do outro, uma com sobra daqueles que estão prestes a vencer. Para combater esse desequilíbrio, faz tempo que muitos farmacêuticos na Holanda compartilham medicamentos informalmente uns com os outros, comunicando-se por grupos de WhatsApp ou redes de e-mail e enviando o material pelo correio.

Em 2019, dois farmacêuticos decidiram formalizar este conceito de compartilhamento farmácia-a-farmácia, criando basicamente um marketplace de medicamentos. O PharmaSwap tem ajudado a reduzir o desperdício de cerca de US$ 122 milhões em medicamentos todos os anos apenas na Holanda, cortando custos para os consumidores e diminuindo significativamente o tempo de espera dos pacientes.

Embora tenha sido lançada primeiro por meio de um piloto clandestino, a fim de contornar as rigorosas leis da União Europeia, a plataforma foi oficialmente lançada em 2021 e agora deve se expandir para outros países da UE.

O PharmaSwap tem ajudado a reduzir o desperdício de cerca de US$ 122 milhões em medicamentos todos os anos.

Para ajudar a construir a plataforma, os farmacêuticos de Amsterdã Jelmer Faber e Piter Oosterhof contaram com a  FLOOW2, uma empresa que constrói plataformas de compartilhamento B2B para empresas e governos, principalmente na área de saúde.

O processo de compartilhamento de medicamentos parecia simples: um usuário criava uma conta e a plataforma verificava se ele é mesmo um farmacêutico. Eles listariam os itens encalhados – por exemplo, pílulas ou vacinas que, de outra forma, seriam desperdiçadas (mas que, de preferência, só vão vencer dali a dois meses) – em um banco de dados pesquisável.

Outros farmacêuticos que precisassem desses mesmos medicamentos poderiam entrar em contato. Juntos, eles concordam com um preço e um serviço de correio coleta e transporta os itens.

Mas havia um obstáculo considerável para a PharmaSwap: a plataforma era ilegal. De acordo com a legislação da UE, apenas atacadistas com licença estão autorizados a vender medicamentos a farmacêuticos. Estes, por sua vez, podem vender apenas para pacientes.

PROJETO PILOTO SECRETO

Ainda assim, a intenção era mostrar às autoridades que o problema existia, na tentativa de mudar a legislação. Eles então começaram um “piloto secreto”, com 20 farmacêuticos, conta Lieke van Kerkhoven, cofundadora do FLOOW2. Era um risco, mas eles estavam confiantes de que poderiam influenciar o status quo, porque “as pessoas realmente ficam tocadas com o desperdício de medicamentos”.

“Todo mundo conhece alguma história de um parente que morreu e a família precisou jogar todos aqueles remédios caros no lixo”, diz ela. Embora esse tipo específico de desperdício não seja abordado pela PharmaSwap, o projeto tinha grandes chances de influenciar a opinião pública e, por tabela, os legisladores.

Um dos pontos fortes é que a ideia veio de farmacêuticos. Se a iniciativa não partir de um deles, eles duvidam que pode ser bom.

Em seis meses, o piloto secreto conseguiu economizar quase US$ 66 mil. Em setembro de 2021, a Autoridade de Saúde Holandesa admitiu a existência do problema, mas disse que aquela era uma lei da UE e que, portanto, estava fora de sua jurisdição. Mas eles ofereceram uma solução alternativa: a plataforma poderia lidar com pacientes, em vez de medicamentos.

O serviço continuou funcionando da mesma forma, só que a farmácia compradora precisa mandar a receita do paciente para a farmácia vendedora. A farmácia vendedora passa a ser a oficial do tratamento, atendendo à prescrição daquele paciente, e a embalagem é enviada ao comprador. “É apenas um fluxo de trabalho ligeiramente diferente”, explica van Kerkhoven.

Operando a todo vapor desde setembro de 2021, a PharmaSwap economizou mais de US$ 1 milhão em medicamentos. Cerca de um terço das farmácias holandesas – 724 dentre quase duas mil – usam o marketplace, incluindo farmácias independentes e redes como Boot's e BENU, a maior do país.

Van Kerkhoven conta que as farmácias estavam ansiosas para aderir. “Um dos pontos fortes é que os idealizadores desse projeto são farmacêuticos, porque essa é uma categoria muito exigente”, diz ela. “Se a iniciativa não partir de um deles, eles duvidam que possa ser bom.”

TODOS GANHAM

O sistema gera economia para os compradores originais, que economizam de 40% a 50% na aquisição de medicamentos em comparação com as compras a granel tradicionais de atacadistas. Para os vendedores, é uma chance de ganhar uma renda extra com remédios que, de outra forma, seriam desperdiçados.

Para os pacientes, embora não reduza os preços, o sistema permite uma entrega mais rápida dos tratamentos necessários – justamente em um momento em que a escassez de medicamentos está varrendo a Europa. A PharmaSwap cobra uma taxa de transação de 10% das vendas de farmácia para farmácia, que cobre os custos de transporte.

O aumento dos custos na área de saúde é um problema global.

Como se não bastasse, o modelo ajudou a reduzir o dano ao meio ambiente, economizando, até o momento, o equivalente e 50 toneladas de CO2, de acordo com van Kerkhoven. Isso poderia ajudar especialmente grandes redes de farmácias, já que o relatório obrigatório de carbono continua a ser implementado e as empresas precisam demonstrar ações concretas para reduzir as emissões.

O fato de que a empresa ganhou recentemente um prêmio da  European Healthcare Procurement na categoria de sustentabilidade tende a aumentar o reconhecimento da operação e ajudá-la a se expandir para outros países. Dentro de alguns meses, eles devem lançar um piloto no Reino Unido e estão em negociações com outros países europeus.

Van Kerkhoven acredita que o modelo também poderia funcionar nos Estados Unidos, que desperdiça quase US$ 3 bilhões em medicamentos não utilizados por ano. O modelo poderia ajudar especialmente grandes redes, como CVS e Walgreens, a trabalharem juntas para otimizar seu estoque em cada local. Se negociassem com outras redes rivais, os resultados poderiam ser ainda melhores.

“Esse problema não é só europeu”, diz ela. “O aumento dos custos na área de saúde é um problema global.”


SOBRE O AUTOR

Talib Visram escreve para a Fast Company e é apresentador do podcast World Changing Ideas. saiba mais