Febre de apostas: as estratégias que garantem o sucesso das bets

Pesquisas mostram que adolescentes e jovens adultos são especialmente vulneráveis aos apelos dos sites de apostas

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William Leitch 4 minutos de leitura

Nos EUA, universitários que estão retornando às aulas neste mês estão sendo recebidos no campus por representantes de diversas empresas de apostas esportivas distribuindo brindes. Jovens adoram ganhar coisas grátis, mas as táticas desta indústria seguem um padrão parecido com o de traficantes: a primeira dose é sempre de graça.

Essa estratégia tem duas partes. A primeira consiste em atrair pessoas para os aplicativos de apostas online, que utilizam truques psicológicos altamente viciantes, aperfeiçoados por empresas digitais nas últimas décadas.

A segunda é normalizar as apostas como parte da experiência esportiva nas transmissões, onde as estatísticas que as favorecem são apresentadas como se fossem simples análises.

E isso não só tem funcionado como tem sido extremamente lucrativo. A American Gaming Association (Associação Americana de Jogos) estima que as apostas legalizadas estão aumentando os lucros das quatro principais ligas esportivas do país em mais de US$ 4 bilhões por ano. O setor de “bets” também está indo muito bem, tendo crescido de US$ 920 milhões em 2019 para quase US$ 11 bilhões em 2023.

Para entender como tudo isso funciona, é importante saber como os aplicativos de apostas online trabalham. A maioria oferece um incentivo: uma quantia “grátis” creditada na sua conta – em essência, uma aposta “sem risco”. Esse tipo de oferta cria a ilusão de que não há riscos envolvidos, atraindo pessoas mais suscetíveis ao vício.

“Vemos muito isso entre os nossos pacientes”, relata Meredith Ginley, psicóloga e professora associada da Universidade Estadual do Tennessee, que trabalha em uma clínica de jogo de azar, especializada em tratar o vício em apostas.

“Às vezes, as pessoas passam um tempo sem apostar e então recebem uma notificação dizendo: ‘aposte agora e nós cobrimos os seus primeiros US$ 100’. Elas encaram isso como se estivessem ‘ganhando’ US$ 100, o que torna muito difícil resistir. É uma oferta tentadora para qualquer um, até mesmo para quem não costuma apostar”, afirma Ginley.

É importante se perguntar que tipo de futuro estamos construindo à medida que essas tecnologias se tornam mais comuns.

E esses são apenas os incentivos para baixar o aplicativo. Depois de entrar, o design do app é feito para manter a pessoa lá. “Começa a não parecer mais dinheiro de verdade”, explica a psicóloga. “Você não está apostando dinheiro, são ‘pontos’ ou ‘créditos’.”

Além disso, esses aplicativos permitem apostas 24 horas por dia. Quando os pacientes de Ginley descobrem que podem apostar não só em jogos de beisebol, mas também em críquete no Irã ou handebol na Suíça, a qualquer hora do dia ou da noite, eles acabam ficando viciados até em esportes que mal conhecem. “Essa facilidade de acesso pode ser desorientadora e perigosa”, diz ela.

Pesquisas mostram que adolescentes e jovens adultos são especialmente vulneráveis. Uma meta-análise realizada em 2013 pela Universidade Estadual de Nova York estimou que cerca de 10% dos estudantes universitários (cinco vezes mais que a taxa entre adultos nos EUA) provavelmente sofrem de “transtorno do jogo compulsivo”, termo usado na psiquiatria para descrever o vício em apostas.

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Se as emissoras não estivessem cientes desse problema, não veríamos tantos anúncios sobre esse tipo de vício. Isso nos leva à segunda parte da estratégia: está ficando cada vez mais difícil assistir a um jogo sem sentir que você está perdendo algo por não estar apostando.

É impressionante como tudo mudou tão rapidamente. Por quase um século, após o escândalo do Black Sox, na World Series de 1919 (envolvendo manipulação de jogos na principal liga de beisebol dos EUA), as apostas foram um tabu no esporte norte-americano.

As ligas faziam de conta que elas não existiam. Os atletas eram proibidos de se envolver com isso. Nas transmissões, quase não se falava do assunto. Hoje, por outro lado, elas tratam as probabilidades de apostas como se fossem apenas mais um conjunto de estatísticas.

Sites de apostas oferecem incentivos em forma de crédito, atraindo pessoas mais suscetíveis ao vício.

As “bets” agora fazem parte das transmissões. O gráfico de “probabilidade de vitória” da ESPN aparece na tela durante os jogos, sendo ajustado a cada lance para atualizar as chances de vitória de cada time. Isso não fornece nenhuma informação real aos espectadores

Já há uma maneira simples de mostrar como a partida está indo: chama-se “placar”. Mas, para os apostadores, esses números são um atrativo irresistível, pois permitem novas apostas ou ajustes nas atuais.

É importante se perguntar que tipo de futuro estamos construindo à medida que essas tecnologias se tornam cada vez mais comuns. O ex-treinador do time de basquete Cleveland Cavaliers, J.B. Bickerstaff, disse ter sido ameaçado por apostadores após uma partida.

A liga nacional norte-americana de basquete (NBA) baniu o pivô do Toronto Raptors, Jontay Porter, e a de beisebol baniu o jogador do San Diego Padres Tucupita Marcano, ambos para sempre, após escândalos de apostas. Seríamos ingênuos de achar que se trata de incidentes isolados. Outros, inevitavelmente, acontecerão.

Mas a maior questão pode ser a cultura que estamos criando com tudo isso: um mundo onde o próprio esporte, o encanto da competição e o sentimento de comunidade entre torcedores é mercantilizado de uma forma que ameaça substituir muito do que sempre valorizamos. Além disso, claro, podemos estar criando milhões de novos viciados em apostas.


SOBRE O AUTOR

William Leitch é editor contribuinte da revista "New York", fundador do site de esportes Deadspin e autor de seis livros. saiba mais