Frustrado com a humanidade? Você não é o único. E isso pode ser bom

Você não precisa ser um "moleque mimado" para ter uma impressão geral negativa sobre a humanidade

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Brian Kateman 5 minutos de leitura

Enquanto existirem militantes, sempre vão existir piadas criticando seus protestos e suas falas. Isso ficou muito claro no mês passado, quando ativistas climáticos "atacaram" Stonehenge, a estrutura pré-histórica na planície de Salisbury, no Reino Unido. Os ativistas borrifaram um corante lavável nas pedras do monumento, em protesto contra a falta de ação do governo para mitigar as mudanças climáticas. 

Críticos culturais de todo o espectro político reagiram com críticas e repreensões, e até mesmo alguns colegas militantes do clima reprovaram a ação performática e chamaram as pessoas por trás dela de "moleques mimados".

Em um artigo para o  The Atlantic, Tyler Austin Harper, professor de estudos ambientais do Bates College, diz que os ativistas bem-intencionados são influenciados por "misantropos ambientais" e "pessimistas extremos". Ele argumenta que a intervenção em Stonehenge tem como alvo, equivocadamente, toda a humanidade, em vez de apontar responsabilidades mais específicas. 

Sou totalmente a favor de responsabilizar os bilionários do mundo por suas gigantescas pegadas de carbono, mas, sinceramente, não acho que os ativistas estejam errados em querer atingir um público mais amplo. Taylor Swift (e seu jatinho particular) sozinha não nos colocou nessa enrascada. A história da mudança climática envolve todos nós. 

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Não acredito em culpar pessoas comuns por problemas estruturais, mas, quando se trata do meio ambiente, não parece honesto nos retratarmos como meras vítimas de alguns poucos poderosos. Como sociedade, temos a tendência de fazer vista grossa, ou mesmo sujar nossas mãos diretamente, quando uma atitude questionável nos proporciona algo que desejamos. 

As empresas de fast fashion não teriam condições de produzir um volume de resíduos que entope os oceanos se as pessoas não estivessem dispostas a gastar dinheiro em roupas baratas que só usam uma vez. Se todo mundo decidisse se tornar vegano amanhã, as fazendas industriais ficariam completamente mal das pernas. 

Mesmo as estrelas pop não seriam capazes de viajar pelo mundo da forma que fazem se não fosse pelos fãs comprando ingressos para vê-las ao vivo. Mas, apesar de ter a consciência – e, muitas vezes, os recursos – para deixar de investir em atividades que estão destruindo o planeta, muita gente simplesmente não o faz.

Lixo têxtil depositado no deserto do Atacama, no Chile (Crédito: Lucas Aguayo Araos/ Anadolu Agency /Getty Images

Os seres humanos são responsáveis por algumas coisas horríveis, tanto no passado quanto no presente. Matamos bilhões de animais todos os anos. Adoramos máquinas que envenenam a atmosfera, adoecendo a nós mesmos e ao resto da vida na Terra. Discriminamos grupos de pessoas com base em características como raça, gênero, religião e orientação sexual. Fechamos os olhos a guerras e genocídios.

Considerando tudo isso, é natural que tenhamos uma percepção crítica sobre a humanidade, ou até mesmo que consideremos nossa espécie praticamente uma praga na Terra. Mas, por alguma razão, as pessoas que têm desdém pela humanidade são chamadas de "pessimistas extremos" e dizem que nosso ativismo deve ser "humanista". 

Vamos encarar os fatos: na média geral, os seres humanos agem de forma egoísta.

Dizem que devemos reverenciar os símbolos e artefatos das realizações humanas, separando maravilhas como o Coliseu das atrocidades que as tornaram possíveis, como a escravidão, o estupro e a morte. 

Os altos e baixos da humanidade estão, em muitos casos, inextricavelmente interconectados. Quando somamos tudo, será que é realmente tão exagerado acreditar que a humanidade teve um impacto líquido negativo?

Eu diria que essa visão de mundo não é tecnicamente construída com base na misantropia. Pelo contrário. Até mesmo essa conversa revela um pouco de esperança de que a humanidade poderia ser melhor.

Na verdade, pode ser que sim e pode ser que não, mas nenhum problema jamais foi resolvido sem antes ser reconhecido. A única maneira de mudar alguma coisa em nós mesmos, em nossas sociedades ou em nossa espécie, é primeiro apontando o que precisa mudar.

apesar de ter a consciência para deixar de investir em atividades que estão destruindo o planeta, muita gente simplesmente não o faz.

Concordo que fazer com que as pessoas se sintam mal consigo mesmas geralmente não é a melhor maneira de fazer com que elas se juntem ao seu grupo. Esse é um dos motivos pelos quais as pessoas tendem a se sentir mais confortáveis quando concentram toda a sua revolta climática nos bilionários, em vez de focar em coisas que gente comum faz. 

Mas, dito isso, passamos gerações propagando mensagens de bem-estar sobre reciclagem e louvação à Mãe Natureza, enquanto a crise climática está mais séria do que nunca. Tentamos todos os tipos de ativismo mais "engajante" e, mesmo assim, o mundo moderno ainda depende de combustíveis fósseis e da pecuária industrial. 

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Diante do desastre climático que se desenrola, parece meio hipócrita apontar o dedo para os "pessimistas" que estão de fato em ação, tentando fazer com que sua mensagem seja ouvida.

Sem contar que ações individuais como usar menos canudinhos e sacolas plásticas são frequentemente incentivadas em um mundo onde as corporações têm permissão para continuar poluindo e drenando recursos em grande escala

Por uma questão de estratégia, concordo que nossos esforços devem se concentrar principalmente em responsabilizar os poucos poderosos. Mas isso não muda o fato de que essas empresas não existiriam se as pessoas parassem de dar dinheiro a elas.

A única maneira de mudar alguma coisa em nós mesmos e na sociedade é começar apontando o que precisa mudar.

Seja honesto: quantas pessoas você conhece que pagariam mais pela passagem aérea em um voo movido a combustível mais limpo? Vamos encarar os fatos: na média geral, os seres humanos agem de forma egoísta.  

Então, em que ponto se torna aceitável começar a fazer as pessoas se sentirem um pouco desconfortáveis? É realmente tão ofensivo (fingir) desfigurar obras de arte ou interromper uma peça de teatro quando governos permitem que a indústria adoeça e mate pessoas sem controle? É realmente tão extremo sugerir que a humanidade possa precisar de um alerta para entender o que fizemos e continuamos a fazer ao nosso planeta e uns aos outros?

Enquanto a humanidade se comportar como um "parasita terrestre que envenena a Terra", nas palavras de Harper, não deveria ser nenhum tabu dizer isso. Como espécie, nosso número e impacto só estão crescendo. É válido questionar se isso é realmente uma coisa boa. Eu tenho minhas dúvidas, e você também deveria ter.


SOBRE O AUTOR

Brian Kateman é cofundador e presidente da Reducetarian Foundation, organização sem fins lucrativos dedicada a reduzir o consumo de ca... saiba mais