Há algum jeito de combater a fome sem comprometer o meio ambiente?

As soluções para a fome global muitas vezes têm impacto negativo no meio ambiente. É preciso abordar os dois problemas ao mesmo tempo

Créditos: Afrianto Silalahi/ NurPhoto/ Getty Images

Assaf Dotan 4 minutos de leitura

A economia é a arte de resolver problemas sem criar novos. Aumentar as taxas de juros pode conter a inflação, mas é fundamental que isso não leve a economia à recessão. O combate às mudanças climáticas e à insegurança alimentar representam um dilema semelhante, já que a solução para um desses problemas afeta diretamente a gravidade do outro.

Nesse sentido, a Indonésia é um exemplo que ilustra bem essa situação. Como maior exportador mundial de óleo de palma, o país utiliza técnicas de agricultura intensiva, o que tem causado desmatamento em larga escala, destruição de habitats de animais, poluição da água e um enorme aumento nas emissões de gases de efeito estufa.

No entanto, interromper essas práticas agrícolas contribuiria para a insegurança alimentar em países como a Índia, maior importador mundial de óleo de palma. Esse óleo é utilizado em diversos produtos, desde alimentos assados até sorvete, margarina, macarrão instantâneo, sabonete e batom.

Para combater efetivamente a fome e as mudanças climáticas, é preciso abordar essas duas questões simultaneamente, com muito pouca margem de erro.

Plantação de árvores para extração de óleo de palma no Havaí (Crédito: Terviva)

PRODUÇÃO x DEMANDA

A população mundial cresceu 167% desde 1960, em grande parte devido aos avanços na produção de alimentos e na tecnologia agrícola. No entanto, embora a tecnologia tenha contribuído para uma redução de 6% na insegurança alimentar grave nas primeiras duas décadas do século, a produção de alimentos não acompanhou o crescimento populacional – mesmo que tenhamos conseguido triplicar a produção global utilizando apenas 15% a mais de terra. 

A pesca e a aquicultura ajudaram a aumentar as populações de peixes para atender à crescente demanda sem prejudicar os ecossistemas aquáticos naturais. Mas, ao longo do tempo, surgiram problemas relacionados à escala e ao custo que dificultaram a expansão dessas atividades.

O Acordo de Paris não discute alternativas para manter, ou até mesmo aumentar, a produção de alimentos de forma sustentável.

A agricultura, por sua vez, se tornou mais eficiente à medida que novas técnicas inovadoras passaram a ser adotadas, como o uso de máquinas e fertilizantes sintéticos.

Apesar de terem sido bem-sucedidas na estabilização do suprimento de alimentos e no aumento da expectativa de vida, essas técnicas intensivas de agricultura causaram danos significativos ao meio ambiente.

O uso de fertilizantes à base de nitrogênio, herbicidas e inseticidas prejudica o solo, removendo nutrientes essenciais e reduzindo a biodiversidade, além de poluir rios e outros corpos d’água que são essenciais para a diversidade ecológica.

SOLUÇÕES SUSTENTÁVEIS

Embora o Acordo de Paris reconheça a vulnerabilidade dos sistemas de produção de alimentos às mudanças climáticas, não aborda o impacto da agricultura intensiva no meio ambiente. Mais importante ainda, não discute alternativas para manter, ou até mesmo aumentar, a produção de forma sustentável.

Encontrar soluções que encarem essas duas crises como uma única ameaça requer níveis elevados de criatividade e colaboração entre líderes internacionais e locais, bem como organizações não-governamentais (ONGs) e os próprios agricultores.

Felizmente, já existem soluções e métodos inovadores e sustentáveis disponíveis e sendo implementados em várias partes do mundo.

Lavoura de soja (Crédito: Deposiphotos)

A fixação biológica utiliza bactérias para enriquecer o solo com compostos de nitrogênio inorgânico, captando nitrogênio atmosférico e aplicando-o diretamente nas raízes de plantas.

Cientistas brasileiros desenvolveram biofertilizantes que utilizam microrganismos fixadores de nitrogênio para tratar as lavouras de soja de forma sustentável e mais acessível, reduzindo a alta dependência de fertilizantes sintéticos importados. Essa abordagem não apenas diminui o consumo de energia durante a produção, mas também aumenta os lucros do setor.

O Brasil é o maior exportador mundial de soja. A fixação biológica de nitrogênio oferece uma alternativa a fertilizantes químicos nocivos.

CRESCIMENTO SAUDÁVEL

Da mesma forma que a fixação biológica retira nitrogênio da atmosfera, outro processo natural, conhecido como sequestro de carbono, captura CO2 do ar. Esse processo transfere o carbono para o solo, permitindo sua recuperação e promovendo o crescimento saudável das plantas.

já existem soluções e métodos inovadores e sustentáveis disponíveis e sendo implementados em várias partes do mundo.

Porém, não podemos falar em impulsionar a bioagricultura por meio da tecnologia sem dados. A análise de dados é fundamental para determinar os bioestimulantes vegetais mais adequados – substâncias ou microrganismos aplicados diretamente na plantação ou no solo para promover um crescimento melhorado. Essas informações fornecem aos agricultores uma ferramenta essencial para maximizar o crescimento das culturas.

A análise pode avaliar aspectos como composição do solo, padrões climáticos, saúde das plantas e níveis de nutrientes para ajudar os agricultores a tomar decisões em tempo real sobre a dosagem e os métodos de tratamento dos bioestimulantes.

As mudanças climáticas estão afetando cada vez mais nosso dia a dia, portanto, a colaboração global em todos os níveis se torna inevitável. Quanto mais cedo começarmos a nos organizar, maiores serão as chances de reverter essas tendências preocupantes.


SOBRE O AUTOR

Assaf Dotan é especialista em agrotecnologia e CEO da Grace Breeding, empresa que desenvolve fertilizantes biológicos. saiba mais