Hamdi Ulukaya e seu império de iogurte acolhem refugiados afegãos

Crédito: Fast Company Brasil

Clint Rainey 6 minutos de leitura

A filosofia empresarial e as iniciativas filantrópicas de Hamdi Ulukaya são focadas principalmente em ajudar pessoas fora dos Estados Unidos: refugiados sírios, vítimas do terremoto no Haiti, vítimas da fome na Somália, empresários na Guatemala e startups na Turquia. Mas suas últimas duas iniciativas se concentraram em um problema doméstico nos EUA. 

Desde agosto, dezenas de milhares de refugiados afegãos chegaram aos Estados Unidos e, na semana passada, Ulukaya – sem dúvida o defensor mais ferrenho de refugiados no mundo dos negócios – lançou uma iniciativa totalmente nova, a Tent Coalition for Afghan Refugees, para ajudar refugiados e assisti-los na chegada.

“No momento em que a situação no Afeganistão gerou uma crise migratória, dissemos: ‘Que lindo que essas pessoas que ajudaram militares americanos, arriscando suas vidas e se tornado aliados, serão acolhidas”, revelou Ulukaya à Fast Company. “Mas logo em seguida tomamos conhecimento de uma série de problemas.”

E alguns desses problemas espantaram o CEO. O mundo corporativo “está completamente omisso quanto a crise humanitária”, afirma. E enquanto isso, em termos de política, “nada mudou desde a década de 1940, após a Segunda Guerra Mundial”. Nos EUA, o tratamento dado a refugiados na verdade piorou: o presidente Trump passou quatro anos retrocedendo em políticas de proteção, suspendendo asilo e reduzindo em 80% o número de refugiados acolhidos – o nível mais baixo de todos os tempos.

Já o governo Biden priorizou a ajuda aos refugiados, mas não pôde fazer muito. Por isso, a iniciativa Tent Coalition, de Ulukaya, contribuiu garantindo o comprometimento de várias empresas em mitigar o problema, semanas após a retirada das tropas americanas do país. Empresas como Amazon, Uber, Facebook, Hilton, UPS, Gap, Pfizer, Tyson Foods e muitas outras concordaram em se juntar à Chobani para contratar, treinar e prover recursos aos refugiados.

Esta coalizão é um braço da Tent Partnership for Refugees, uma organização sem fins lucrativos que Ulukaya coordena desde 2016. (Seu mantra de longa data é: “Quando um refugiado consegue um emprego, ele deixa de ser refugiado.”) Hoje, a Tent coopera com o Departamento de Estado americano e também trabalha com agências de reassentamento para conciliar as habilidades profissionais dos refugiados de acordo com as necessidades das empresas. Após esta avaliação, as entidades parceiras contam com planos de ação específicos para ajudar os recém-chegados. Um exemplo disso é a Chobani, que possui fábricas no interior do estado de Nova York e em Twin Falls, Idaho.

Provavelmente não é coincidência que o governo Biden escolheu Twin Falls – onde Chobani abriu a maior fábrica de iogurte do mundo em 2012 – como uma das 139 cidades dos EUA que acolherão refugiados afegãos, embora essa decisão não tenha agradado a todos. Políticos do Partido Republicano em Idaho, sob o comando do governador Brad Little, escreveram uma carta ao presidente Biden informando que a polícia do estado aplicará “medidas adicionais de verificação” aos refugiados. Felizmente, Chobani aprendeu a lidar com este tipo de resistência há muito tempo. Sua fábrica em Twin Falls já empregou centenas de refugiados desde a sua inauguração e isso gerou ameaças de morte e outros ataques racista tanto a Ulukaya quanto aos trabalhadores.

UMA SOLUÇÃO ‘DELICIOSA’ PARA A FOME

Na semana passada, a Chobani lançou um novo produto: sua primeira pasta de amendoim. Como todos os produtos da marca, a pasta é feita com ingredientes saudáveis (e Ulukaya garante à Fast Company que “tem um sabor delicioso”). Mas o ponto principal é sua parceria com a Edesia, uma organização sem fins lucrativos dedicada a acabar com a fome na infância e com a desnutrição. Seu ingrediente secreto é algo chamado Plumpy’Nut, uma pasta de amendoim francesa inspirada na Nutella, mas repleta de nutrientes que ajudam a tratar a desnutrição aguda grave. Desde o início de sua fabricação em 2005, o produto foi responsável pela redução das taxas de mortalidade infantil na África, alimentando mais de 15 milhões de crianças em 60 países.

E agora já é possível encontrar a pasta de amendoim da Chobani nas prateleiras dos supermercados americanos. A empresa está doando 100% dos lucros a Edesia para financiar a Plumpy’Nut. Ulukaya espera que esta ação ajude a população a lembrar que a fome infantil e a desnutrição não são problemas distantes, também ocorrem em seu próprio país.

Edesia foi a primeira organização sem fins lucrativos a passar pela popular Chobani Food Incubator (iniciativa que auxilia empresas responsáveis do ramo alimentício a melhorar suas estratégias e fazer a diferença). A fundadora, Navyn Salem, mãe de quatro filhos, se dedicou à causa após assistir a uma reportagem no programa 60 Minutes sobre o assunto. “Ela entregou milhões dessas pastas de amendoim pelo mundo – na África, no Oriente Médio, na América do Sul”, diz Ulukaya. “Porém ela enxergava uma necessidade de produtos nutritivos também nos EUA.”

“Aprendi muito durante esse processo”, ele acrescenta, sobre a experiência de trabalhar com a Edesia. “A desnutrição infantil, além de ser um problema sério em outros países, também ocorre nos EUA. E a pandemia agravou isso de forma crítica.” Como é de se esperar, ele não parece muito otimista de que empresas do setor de alimentos nos EUA tentarão resolver este problema. “Estamos falando de uma dúzia de empresas responsáveis por 70% do consumo do país… e é preocupante a forma como elas produzem alimentos direcionados a crianças. À medida que vamos mais fundo em seus processos de fabricação, encontramos mais e mais fatos perturbadores.”

Já a Chobani é uma brilhante expoente desta nova era corporativa. Ao longo dos anos, a marca cresceu e se tornou uma empresa de alimentos completa, produzindo cremes para café, bebidas geladas, ração e, agora, pasta de amendoim. Nos próximos meses, a fabricante de iogurte pode abrir caminho e servir de exemplo para empresas que se preocupam mais com sua missão do que com lucros. Em 2016, Ulukaya surpreendeu seus funcionários ao prometer dar-lhes uma participação de 10% na Chobani quando ela abrir seu capital. A empresa já entrou com a papelada para um IPO (processo de oferta pública inicial) que pode acontecer ainda este ano. Enquanto o CEO ainda não pode discutir o assunto, analistas estimam que a empresa pode valer mais de US$ 10 bilhões. Nessa avaliação, o pagamento médio aos 2 mil funcionários de tempo integral de Chobani seria de quase US$ 500 mil, e alguns se tornariam milionários da noite para o dia.

Essa distribuição da riqueza ainda segue como plano, Ulukaya confirma à Fast Company, argumentando que o patrimônio é simplesmente o resultado do trabalho árduo de todos os colaboradores.

Ele diz que isso remonta à primeira fábrica da Chobani no interior do estado de Nova York, a cerca de oito quilômetros de sua casa. Ulukaya ignorou o conselho de seu advogado e comprou a fábrica da Kraft Foods que estava fechando. “Eu testemunhei mais uma empresa abandonando funcionários que haviam contribuído há anos”, explica. “Eu percebi que, para ter uma chance no ramo, não poderia repetir os erros que outros cometeram. Eles os demitiram, então eu decidi torná-los meus parceiros.”


SOBRE O AUTOR

Clint Rainey é jornalista investigativo, mora em NYC e é colaborador da Fast Company. saiba mais