Horta na Lua: cientistas testam, no Polo Sul, técnicas para cultivar plantas no espaço
Descobrir como cultivar alimentos no espaço é uma parte importante de um esforço maior para demonstrar a viabilidade da habitação humana em ambientes extraterrestres. Em 12 de maio de 2022, uma equipe de cientistas anunciou que havia conseguido cultivar com sucesso plantas usando solo lunar coletado durante as missões Apollo. Mas esta não é a primeira vez que os cientistas tentam reproduzir o cultivo de alimentos em solos que normalmente não suportam a vida.
Sou historiadora da ciência antártica e o cultivo de plantas e alimentos no extremo sul da Terra tem sido uma área de pesquisa há mais de 120 anos. Esses estudos ajudaram a entender ainda mais os inúmeros desafios da agricultura em ambientes extremos e resultaram em um cultivo limitado, porém bem-sucedido, de plantas na Antártica. A partir da década de 1960, cientistas passaram a ver a pesquisa como o primeiro passo rumo à habitação humana no espaço.
CULTIVO DE PLANTAS NA ANTÁRTICA
Os primeiros esforços para cultivar plantas na Antártida se concentraram sobretudo em fornecer alimento aos exploradores.
Em 1902, o médico e botânico britânico Reginald Koettlitz foi a primeira pessoa a cultivar alimentos em solo antártico. Ele recolheu um pouco de solo do estreito de McMurdo e o usou para cultivar mostarda e agrião em caixas, sob uma claraboia, a bordo do navio da expedição.
Koettlitz produziu o suficiente para que, durante um surto de escorbuto, toda a tripulação pudesse comer as verduras para tratar e aliviar sintomas. Este primeiro experimento demonstrou que o solo antártico poderia ser produtivo e também comprovou os benefícios nutricionais de alimentos frescos durante expedições polares.
Houve muitas outras tentativas de introduzir plantas não nativas na paisagem antártica, mas, em sua maioria, não sobreviviam por muito tempo. Embora o solo em si pudesse suportar vida vegetal, o ambiente hostil não favorecia o cultivo de plantas.
TÉCNICAS MODERNAS E BENEFÍCIOS
Na década de 1940, muitos países começaram a estabelecer estações de pesquisa no continente gelado. Como era impossível cultivar plantas do lado de fora, algumas pessoas que viviam nessas estações se encarregaram de construir estufas para fornecer comida e bem-estar emocional.
Mas logo perceberam que o solo antártico era de péssima qualidade para a maioria das culturas, com exceção da mostarda e do agrião, e normalmente perdia sua capacidade fértil após um ou dois anos. A partir da década de 1960, começaram a mudar para o método sem solo da hidroponia, um sistema no qual se cultiva plantas com as raízes imersas em água tratada quimicamente e sob uma combinação de luz artificial e natural.
Em 2015, havia pelo menos 43 instalações diferentes na Antártida, onde pesquisadores cultivavam plantas. Embora essas instalações tenham sido úteis para experimentos científicos, muitos exploradores apreciaram poder comer vegetais frescos no inverno e consideraram isso algo excelente para seu bem-estar psicológico.
ANTÁRTICA COMO UM ANÁLOGO AO ESPAÇO
A partir da década de 1960, cientistas que trabalham para organizações como a NASA começaram a pensar no ambiente hostil, extremo e quase alienígena da Antártica como um análogo conveniente para a exploração espacial, onde os países podiam testar tecnologias e protocolos espaciais, incluindo o cultivo de plantas. Esse interesse continuou até o final do século XX. Mas foi apenas nos anos 2000 que o espaço se tornou o objetivo principal de algumas pesquisas agrícolas na Antártica.
Em 2004, a Fundação Nacional de Ciência norte-americana e o Centro de Agricultura Ambiental Controlada da Universidade do Arizona fizeram uma parceria para construir a Câmara de Crescimento Alimentar do Polo Sul. O projeto foi desenvolvido para testar a agricultura ambiental controlada – um meio de maximizar o crescimento das plantas e, ao mesmo tempo, minimizar o uso de recursos.
De acordo com seus arquitetos, a instalação simula as condições de uma base lunar e fornece "um análogo na Terra para algumas das questões que surgirão quando a produção de alimentos for transferida para colônias espaciais".
Desde a construção da Câmara, a Universidade do Arizona tem colaborado com a NASA para construir um Protótipo de Estufa Lunar semelhante.
CULTIVO DE PLANTAS NO ESPAÇO
À medida que os astronautas começaram a passar mais tempo no espaço, no final do século XX, também começaram a colocar em prática as lições aprendidas em mais de 100 anos de cultivo de plantas na Antártica.
Em 2014, astronautas da NASA instalaram o Sistema de Produção de Vegetais a bordo da Estação Espacial Internacional para estudar o crescimento das plantas em microgravidade. No ano seguinte, colheram uma pequena safra de alface, algumas das quais comeram com vinagre balsâmico.
Assim como os cientistas na Antártica, a NASA confirmou que o valor nutricional e psicológico de produtos frescos é “uma solução para o desafio de missões de longa duração no espaço”.
Essa pesquisa no extremo sul do planeta desempenha um papel importante para o futuro das viagens espaciais até hoje. Em 2018, a Alemanha iniciou um projeto chamado Eden ISS, que se concentrou em tecnologias de cultivo de plantas e suas aplicações no espaço em um sistema semifechado.
As plantas crescem no ar, enquanto dispositivos pulverizam água quimicamente tratada nas raízes. No primeiro ano, a Eden ISS foi capaz de produzir vegetais frescos suficientes para atender a um terço da dieta de uma tripulação de seis pessoas.
Assim como na exploração da Antártica, a questão de como cultivar plantas é central para qualquer discussão sobre possíveis colônias humanas na Lua ou em Marte. Mas, mesmo depois de mais de um século de prática e técnicas cada vez mais avançadas, os alimentos cultivados no continente nunca foram suficientes para suprir a dieta de um número grande de pessoas por muito tempo.
Ou seja, antes de enviar pessoas para a Lua ou para Marte, talvez seja mais sensato primeiramente provar que um assentamento pode ser autossuficiente em termos de alimentação em meio às planícies congeladas do sul da Terra.