Indústria da carne cultivada enfrenta desafios. Mas não é hora de desistir

A carne cultivada em laboratório é cara e difícil de produzir, mas não devemos desistir dessa ideia que poderia ajudar a salvar o mundo

Crédito: nevodka/ iStock

Brian Kateman 4 minutos de leitura

No final de 2023, a “Bloomberg” publicou uma matéria sobre a Upside Foods, líder no setor de carne cultivada em laboratório. As autoras, Deena Shanker e Priya Anand, observaram que, apesar de arrecadar centenas de milhões de dólares e fazer promessas ambiciosas de que seus produtos estariam em breve nas prateleiras dos supermercados, a empresa tinha “poucos resultados a mostrar”. Outro artigo, publicado pela “Wired” em setembro, chegou a uma conclusão semelhante.

Embora seja inegável que a Upside Foods não tenha atingido suas próprias metas, há um certo exagero. Afinal, a carne cultivada em laboratório já foi vista como ficção científica.

Mas agora, em grande parte graças à própria Upside Foods, esse não é mais o caso. A empresa obteve aprovação do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos e da FDA (agência do governo norte-americano que regulamenta alimentos e remédios) para seu peito de frango cultivado e já está vendendo o produto (em pequenas quantidades) em um restaurante sofisticado na cidade de São Francisco, na Califórnia.

Dizer que todo esse esforço foi inútil demonstra falta de compreensão sobre por que é tão importante que empresas como a Upside Foods tentem superar os obstáculos nessa indústria, independentemente das chances de sucesso.

Já tentamos convencer as pessoas a comer mais vegetais, mas, em geral, isso simplesmente não funciona.

Considere que, apenas nos EUA, 10 bilhões de animais são criados em fazendas industriais. No mundo todo, esse número chega a 70 bilhões e, quando incluímos animais marinhos, sobre para a casa dos trilhões. A carne cultivada permitiria que as pessoas consumissem proteína animal sem contribuir para a tortura sistemática de seres vivos – o que é algo bastante significativo.

Mas os críticos apontam que animais ainda são usados no processo “eticamente duvidoso” de cultivar carne a partir de células, devido ao uso de componentes à base de animais, como soro fetal bovino e gelatina. A esperança é que, no futuro, eles sejam eliminados do processo. De qualquer modo, não seria melhor prejudicar um número consideravelmente menor de animais?

Além disso, há o impacto da pecuária no meio ambiente. Ela é responsável por 14,5% das emissões globais de gases de efeito estufa (e alguns acreditam que esta é uma estimativa conservadora), sendo a principal causa de destruição de habitats e utilizando até um terço da água doce do planeta, inclusive em regiões sujeitas a secas.

Crédito: Edson Grandisoli/ iStock

Estudos mostram que a carne cultivada em grande escala ocuparia menos espaço e utilizaria muito menos água. A redução de emissões depende, em grande parte, da escala e do acesso à energia renovável, mas pelo menos tem potencial. Não há como alimentar um boi sem prejudicar o meio ambiente.

A saúde humana é outra grande preocupação nas discussões sobre carne produzida em fazendas industriais. Grandes organizações de saúde, como a American Cancer Society, consideram a carne processada um conhecido agente cancerígeno e a carne vermelha (incluindo bovina, suína e de cordeiro) como um provável causador de câncer.

A carne de aves também apresenta riscos à saúde, como a propensão à contaminação por Campylobacter e Salmonella. E praticamente todos os produtos animais produzidos em fazendas industriais aumentam o risco de bactérias resistentes a antibióticos e vírus que são transmitidos dos animais para as pessoas.

Crédito: Impossible Foods

É por isso que é curioso que Shanker e Anand estejam tão focadas no fato de que o frango da Upside Foods continha chumbo. Claro, isso provavelmente causaria preocupação em qualquer um, e com razão.

Mas, considerando que pequenas quantidades de chumbo frequentemente estão presentes em inúmeras safras, de maçãs a cenouras, e que a FDA determinou que o frango da Upside Foods estava em níveis seguros, isso se torna alarmismo. As pessoas comem carne, independentemente dos riscos à saúde e, por várias razões, não estão dispostas a adotar uma dieta vegana.

ERROS E ACERTOS

Já tentamos convencer as pessoas a comer mais vegetais. Mas, em geral – e para minha frustração –, isso simplesmente não funciona. Desistir do esforço de desenvolver uma proteína animal mais saudável, que tenha uma chance real de fazer com que muitos deixem de consumir carne produzida em fazendas industriais, seria desistir da saúde da maioria da população.

Estudos mostram que a carne cultivada em grande escala ocuparia menos espaço e utilizaria muito menos água que a pecuária tradicional.

Poderíamos até argumentar que as empresas de carne cultivada em laboratório estão cavando suas próprias covas ao fazer promessas exageradas e não cumpri-las, prejudicando não apenas sua própria credibilidade, mas também a opinião pública em relação a todo o setor de proteínas alternativas (incluindo carne à base de plantas, como as produzidas pela Beyond Meat e pela Impossible Foods).

Como em qualquer novo setor, provavelmente estamos cometendo uma série de erros no desenvolvimento de carne cultivada, muito mais do que conseguimos perceber. Mas isso faz parte do processo de inovação.

Até encontrarmos maneiras de produzir carne cultivada deliciosa, acessível e em larga escala – se é que isso é possível –, provavelmente também teremos descoberto um milhão de maneiras de como não fazê-lo. Mas correr atrás desse sonho não é, de forma alguma, um “erro de cálculo”. É uma obrigação moral.


SOBRE O AUTOR

Brian Kateman é cofundador e presidente da Reducetarian Foundation, organização sem fins lucrativos dedicada a reduzir o consumo de ca... saiba mais